Neto de Moura diz que casos que julgou “não são particularmente graves”. Recorde os processos

O juiz diz que é "de esquerda" em termos sociais e conta que foi membro da União de Estudantes Comunistas.

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“A sociedade portuguesa é muito machista. Eu não”, diz Neto de Moura em entrevista ao Expresso. xx - frame de imagem da televisao

Neto de Moura, o juiz que decidiu retirar a pulseira electrónica a um homem que rebentou um tímpano à mulher ao soco e que atribuiu pena suspensa a dois homens que agrediram a companheira com uma moca de pregos​, afirma que os casos de violência doméstica que tem julgado “não são particularmente graves”. Em entrevista ao Expresso o juiz reitera que faz sentido citar a Bíblia para fundamentar acórdãos sobre agressões motivadas por infidelidade conjugal e diz que é “de esquerda”, em termos sociais, mas “conservador” nos costumes. 

“Não sou machista, nem misógino ou cavernícola. Sou uma pessoa normalíssima, mas tenho alguns valores que podem não ser os actualmente dominantes. Para mim é importante a fidelidade conjugal. Não concebo que duas pessoas estejam a enganar-se”, sublinha o juiz desembargador.

O primeiro caso polémico de Neto de Moura tratou-se de caso de violência doméstica, em que a vítima foi agredida pelo ex-marido e pelo homem com quem tinha mantido uma relação extraconjugal (relacionamento que motivou a separação do casal alguns meses antes da agressão). Em Junho de 2015, depois de a mulher ser sequestrada pelo ex-amante que lhe pedia que retomassem a relação, o homem chamou o ex-marido da vítima para a confrontarem juntos. Na agressão, foi usada uma “moca” com pregos. Neto Moura decidiu aplicar pena suspensa aos dois homens alegando que o adultério da mulher era atenuante e citou no acórdão uma passagem da bíblia. “Ora, o adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal [de 1886] punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse acto a matasse”, lê-se no acórdão.

Em meados de Junho do ano passado, o magistrado teve de decidir sobre mais um caso relacionado com violência doméstica. Desta feita, o caso era o de marido e mulher que moravam em Matosinhos. De acordo com aquilo que ficou provado em tribunal, o homem sempre maltratou a companheira, mesmo durante a gravidez. As coisas agravaram-se nos últimos cinco anos do relacionamento, com ameaças de morte, bofetões e agressões verbais. Até que um dia lhe desferiu vários socos na cabeça, perfurando-lhe um tímpano. A mulher apresentou queixa e foi na altura foi aplicada uma pulseira electrónica ao arguido como medida de coacção, no Verão passado o homem foi condenado por um juiz do Tribunal de Matosinhos a três anos de pena suspensa por violência doméstica agravada, a pagar 2500 euros à vítima por danos morais e a frequentar um programa de controlo de agressores. Ficou ainda proibido de se aproximar da ex-mulher ou de a contactar de qualquer forma também durante este lapso de tempo. Mas Neto Moura, decidiu atenuar a pena e retirou ao agressor a pulseira electrónica que os colegas de primeira instância lhe tinham aplicado para garantirem que este não se voltava a aproximar da vítima.

Neto Moura havia mais tarde de ser punido com uma advertência, uma das sanções mais leves do catálogo disciplinar da classe. Neto de Moura chegou mesmo a pedir para deixar de julgar violência doméstica, mas o Supremo não autorizou. Alguns meses depois foi transferido para o Tribunal da Relação do Porto e afastado da análise de todos os recursos criminais nesse tribunal. O magistrado foi na passada quarta-feira transferido para uma secção cível do tribunal que não analisa processos-crime de violência doméstica.

Na entrevista ao Expresso, Neto de Moura mostra-se inconformado com a decisão de o transferir para a secção cível do tribunal portuense. Numa decisão inédita e renhida, de oito contra sete, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) sancionou Neto de Moura com uma advertência registada que impede a progressão na carreira. O juiz vai apresentar este mês o recurso no Supremo Tribunal de Justiça e garante que está confiante. Mas já não tem “ilusões” de conseguir chegar a juiz conselheiro.

“Tinha alguma esperança de que [o processo] fosse arquivado. Foi uma decisão muito renhida. Dos oito membros que votaram a favor [da sanção) seis são de nomeação política e só dois é que são juízes”, indica, admitindo ter alimentado a esperança de que o presidente do Supremo “não votasse a favor” da sua penalização. Neto de Moura considera que se o Conselho Superior da Magistratura não lhe tivesse aplicado a sanção, “seria mal visto por alguma opinião publicada”, até porque “o ambiente à volta teve influência”, disse o juiz ao Expresso.

No início deste mês, o juiz afirmou também ter uma lista de 20 nomes, entre pessoas e entidades, que quer processar por ofensas à honra pessoal e profissional, como Mariana Mortágua, Joana Amaral Dias, Fernanda Câncio ou aos humoristas Ricardo Araújo Pereira, Bruno Nogueira, João Quadros e Diogo Batáguas.

O Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados também já se mostrou preocupado com a solução encontrada para o juiz desembargador, por entender que a sua mera transferência da secção criminal do Tribunal da Relação para uma secção cível equivale a manter o problema de fundo, uma vez que o magistrado terá, nas suas novas funções, de apreciar processos de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais.

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