O filho enjeitado

Andou dez anos à espera de ser feito para acabar directo-a-streaming no Netflix, tudo porque Kathryn Bigelow acabou por não o fazer. Perdemos todos.

Chandor não é capaz de dar ao filme qualquer tipo de embalo
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Há uma razão para Operação Fronteira ter andado desde há coisa de uma década a saltar de estúdio em estúdio e de elenco em elenco para acabar como um “directo-a-streaming” do Netflix, e parece que nessa quase década ninguém se deu ao trabalho de a tentar perceber ou pelo menos de a resolver. O projecto foi originalmente desenvolvido por Kathryn Bigelow, a autora de Estado de Guerra e 00:30 A Hora Negra, com o seu argumentista em ambos os projectos, o jornalista Mark Boal, sendo inspirado pelas histórias verídicas do narco-tráfico na “tripla fronteira” amazónica entre Brasil, Argentina e Paraguai. Mas a cineasta acabou por “saltar fora” (retendo crédito como produtora), os grandes estúdios também, e o filme acabou por ir parar ao Netflix, nas mãos de um dos cineastas mais interessantes revelados nos últimos anos no circuito indie americanos, J. C. Chandor (Um Ano Muito Violento, Quando Tudo Está Perdido).

Mas tudo em Operação Fronteira, que teve estreia mundial esta quarta (13) no Netflix (nos EUA, teve também uma semana de exibição em sala), é de uma banalidade genérica e derivativa: cinco veteranos das forças especiais americanas decidem-se a eliminar um barão da droga algures na América Latina e guardar para si os proveitos do roubo, numa história que parece estar entre a ligeireza truculenta de um Hawks e o heist movie clássico, mas nunca se ergue acima de uma sisudez significativamente patuda. Exemplo: toda a gente passa o tempo a resmungar que deu os melhores anos da sua vida à sua pátria e agora não tem sequer dinheiro para mandar cantar um cego, num sublinhado que carrega a traço grosso naquilo que não era preciso ser dito e redito. Bigelow teria certamente sido capaz de emprestar textura e atenção às personagens (Estado de Guerra não falava de outra coisa que não fosse o stress pós-traumático em contexto militar, e a primeira cena de Operação Fronteira até sugere um outro filme); a surpresa é que Chandor, que provou ser capaz disso nos filmes anteriores, não seja capaz de o fazer aqui, e muito menos de dar ao filme qualquer tipo de ritmo ou de embalo que o torne minimamente entusiasmante (mesmo que o “terceiro acto” introduza algumas surpresas bem-vindas).

A sensação com que ficamos no final é a de que é um filme “enjeitado” que perdeu a sua razão de ser algures quando Bigelow saltou fora e que ninguém mostrou interesse suficiente em afinar. Um objecto cujo final já se adivinha a meio caminho, que não deixa nódoa no currículo de ninguém mas que também ninguém irá lembrar — e é pena, porque há aqui as sementes de um bom filme que ficou pelo caminho.

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