A Coreia do Sul faz diplomacia em Portugal com k-pop

Para o embaixador da Coreia do Sul em Portugal, a música e a cultura podem ser uma forma de "abrir os nossos corações aos outros” e fomentar relações bilaterais. E está a resultar.

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Nuno Ferreira Santos

No escritório de Chul-min Park, embaixador da Coreia do Sul em Portugal, tudo está organizado ao pormenor: as molduras, as cadeiras e os papéis que o diplomata tem à sua frente para esta entrevista. A lição está estudada. Todos os dados que possam revelar-se importantes cabem num molho de folhas que o embaixador trouxe consigo. O tema pode parecer um fait-divers para os ocidentais, mas é levado a sério na Coreia do Sul: o k-pop é uma ferramenta diplomática, uma forma de dar a conhecer a Coreia além-fronteiras.

Podia ser uma mentira do 1.º de Abril, mas as fotografias servem como prova. No início de Abril, o líder norte-coreano Kim Jong-un foi fotografado a cumprimentar as quatro integrantes do grupo de k-pop Red Velvet. Numa actuação inédita, o grupo sul-coreano esgotou todos os 1500 lugares do Grande Teatro de Pyongyang Oriental. O concerto durou mais de duas horas e houve tempo para se cantar em uníssono O nosso desejo é a unificação, uma canção popular coreana.

No final, Kim Jong-un disse estar “profundamente comovido” com a actuação, que serviu para “aumentar o entendimento da arte popular do lado Sul”. Até 2005, as actuações dos grupos do Sul eram mais ou menos frequentes nas salas de espectáculo do Norte, mas há mais de dez anos que deixaram de acontecer. As duas Coreias ensaiam uma aproximação e a música serviu para cimentar um compromisso diplomático.

“A música é parte do processo de familiarização com outra cultura, e é uma forma muito eficiente. A música, o drama e o desporto são comunicação. É uma forma de abrir os nossos corações aos outros”, considera Chul-min Park. O embaixador está em Portugal há apenas dois anos e já se está a preparar para abandonar o cargo, mas sente os portugueses mais abertos à cultura sul-coreana.

Park afirma-o sem rodeios: a música pop ajuda muito a que os estrangeiros se tornem mais permeáveis à língua, à sonoridade e estética coreanas. “Quando era mais novo seguíamos as músicas em inglês. Conhecia as melodias, mas não as letras. Para partilhar o mesmo sentimento, comecei a aprender a língua, a traduzir”, lembra Park. É o que está a acontecer em Portugal, junto dos fãs de k-pop. Fãs jovens, que se sentem atraídos pelo “dinamismo das canções” e pela “mensagem” dos seus ídolos.

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O embaixador está em Portugal há dois anos Nuno Ferreira Santos

O sucesso destes grupos não depende apenas das empresas de gestão de carreiras, que os “preparam desde cedo a pensar numa expansão para mercados estrangeiros”, mas também das comunidades de fãs que se criam à sua volta e se mantêm através da Internet, em aplicações de chat e redes sociais.

Essas comunidades trabalham incansavelmente para que as novas músicas dos seus ídolos tenham a maior audiência possível. Não é por acaso que as canções aparecem traduzidas em quase todas as línguas poucas horas depois de terem saído, lembra Park. Aquilo que já acontecia quando era mais novo.

Em Portugal, o número de fãs de música coreana tem vindo a aumentar – a embaixada estima que sejam entre 3000 e 5000. Um crescimento que surge de mãos dadas com a procura de aulas de coreano em Portugal e que levou à abertura de novos cursos. Actualmente há aulas em Lisboa, Porto e Braga, com cerca de “80 estudantes”. “Um sinal muito positivo”, considera o embaixador, especialmente porque o número (também) aumenta a cada ano.

Psy foi “popular”, mas a febre é anterior

Não há dúvidas, para o embaixador, que a música é o elemento mais popular da chamada “onda coreana” (hallyu) que integra também os dramas e os filmes produzidos a partir dos anos 1990 e que ajudou a popularizar a cultura sul-coreana pelo mundo.

“A onda coreana começou formalmente no início dos anos 2000. Começou com os dramas, seguiram-se os filmes e só depois o k-pop, que apareceu pelos anos de 2008 ou 2009”, recorda Park. Foi também por essa altura que começaram a aparecer, timidamente, os primeiros fãs da cultura e música coreana em Portugal.

Não foi, portanto, com a Gangnam Style de Psy – que só seria lançada em 2012 – que a febre do k-pop começou a surgir. Ainda assim, Psy foi um dos responsáveis por colocar este estilo musical nas bocas do mundo: “Foi como a Macarena, compara. “Psy foi muito popular. As pessoas queriam saber quem era o Psy, de onde era, onde ficava Gangnam. Hoje sabem que é como Beverly Hills, mas maior.”

“Nessa altura estava em Nova Iorque, onde estive entre 2010 e 2013. Lembro-me de estar com Ban Ki-moon e com Psy, ambos convidados de honra da embaixada coreana, e a sala estava cheia – não por nós, mas pelo Psy.” O embaixador ri-se ao lembrar-se desse dia. “Ban Ki-moon percebeu logo que as pessoas não o queriam ver a ele”.

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Em 2012, Psy ensinou os passos de dança de "Gangnam Style" a Ban Ki-moon Eduardo Munoz/Reuters

Mas Portugal não são os EUA e o número de fãs ainda não é suficiente para que alguma das grandes bandas ou artistas sul-coreanos cá queiram vir. Nem mesmo a convite da embaixada, lamenta. Mas isso não quer dizer que a cultura não tenha servido como uma forma de melhorar as relações diplomáticas entre Portugal e a Coreia do Sul.

“Agora, os coreanos querem vir cá”

Comecemos pelo turismo. O número de portugueses a interessar-se pela Coreia e a visitar o país tem aumentado, de acordo com a embaixada, mas o mesmo é válido para os sul-coreanos que visitam Portugal.

“Durante muitos anos, Portugal foi uma área esquecida. Há cinco anos, 30 mil coreanos visitavam Portugal. Mas hoje em dia esse número é cinco vezes maior, são 150 mil”, ilustra Chul-min Park. E isso deve-se, acredita, à cultura. O interesse partiu dos programas de televisão coreanos, que escolheram Portugal como pano de fundo. Um deles é “um programa de performances de rua, chama-se Begin Again”, explica o diplomata. “É um grande sucesso na Coreia.”

Uma das temporadas desse programa foi gravada quase na totalidade no Porto e em Lisboa e o efeito foi quase imediato. “Os coreanos querem saber onde [gravam os programas], procuram e percebem que Lisboa e Porto não são os únicos sítios para visitar e ficam para ver a área rural também”, explica Park. No seu lado esquerdo, os mapas de Portugal mostram os pontos por onde ele próprio passou, durante o seu mandato.

“É uma moda e, antes, os produtores talvez tivessem escolhido outras localizações como Espanha ou a Europa Central, República Checa, Croácia. É importante porque estão a virar-se para aqui”, vinca o embaixador.

O nome de Portugal não era, no entanto, completamente desconhecido dos coreanos antes: “Toda a gente na Coreia, excepto os bebés, conhecem o Cristiano Ronaldo. E Paulo Bento é agora o nosso seleccionador nacional.” À semelhança do que acontece em Portugal, também na Coreia do Sul o futebol é o desporto-rei. E “é um bom ponto de partida para revitalizar as nossas relações bilaterais”.

“Temos uma semialiança com Portugal”

Actualmente “temos uma relação de semialiança”. “Portugal esta inserido e é um dos grandes contribuidores para a União Europeia e para a NATO. Nós temos grandes relações com a União Europeia. O mesmo com a NATO. Por isso é que lhe chamamos uma semialiança”, explica o embaixador.

“Na arena política estamos na mesma página”, classifica o diplomata, com um sorriso. E enumera outros factores de aproximação entre os dois países. Por exemplo, o facto de um sul-coreano, Ban Ki-moon, ter deixado o lugar de secretário-geral da ONU a um português, António Guterres. Ou o facto de os dois países se apoiarem “nas políticas relativas à Coreia do Norte e sobre como lidar com as questões nucleares norte-coreanas”.

Apesar disso, as relações económicas podiam estar a evoluir de forma mais rápida no entender do diplomata, mas há bons sinais. As empresas coreanas continuam a investir em Portugal: “Temos cá quatro empresas que estabeleceram as suas fábricas aqui”, diz Chul-min Park. Uma destas, a Hanon Systems, fabricante de aparelhos de refrigeração que se instalou há duas décadas em Palmela “contratou mais de 500 trabalhadores” neste ano.

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