Cinema: o melhor do ano

Escolhas de Jorge Mourinha, Luís Miguel Oliveira e Vasco Câmara.

  

Foto

9

(ex-aequo)

Roma

Alfonso Cuarón

Filme de resgate, mas não filme em memória aprisionada. A infância de Alfonso Cuarón é interceptada pelo adulto Cuarón, exposta às interferências do mundo (de hoje), em travellings que abrem espaço para a libertação de mais vastos sentidos dos gestos e das personagens. Roma é o resultado de vários anos em que Cuarón conversou com uma figura que afagou o mundo (menos do que) perfeito do bairro de classe média da Cidade do México: a sua ama. V.C.

Foto

9

(ex-aequo)

No Intenso Agora

João Moreira Salles 

Num trabalho assombroso de pesquisa de materiais, João Moreira Salles propõe-nos um documentário que não se limita a ser uma história alternativa  das convulsões políticas de 1968, e das utopias festivas e violentas desse ano-charneira. É uma celebração, desencantada mas apaixonada, de uma festa que sacudiu o mundo; e um requiem por um mundo alternativo que se entreviu sem nunca ter chegado a existir. J.M.

Foto

7

(ex-aequo)

Linha Fantasma

Paul Thomas Anderson

Um daqueles filmes para os quais o cinema se criou enquanto experiência de imersão em sala, cria um feitiço preciso e perverso, onde as referências e as convenções do melodrama clássico desfilam como outros tantos vestidos de alta costura. No centro, um braço de ferro entre uma estrutura social à beira do fim e uma nova liberdade em ascensão. J.M.

Foto

7

(ex-aequo)

Dogman

Matteo Garrone

Fica-se enfeitiçado pelo premiado (em Cannes e não só) Marcello Fonte como tratador de cães abusado por um bruto cocainómano e menosprezado pela comunidade — como os cobardes da cidade nos filmes de cowboys. Uma das coisas notáveis deste filme que chega às salas a 27 de Dezembro é Garrone prolongar-lhe a vida arrancando-o ao mecanismo da brutalidade. Os humanos poderão correr o risco de serem engaiolados, tipificados, por isso todo o trabalho consiste em resgatar a humanidade de “monstros” e “vítimas”. V.C.

Foto

6

O Amante de um Dia

Philippe Garrel

Philippe Garrel não acumula, Philippe Garrel subtrai — os seus filmes são cada vez mais reduzidos a variações sobre três ou quatro motivos essenciais. O Amante de um Dia, outra crónica de amores inquietos, favorece a metáfora do velho pintor: é que o é Garrel, a desenhar a carvão o coração das suas obsessões. E um dos planos mais inquietantes do ano, o daquela janela aberta a toda a largura do ecrã, indício e fantasma das tentações suicidas que assombram tanta personagem garreliana. L.M.O.

Foto

4

(ex-aequo)

O Outro Lado do Vento

Orson Welles

Poderemos nunca saber se O Outro Lado do Vento é o filme que Welles teria feito se o tivesse podido acabar. Mas sabemos que está aqui uma cápsula do tempo que fala aos nossos dias como se tivesse sido feita hoje: um requiem presciente por uma Hollywood à beira do fim, mas também pela “nova Hollywood”. É um reverso complementar do Livro de Imagem de Godard, meditação sobre o cinema enquanto arte, obsessão, reflexo. J.M.

Foto

4

(ex-aequo)

Happy Hour

Ryusuke Hamaguchi 

Happy Hour não é o primeiro filme de Ryosuke Hamaguchi mas não havia muita gente com o seu nome na ponta da língua. Agora é mais fácil: depois deste filme de ensemble feminino, a narrar durante cinco horas imprevisíveis a dura, triste e exaltante “conquista da independência” das protagonistas, apareceu um marco novo no mapa do cinema japonês contemporâneo. Soberbo filme, promissor cineasta. L.M.O.

Foto

3

Western

Valeska Grisebach

Alguém pergunta: “O que sabes do mundo, como é o mundo?”. Algures na Bulgária, perto da fronteira com a Grécia, operários alemães, corpos tensos, presos à solidão, aprendem a linguagem do mundo. Às primeiras luzes da manhã, a hora de muitos planos de Western, o mundo oferece-se para ser negociado. Para que os homens se percam em narrativas de desejo, violência, preconceito, instinto de dominação e necessidade de consolo. V.C.

Foto

2

No Coração da Escuridão

Paul Schrader

O silencioso e grácil Ethan Hawke quer limpar a poluição do mundo com sangue. Com ele, Paul Schrader faz resistência passiva-agressiva ao template cinematográfico de hoje e finta a cronologia — é como se estivesse a filmar nos anos 70. E assim faz o filme da sua graça, porque desencadeou a (re)descoberta, com um fervor quase adolescente, da sua obra anterior. V.C.

Foto

1

O Livro de Imagem

Jean-Luc Godard

Imagem(ns). Palavra(s). Arquivo(s). Moral(is). Ética(s). Signos/sinais. A imagem da política, a política da imagem. “É preciso que tudo fale.” “Uma vida para contar uma história de uma hora, a eternidade para contar a história de um dia.” Keaton, Pasolini, Hitchcock, Rosa Luxemburgo, Nicole Brenez, Robert Aldrich, Johnny Guitar, um século de palavras e imagens, um século de cinema compactado, concentrado, sugado, desconstruído, remontado, refeito, repensado, retrabalhado numa vertiginosa montagem de ideias, um ensaio Godardiano sobre o passado, o presente, o futuro, o ser e o devir do cinema que já não é aquilo que foi e nunca será aquilo que não é. Raros títulos terão sido tão ajustados a um filme — O Livro de Imagem não é uma narrativa, é um dicionário, um atlas, um mapa, uma iluminura. Um diálogo permanente com o espectador à volta de gestos e fragmentos de cem anos de cinema que abrem e fecham portas, caminhos, atalhos, buracos negros, meditações. Um ensaio impiedoso, quase terminal, sobre a justeza do plano e a justiça do plano (un plan juste/juste un plan), sobre o modo como as imagens representam e criam o mundo em que vivemos, hoje, em 2018. E, como qualquer livro que se preze, O Livro de Imagem não se esgota numa leitura/visão/audição. Fica ali, como obra de referência à qual vamos estar sempre a voltar e na qual vamos sempre encontrar mais alguma coisa em que não tínhamos reparado. Para acabar de vez com o cinema — ou talvez para o começar de novo. J.M.

Sugerir correcção
Comentar