Mais de 600 mil funcionários públicos sem aumentos, salários só sobem para quem ganha menos

Aumentos chegam a um número reduzido de trabalhadores e serão, no máximo, de 55 euros. Em 2019, o salário mínimo na Administração Pública passa de 580 para 635 euros.

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Fátima Fonseca, com a pasta da Administração Pública, e João Leão, secretário e Estado do Orçamento, desvendarem finalmente como o Governo vai aplicar os 50 milhões reservados para aumentos em 2019 Rui Gaudêncio

No próximo ano apenas os funcionários públicos com salários mais baixos serão aumentados e o salário mínimo na Administração Pública passará a ser de 635 euros, acima do que está fixado para o sector privado. A proposta foi apresentada nesta sexta-feira pelo Governo e confirmou o pior dos cenários, gerando o descontentamento dos sindicatos: os aumentos apenas abrangem quem recebe entre 580 e 634 euros (50 mil a 70 mil pessoas), deixando de fora mais de 600 mil trabalhadores do Estado.

Na prática, os funcionários que agora têm salários entre 580 e 634 euros passarão a receber 635 euros a 1 de Janeiro de 2019. Trata-se de um aumento de 55 euros para os que agora recebem 580 euros e pode ser de apenas um euro ou de cêntimos no caso dos trabalhadores com remunerações mais próximas dos 635 euros. Como o Salário Mínimo Nacional (SMN) já ia subir para os 600 euros e a função pública é obrigada a aplicá-lo, os trabalhadores já podiam contar com um aumento de 20 euros, pelo que a solução encontrada pelo Governo traduz-se, no máximo, em mais 35 euros. Com esta medida, o salário mais baixo da função pública passa a ser superior aos 600 euros previstos para o privado.

Depois de vários meses de impasse, o Ministério das Finanças revelou finalmente nesta sexta-feira como vai aplicar os 50 milhões de euros que reservou para aumentos no próximo ano. "O Governo propôs hoje uma medida que concilia a dimensão financeira, jurídica e política: o aumento da base remuneratória da administração pública, elevando-o para o montante correspondente ao actual 4.º nível remuneratório da Tabela Remuneratória Única, ou seja, elevar a remuneração mais baixa dos actuais 580 euros para 635 euros", refere o comunicado divulgado ao início da tarde.

A proposta não agrada aos sindicatos que defendem aumentos salariais transversais e prometem recorrer a todos os meios possíveis, incluindo greves, para obrigar o Governo a ir mais longe.

Desapontados, sindicatos prometem greves

“O que se passou é o que estávamos à espera: a inexistência de uma proposta de aumentos salariais. É inaceitável. O salário mínimo foi hoje aprovado na Concertação Social para 600 euros, a Administração Pública tem que os aplicar a cerca de 70 mil trabalhadores e dá um aumento de 55 euros a esses, [enquanto] os outros 600 mil ficam sem aumentos de salários", disse Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum, à saída da reunião com os secretários de Estado da Administração Pública e do Orçamento.

"O que não faz sentido é não haver dinheiro para fazer aumentos salariais a quem não é aumentado há dez anos, com tanto dinheiro que há lá no orçamento", vincou, em declarações reproduzidas pela Lusa, prometendo reacção. Os trabalhadores "vão reagir, vão mobilizar-se e vão lutar", não afastando uma nova greve, assegurou.

Também José Abraão, dirigente da Federação de Sindicatos de Administração Pública (Fesap), saiu da reunião sem querer acreditar que o pior dos cenários se confirmou. “O Governo vai concentrar a disponibilidade que diz ter no Orçamento do Estado para melhorar a quarta posição remuneratória", adiantou.

“Lamento que não haja aumentos para toda a Administração Pública, embora valorize que a primeira posição remuneratória passe a ser os 635 euros. Não vamos desistir dos aumentos salariais para todos”, garantiu, sem afastar greves e outras formas de luta. “O Governo, se quiser, conseguirá reunir as condições para cumprir o compromisso que assumiu com os trabalhadores de que haveria aumentos no ano de 2019", desafiou.

Abraão deixou ainda uma nota de "grande preocupação" em relação aos assistentes técnicos que agora recebem 683 euros e que no próximo ano, em termos líquidos, vão ficar a ganhar o mesmo que os trabalhadores que passam para os 635 euros (por via dos impostos).

Para o Ministério das Finanças, a decisão agora anunciada “não impede a futura revisão global das tabelas remuneratórias da Administração Pública”. E até “prepara o caminho para que, num novo ciclo político, e na continuidade do actual ciclo de sustentabilidade financeira, com espaço de ponderação e negociação, as regras do sistema remuneratório possam ser revistas, garantindo a atractividade da Administração Pública para trabalhadores qualificados”.

No comunicado divulgado nesta sexta-feira, o gabinete de Mário Centeno diz que esta é uma proposta "responsável e socialmente justa" e que "respeita as premissas pelas quais [o Governo] tem pautado a sua actuação: não assume compromissos que não pode cumprir, nem compromissos que forcem outros a reverter o caminho sólido que tem sido construído".

As negociações com os sindicatos continuam na próxima terça-feira, 11 de Dezembro, e vão prolongar-se até à semana antes do Natal.

Função pública acima do acima do privado

Com a decisão agora tomada, o salário mínimo nacional que também nesta sexta-feira foi fixado em 600 euros, deixará de ser a referência na Administração Pública, uma vez que o salário mais baixo do Estado passará a ser de 635 euros.

Desde 2008, a generalidade dos trabalhadores do Estado estão integrados numa tabela remuneratória única com 115 níveis, sendo que o primeiro correspondia ao salário mínimo. A questão é que com os aumentos dos últimos anos (o salário mínimo subiu de 505 euros em 2015 para os 580 euros em 2018) os três primeiros níveis salariais da tabela foram absorvidos.

No comunicado, as Finanças assumem que a decisão de colocar como referência um salário superior ao mínimo tem como objectivo dar "um importante sinal para o sector privado", reforçando que é necessária "uma actuação global para combater os indicadores de pobreza que se agravaram durante a crise" e continuam muito elevados (23,3% da população portuguesa encontra-se em risco de pobreza).

Na discussão que teve também nesta sexta-feira com os parceiros sociais para discutir o salário mínimo do país, o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, colocou a tónica nos progressos que foram feitos nos últimos anos e anunciou que a remuneração mínima subirá de 580 para 600 euros, em linha com o previsto no programa do executivo.

Vieira da Silva reconheceu que não foi possível chegar a um consenso para mais longe no sector privado. “Na inexistência desse consenso e tendo em atenção que o Governo preza também a previsibilidade para todos os agentes económicos, a decisão que tomou foi ser fiel ao seu programa”, declarou à saída da reunião com as confederações patronais e sindicais.

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