Governo insiste na mudança da hora, mas terá de seguir UE se proposta for aprovada

Portugal mantém a sua decisão de mudar a hora duas vezes por ano – o que não será possível se a medida europeia for avante em 2021. Os eurodeputados Marisa Matias e Paulo Rangel pedem mais informação sobre os impactos da mudança da hora.

Foto
Decisão portuguesa vai contra proposta europeia de abolir a mudança da hora LUSA/PATRICK SEEGER

O Governo português insiste que manterá, para já, a sua “posição assumida” de mudar a hora duas vezes por ano, apesar de o Parlamento Europeu ter votado a favor da medida que prevê que haja um só regime horário a partir de 2021.

Para ser definitiva, esta medida tem ainda de ser aprovada em Junho pelo Conselho da União Europeia, no qual os Estados-membros terão de optar por um de dois regimes horários: ou ficam sempre na hora de Verão, ou ficam sempre no horário de Inverno – e a decisão deve ser concertada, sobretudo entre países vizinhos – o que inviabilizaria a decisão portuguesa. Confrontado com este cenário, o gabinete do Ministério das Infra-estruturas, liderado pelo ministro Pedro Nuno Santos, disse ao PÚBLICO nesta quarta-feira que continuará a defender, para já, a intenção de mudar a hora duas vezes por ano.

O Parlamento Europeu esclareceu ao PÚBLICO que, nesta questão da mudança da hora, não é requerida unanimidade no Conselho da União Europeia – ou seja, se for aprovada, Portugal terá até Abril de 2020 para decidir se quer ficar com a hora de Inverno ou com a hora de Verão. Quando o Conselho chegar a uma decisão, haverá ainda negociações com o Parlamento Europeu (onde também entra a Comissão) para se chegar a um acordo final. Não se sabendo ainda em que ponto fica a proposta, a mudança da hora duas vezes por ano continuará a acontecer pelo menos até 2021 — e a próxima vez é já na madrugada deste domingo, dia 31.

“Não pode ser uma questão de birra”

A votação no Parlamento Europeu foi feita na terça-feira e resultou em 410 votos a favor e 192 votos contra. A bloquista Marisa Matias foi uma dos 51 eurodeputados que se abstiveram e explica ao PÚBLICO que este “não é um assunto de menor importância”. “Não pode ser apenas uma questão de birra, devem ser feitos estudos reais para perceber qual o melhor regime horário tendo em conta a qualidade de vida e padrões energéticos”, assevera, dizendo que em Portugal não há informação detalhada “que permita dizer que um modelo é melhor do que o outro ou vice-versa”.

Além disso, acredita que “a mudança da hora deve estar a cargo dos Estados-membros e não deve ser uma imposição europeia”, e que deve ter sobretudo em conta a defesa da saúde pública e as alterações climáticas, no que toca a padrões de consumo energético, por exemplo.

O eurodeputado social-democrata Paulo Rangel invoca argumentos semelhantes enquanto concorda com a intenção de Portugal de manter o regime actual, razão que o levou a votar contra: “Sinceramente, não vejo nenhuma prova de que ter uma hora única seja melhor para Portugal ou para a Europa”, vinca, acrescentando que manter sempre uma só hora poderá “ter consequências sérias”.

“Mas se a Europa avança para um regime único, Portugal também avançará”, conclui, mostrando-se preocupado com o desfasamento horário entre nações europeias.

Já o eurodeputado Marinho e Pinto, que será cabeça de lista ao Parlamento Europeu pelo Partido Democrático Republicano, foi um dos poucos portugueses que votaram a favor de um só regime horário, e fê-lo por “convicção pessoal e por respeito pelo biorritmo humano”, pois não crê que faça sentido alterar “artificialmente” a hora todos os anos. “Seria muito melhor para os humanos ter sempre a mesma hora”, defende, acrescentando que as razões que estiveram na origem da mudança da hora já não têm força nos dias de hoje. “De qualquer forma, esta decisão [do Parlamento Europeu] está tomada e acaba por ser uma medida proclamatória, porque esta é uma competência que pertence aos Estados-membros”, que podem ou não chegar a acordo no Conselho.

A possibilidade de se alterar o regime horário vigente até agora surgiu no Verão passado, quando a União Europeia lançou um inquérito online em que perguntava aos cidadãos qual o regime que preferiam. Houve cerca de 4,6 milhões de respostas (de entre os mais de 500 milhões de habitantes na UE), uma participação recorde numa consulta pública europeia. No inquérito, 84% dos inquiridos disseram estar a favor de manter sempre o mesmo horário. Só 0,33% dos portugueses votaram e, desses, a grande maioria (79%) disse estar a favor de manter o horário de Verão para sempre.

Ainda assim, o inquérito tem sido criticado: “Trata-se de uma amostra altamente enviesada e que não é representativa da opinião média da Europa”, argumentava em Outubro o director do Observatório Astronómico de Lisboa (​OAL), Rui Agostinho. “Deveria ter sido um inquérito com uma discussão alargada, com debates a explicar os prós e contras. Deveria ter sido uma votação fundamentada com consciência das implicações”, disse ainda ao PÚBLICO. Rui Agostinho foi o responsável pela elaboração do relatório de 44 páginas que esteve na base da decisão tomada pelo Governo português de manter o regime bi-horário.

Sugerir correcção
Ler 44 comentários