Chega: o projecto político de André Ventura que quer mudar o sistema por dentro

Se o Tribunal Constitucional aprovar o Chega como partido, André Ventura vai poder submeter o seu projecto político “liberal a nível económico, nacionalista e conservador” a eleições.

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André Ventura entregou quarta-feira no Tribunal Constitucional 7500 assinaturas para legalizar o Chega LUSA/João Relvas

O Chega é (ainda) um projecto político de um homem só: nesta altura não se vislumbram outras figuras conhecidas, além de André Ventura, interessadas em entrar nas listas de um futuro partido, se assim o Tribunal Constitucional o permitir. Ao PÚBLICO André Ventura falou em “várias centenas de interessados”, mas ainda não se sabe quantos vão mesmo sair das redes sociais e assumir-se como militantes de um partido.

Marcado fortemente por André Ventura e sem outras propostas conhecidas para lá das polémicas que passam nos órgãos de comunicação social, o Chega vai-se apresentando através dos slogans escolhidos para ilustrar cartazes afixados em grandes cidades, como por exemplo: “Andamos a sustentar quem não faz nada?”

A ruptura com o PSD e o lançamento de um partido com uma agenda própria, mas que repete as ideias principais do candidato, deixa dúvida sobre onde começa o partido e onde fica o candidato que quer ser “alternativa na direita portuguesa que parece não existir”, como o próprio define.

Na declaração de princípios que entregou na quarta-feira no Tribunal Constitucional, a que o PÚBLICO teve acesso, o Chega declara como fundamental “proteger a dignidade da pessoa humana, contra todas as formas de totalitarismo”, assim como “a promoção do bem comum”, a “defesa do Estado laico” e de “uma justiça efectiva”. O Chega defende “um Estado mais reduzido”, rejeita o “racismo, xenofobia e qualquer forma de discriminação”, quer “igualdade de oportunidades” para os portugueses e aposta no “combate à corrupção” e “numa economia forte”.

O PÚBLICO solicitou a André Ventura os Estatutos do Chega, mas até ao momento não foram disponibilizados. No sábado, contudo, Ventura reafirmou no Facebook que “rejeita toda e qualquer forma de racismo”, mas que isso não impede o Chega “de denunciar e apontar o dedo à escumalha que tem vindo a atacar polícias, pessoas indefesas e a provocar o caos nos subúrbios de Lisboa”.

O palco do futebol

Sem nada que possa ser considerado inconstitucional na declaração de princípios, as propostas polémicas passam para as entrevistas e nas horas de espaço mediático que tem à noite no canal de televisão do Correio da Manhã. Ventura é presença assídua para comentar futebol, mas também a actualidade criminal.

Foi pelo futebol que foi ganhando espaço em antena. Primeiro no jornal do Benfica, depois pela televisão do clube e só mais tarde na CMTV. Na apresentação da candidatura a Loures, dizia que o facto de ser professor universitário e comentador “não era impedimento de nada”, porque “é com trabalho que há credibilidade junto dos cidadãos”. Aí apontava o dedo à esquerda, para quem “o perfil de candidato é aquele que não fez nada na vida”.

Perante uma plateia em que estava Passos Coelho, Ventura garantiu que, “se o governo central não resolver os problemas de Loures”, ele próprio ia “para a porta do governo central todos os dias até resolver os problemas” do concelho. E dizia que, “independentemente dos resultados”, o PSD estava “unido” a Passos “no projecto para o futuro de Portugal”.

Quatro dias depois da apresentação da candidatura, André Ventura passa para os holofotes mediáticos da política com um destaque de primeira página feito pelo jornal i, que prometia, na edição de 17 de Julho de 2017, uma “entrevista polémica” com o candidato do PSD à Câmara de Loures. Destacava-se a crítica à comunidade cigana, que o candidato dizia viver “quase exclusivamente dos subsídios do Estado”.

Ruptura em Loures

Já tinha falado ao Notícias ao Minuto, mas a conversa com o i teve mais impacto e deu origem a um turbilhão interno no PSD, com figuras de topo a dizerem que o partido não devia continuar a confiar em André Ventura. O apoio continuou até ao fim e o PSD até conseguiu mais 5.700 votos no concelho do que tinha conseguido nas autárquicas de 2017. O CDS, que apoiava o candidato, demarcou-se de André Ventura depois desta entrevista e saiu da coligação em Loures.

Do programa de então, a coligação Primeiro Loures (PSD-PPM) tinha como prioridades a segurança, emprego e a mobilidade. Além dos 10 mil empregos que André Ventura pretendia criar em Loures, havia as propostas de instalar um sistema de videovigilância nas áreas mais sensíveis do concelho, reforçar a polícia municipal e combater os abusos na utilização da habitação social. Dizia, na apresentação da candidatura, que estas propostas “não eram demagogia” e anunciava que não se recandidatava, se não conseguisse cumprir o que prometia.

Na entrevista que então deu ao i, Ventura, quando questionado sobre o caso de racismo na esquadra de Alfragide, respondeu que “em todos os grupos há bons e maus” e que “as generalizações são sempre perigosas”. Defendeu que, “se há alguém que abusou do seu poder e autoridade, agredindo cidadãos arbitrariamente, devia ser punido e sancionado”.

Sobre as pessoas de etnia cigana disse “não ter nada contra” elas. Aponta, porém, o dedo à comunidade por afirmar que há “um grupo que acha que está acima do Estado de direito”. E afirmou repetidamente, na campanha de Loures, que “independentemente do resultado das eleições não ia ter medo” de dar a sua opinião.

O currículo de Ventura é digno de registo: 18 valores de média no secundário, 19 na licenciatura e uma tese de doutoramento realizada na Irlanda sobre um “novo modelo de justiça criminal na era da criminalidade globalizada”.

Contou, numa entrevista ao Observador, que aos 17 anos decidiu que queria ser padre e foi para o seminário. Na altura o “objectivo era mudar a Igreja por dentro”; agora quer mudar a política da mesma forma: entrando dentro do sistema.

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