Presidente: “Já existe uma oposição inorgânica em Portugal”, mas “em pequenino”

Em entrevista à Lusa, Marcelo explica a relação de proximidade com as pessoas, os media e as instituições que tem alimentado desde que foi eleito, lamenta o adiamento de reformas estruturais nesta legislatura e admite uma "geringonça" à direita após as eleições.

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Presidente deu entrevista à Lusa LUSA/José Sena Goulão
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Momento assinala a passagem de três anos desde a sua eleição LUSA/José Sena Goulão
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Marcelo falou sobre geringonças à direita, oposição inorgânica, greves, professores, Caixa, etc. LUSA/José Sena Goulão

O Presidente da República considera que já existe em Portugal uma oposição inorgânica, ainda “em pequenino”, e também por isso alimenta essa preocupação em estar próximo das pessoas, fisicamente, mas também dos meios de comunicação social e das instituições políticas, económicas e sociais. Em entrevista à Lusa a propósito do terceiro aniversário da sua eleição, Marcelo Rebelo de Sousa lamenta o adiamento de reformas estruturais, embora compreenda, insiste que não exigirá acordo escrito entre partidos numa eventual coligação pós-eleitoral e afirma que receberá sempre a liderança e a oposição de qualquer partido, como fez com o PSD.

"Claro, estou aberto a receber. E tenho recebido", afirma Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito dos seus encontros recentes com o presidente do PSD, Rui Rio, e com o social-democrata Luís Montenegro, num momento de agitação interna neste partido. “Saber o que se passa no maior partido português não é propriamente irrelevante", frisa.

A proximidade

"A minha orientação é a seguinte: eu sou da proximidade", enquadra, acrescentando que procura, enquanto Presidente da República, ter "proximidade física, estar o mais próximo possível das pessoas", bem como "proximidade comunicacional, estar próximo dos meios de comunicação social" e também "proximidade institucional".

No plano institucional, adianta que tem a preocupação de "acompanhar o que se passa nas instituições existentes, mais antigas ou mais recentes, nas que já existem há mais tempo, nas que são criadas, vão ser criadas, saber o que se passa". "Portanto, eu tenho recebido, com maior ou menor conhecimento público, dependendo dos próprios - a maioria não quer, mas há quem queira", acrescenta.

Pela sua parte, até prefere que haja publicidade e que seja quem é recebido a relatar, à saída, o que se passou no encontro: "Acho mais claro e mais transparente. É a minha orientação. Ficou claro desde a campanha eleitoral. Portanto, tenho recebido. Isto aplica-se a qualquer realidade partidária, mas também económica e social. Recebo os que estão no poder e os que estão na oposição e os que têm sensibilidades diferentes em todas estas organizações", reforça.

Uma oposição inorgânica

Quanto ao seu apelo à criação de alternativas fortes e claras de poder, o chefe de Estado explica que tem insistido nisso porque "uma oposição fraca dá um Governo fraco" e para evitar dar espaço a "uma oposição inorgânica". "São movimentos sociais, são realidades, reivindicações sociais à margem das grandes centrais sindicais. São movimentos de opinião através dos antigos e novos meios de comunicação social", refere.

No seu entender, isso "já está a acontecer" também em Portugal, é evidente", quando "dizem as estatísticas que, porventura, a maioria das greves são convocadas, não pelos sindicatos clássicos, mas por outros sindicatos".

Marcelo assinala também os "movimentos de opinião mediaticamente muito fortes que não têm a ver com os debates partidários". "E os partidos vão correr atrás do prejuízo, e os sindicatos tradicionais vão correr atrás do prejuízo, e o patronato vai correr atrás do prejuízo. Quer dizer, a tentar apanhar comboios em movimento", descreve.

Em resumo: "Em pequenino, mas existe. E existindo isso se percebe por que é que é tão importante haver, em cada momento, por um lado, uma capacidade de regeneração do sistema partidário e do sistema de parceiros sociais e, depois, alternativas de poder".

"Mas há, neste momento, a oposição forte? Esse é o grande desafio que se vai colocar", conclui. A este respeito, o Presidente da República defende ainda que "é muito difícil ser oposição", mais ainda em conjunturas de "imprevisibilidade económica e política".

Uma "geringonça" de direita

Ainda assim, apesar das imprevisibilidades, o chefe de Estado insiste que não vai exigir nenhum acordo escrito para formar governo. Uma posição que, acrescenta, vale "tanto para a esquerda como para a direita hoje", admitindo que "também pode à direita pensar-se numa solução desta natureza".

"A mim faz-me alguma impressão haver a necessidade de acordo escrito para se garantir a duração da legislatura", afirma. Porque esta legislatura "chega ao fim não tanto por causa do acordo escrito", mas porque houve "uma vontade dos subscritores desse acordo de fazerem durar a legislatura até ao fim - porque todos acharam que tinham a ganhar com isso, e todos acharam que tinham a perder com isso, houvesse ou não acordo".

"Aí, tenho uma interpretação diferente da do senhor primeiro-ministro", realça, referindo que António Costa "acha que só chegou ao fim por causa do acordo escrito". Interrogado se tem alguma reserva a que haja ministros do Bloco de Esquerda ou do PCP num futuro governo chefiado pelo PS, o Presidente da República evita uma resposta directa, alegando não querer "condicionar o acto eleitoral".

Interrogado se essa menor exigência não pode conduzir a uma legislatura instável, Marcelo Rebelo de Sousa invoca novamente a sua experiência na liderança do PSD, quando António Guterres chefiava um Governo minoritário do PS, entre 1997 e 1999. "O governo do engenheiro Guterres durou, correspondendo à minha liderança da oposição, três orçamentos, três anos, e ficou próximo do quarto. E depois completou o quarto, sem necessidade de qualquer acordo escrito", recorda.

Relativamente à duração do actual executivo minoritário do PS, sustenta que "imensos potenciais factores de crise nesta fórmula governativa não tiveram nada a ver com o acordo escrito, foram factores imprevisíveis à data do acordo escrito". "Ninguém podia prever a matéria do sistema bancário. Ninguém podia prever as tragédias de 2017. Ninguém podia prever certas evoluções que houve na economia mundial e europeia. Ninguém podia prever fenómenos sociais completamente novos", elenca.

Todos esses factores "não estavam no acordo escrito, não constavam daquilo que foi pensado, e podiam ter posto em causa orçamentos ou decisões políticas e legislativas", mas "não puseram", salienta.

"Essa vontade política, testada em situações limite inesperadas, é uma vontade exigente, é uma vontade que é preciso ser reafirmada ano após ano, às vezes mês após mês, às vezes semana após semana. Foi o que aconteceu. Não penso que acordo escrito tenha sido decisivo", reforça.

Os debates pendentes

Nesta entrevista, o Presidente da República lamenta que na actual legislatura tenha havido um adiamento das reformas estruturais, do qual resultou ter-se chegado a 2019 a debater “de afogadilho” questões que podiam teoricamente ter ocorrido mais cedo. Marcelo explica que esse adiamento resultou, em parte, porque as reformas eram vistas pelo Governo como mudanças progressivas e graduais e, em parte, porque a conjuntura a isso o obrigou.

“Chegamos a 2019 e é por isso que no final da legislatura estão pendentes os debates sobre a transparência do sistema político, que durou uma legislatura”, afirma. De facto, sublinha, "chegamos a esta fase de afogadilho quanto a debates que teoricamente podiam ter sido feitos mais cedo”.

Na sua opinião, a questão das reformas estruturais colocou-se sobretudo a partir de 2018, porque 2016 foi um ano de “sarar feridas” na sociedade portuguesa, de resolver o problema bancário e a questão orçamental com a Europa, e 2017 o das “tragédias dos incêndios e de Tancos”.

“As tragédias trouxeram o regresso de questões políticas e financeiras muito pesadas ao Governo, porque eram precisos novos recursos para o repensar da política florestal, para a aposta na prevenção e na resposta àquele tipo de tragédias, tudo num momento já muito avançado de elaboração do orçamento para 2018”, afirma o Presidente.

Quando se chega a 2018, destaca Marcelo Rebelo de Sousa, numa altura em que “parecia haver uma nova acalmia” e em que a ideia seria “começar a equacionar certas reformas estruturais” – que não a segurança social, ressalva – “mas porventura a justiça e a saúde (…) as expectativas suscitadas em muitos sectores, o começo da campanha eleitoral muito cedo e a subida da conflitualidade social deram um segundo semestre muito agitado”.

“Portanto, de alguma forma, aquilo que se discutia quanto a reformas estruturais, os grandes debates sobre a saúde, educação, justiça, ou a reforma do Estado ou a segurança social ficaram um bocadinho entre parêntesis”, diz. Quanto às reformas da administração pública e da justiça, o Presidente pensa que “houve como que um adiamento”, em parte porque “não era um problema para o Governo”, que as via de forma “menos sistémica e mais incremental, passo a passo”.

“Eu diria que nesta corrida contrarrelógio de final de legislatura e aquelas [reformas] que ficam para a próxima legislatura, correspondem às prioridades que acabaram por marcar, a prioridade orçamental, do sistema bancário, de acorrer às consequências das tragédias de Junho em diante de 2017 e outras prioridades que, entretanto, foram surgindo”, destaca.

Questionado sobre se compreendia que não tenha havido reformas estruturais, Marcelo diz que não compreende, mas “sucedeu” assim, até porque havia algumas que era difícil conseguir levar a cabo. O Presidente da República cita o exemplo da segurança social, “pela própria lógica da fórmula governativa”, embora reconheça que “alguns passos foram dados”.

“Em matéria de segurança social foi entendido que, ou porque não havia necessidade, ou porque não havia base política para um debate de regime que envolvesse nomeadamente o centro-direita, a questão também não foi equacionada”, acrescenta.

Professores sem solução

O Presidente da República vê como difícil a possibilidade de uma solução para o conflito dos professores vinda dos partidos no Parlamento, devido à existência da chamada “lei travão” [norma que impede a adopção de leis que aumentem as despesas orçamentadas].

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Marcelo não quis, porém, pronunciar-se se haveria uma questão constitucional de igualdade dentro da função pública e da própria classe, devido à existência de estatutos diferenciados nas ilhas e no continente.

“Não me vou pronunciar sobre a matéria, uma vez que terei de apreciar essas questões, se eventualmente algum diploma chegar às minhas mãos, ou regressar às minhas mãos, dependendo do conteúdo do diploma”, diz.

Segundo o Presidente da República, “isso não aconteceu da última vez, porque é uma questão prévia, se quiserem formal, que era cumprir a lei do Orçamento com negociações no ano de 2019”.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, agora tem de “esperar”: “a iniciativa, a partir, ou é do Governo, ou será muito difícil que seja de partidos políticos por causa da lei travão, se for para aplicar no ano de 2019”.

Quanto à polémica sobre a Caixa Geral de Depósitos, o Presidente da República considera que é unânime em Portugal a ideia de que “onde há fundos públicos tem de haver rigor, transparência e responsabilidade”.

Marcelo Rebelo de Sousa respondeu assim, quando questionado numa entrevista à agência Lusa, se os portugueses têm direito de saber quem são os responsáveis pelo buraco financeiro no banco público. O Presidente escusou-se, todavia, a responder directamente e preferiu salientar a questão do apuramento de responsabilidades.

O chefe de Estado manifesta-se de acordo com o Governo, que solicitou o apuramento de responsabilidades mesmo antes de conhecer o documento, tal como ele próprio. “Não conhece o governo como não conhece o Presidente da República, aquilo que sei é aquilo que foi publicado e sei o que foi dito, que há várias versões que podem ser mais ou menos dissemelhantes, mas sei porque li, não tive acesso oficial ou oficioso, ou sequer informal a esse documento”, afirma.

Outra coisa diferente, refere, é, depois, o apuramento de responsabilidades de vária natureza. “Aí é muito simples”, diz, “se houver responsabilidades de natureza jurídica ou criminal o Ministério Público tomará a iniciativa de abrir um inquérito. Se houver responsabilidades meramente políticas, é uma questão de avaliação política”

E salienta: “Estou muito à vontade [para poder olhar para essa situação] porque não era Presidente nesse período, não era membro do Governo (…), não era parlamentar (…), não era líder partidário”.

“O primeiro passo lógico é rever o conhecimento oficial em termos de documentos, se não às tantas estamos nesta situação curiosíssima que é estar tudo a discutir um documento que não sabe se é o definitivo, ou não é o definitivo, e que foi obtido independentemente de canais jurídicos que estão para aprovação na Assembleia da República”, conclui Marcelo Rebelo de Sousa.

O Presidente da República admitiu ainda a possibilidade de ir ao bairro da Jamaica, no Seixal, onde se registaram incidentes violentos com a polícia no último domingo.

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“Não é uma impossibilidade lá ir mais dia menos dia, como tenho estado em inúmeros bairros na Área Metropolitana de Lisboa e do Porto”, diz Marcelo, reafirmando que não se deve generalizar incidentes como o de domingo, porque há “factos singulares que merecem investigação e responsabilização, nomeadamente criminal”, que deve ser feita, “quanto mais rápido melhor”.

O Presidente da República recorda que estando Portugal em período eleitoral, este é um tema que “obviamente entra no debate eleitoral”, pelo que “deve estar presente primeiro uma preocupação, que nesse debate não [deve] haver generalizações”. Para Marcelo Rebelo de Sousa, a questão principal é, todavia, o argumento de que “radicalismo atrai radicalismo”.

“Aquilo que temos de evitar na sociedade portuguesa é que, precisamente através de uma radicalização no tratamento destas e de outras questões, acabar por sacrificar o tecido social em termos de coesão, porque se acaba por semeando ventos colher-se tempestades”, destaca.

 

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