Com 17 acordos, Portugal e China dão “passos concretos na relação”

Os acordos foram assinados esta quarta-feira no Palácio de Queluz pelo primeiro-ministro português e o Presidente chinês.

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Reuters/RAFAEL MARCHANTE

Na Sala de Espelhos do Palácio Nacional de Queluz, e debaixo do olhar do Presidente da China, Xi Jinping, e do primeiro-ministro de Portugal, António Costa, foram rubricados 17 acordos envolvendo os dois Estados e empresas dos dois países.

Aqui, destaca-se o memorando de entendimento entre Portugal e a China sobre cooperação no quadro da chamada “nova rota da seda” (one belt, one road), com uma referência à mobilidade eléctrica, mas inclui-se também outro para a exportação de uva de mesa e a criação de um projecto empresarial chinês em Matosinhos que deverá criar 150 empregos.

Outros acordos envolveram grandes empresas portuguesas como a EDP, REN, CGD e BCP. Para António Costa, estes são exemplos de “passos concretos no aprofundamento das relações” entre os dois países, destacando a sua abrangência e diversidade. Isso, diz, “mostra bem” que a relação não é apenas entre governos mas envolve também “o conjunto da sociedade portuguesa”.

É uma relação que se funda "em mais de cinco séculos de convivência e numa confiança mútua" forjada ao longo desses séculos, e "é por isso que, num quadro bilateral e no quadro da União Europeia, nós somos sempre um garante da relação de confiança com a República Popular da China", disse o chefe de Governo ao presidente chinês.

Momento importante

António Costa também frisou que a visita de Xi Jinping "ocorre num momento particularmente importante", já que no próximo ano se celebram os 40 anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países e os 20 anos da passagem da administração do território de Macau para a China.

Sobre a iniciativa one belt, one road, o primeiro-ministro defendeu que esta pode também desenvolver-se “ao nível das ligações aéreas”. Depois da suspensão pela Capital Airlines em Outubro da rota entre Hangzhou e Lisboa, com escala em Pequim, os dois países ficaram sem conexão directa. A transportadora chinesa prepara-se agora para iniciar uma nova rota Lisboa e Xian (a oeste de Pequim), mas já terá recebido também autorização para prolongar o voo até Pequim a partir de Março, com dois voos por semana. Assim a ligação seria retomada, como pretende o Governo, mas com uma escala entre as duas capitais.

António Costa destacou ainda como uma evolução de "interesse mútuo" o facto de a agência de notação chinesa ter considerado a dívida portuguesa elegível para investimento, o que ajudará a diversificar as fontes de financiamento portuguesas, mas também contribuir para a estratégia de internacionalização do renminbi - Portugal prepara-se para emitir dívida na moeda chinesa em 2019. "Pelo facto de termos subido mais um degrau nas nossas relações, temos agora horizontes mais vastos à nossa frente", salientou o primeiro-ministro.

Abertura de mercados

Se são importantes os investimentos em "áreas onde empresas chinesas já têm apostado", também o são "os investimentos de raiz", destacou ainda António Costa. "Vemos como muito importante [o facto de] na declaração conjunta ser enfatizada a colaboração que devemos ter no desenvolvimento de outras áreas industriais, designadamente na área da indústria automóvel e da mobilidade eléctrica", explicou. Importante, também, "é o salto em frente que é dado na abertura de mercados, desde logo na área alimentar, para carne de porco e para uvas de mesa".

O Presidente chinês, Xi Jinping, descreveu a reunião com o primeiro-ministro português como "amistosa e frutífera" e destacou que "as relações bilaterais se encontram no melhor momento histórico". Salientou a vontade de "elevar a parceria estratégica para um novo patamar" e "elevar incessantemente o nível de confiança mútua".

É preciso "desenvolver bem os projectos existentes", mas também "expandir as áreas de cooperação" entre os dois países. "Explorar juntos os mercados terceiros" e desenvolver esforços conjuntos para salvaguardar "o multilateralismo, o livre comércio, promover a paz, desenvolvimento, estabilidade e prosperidade mundiais", assinalou Jinping.

Recordando que Portugal foi a última paragem de uma visita que passou pela Europa e por Buenos Aires, onde participou na reunião do G20, Xi Jinping disse que por toda a parte sentiu "as aspirações e expectativas dos povos de todos os países pela paz, estabilidade, desenvolvimento e prosperidade". E deixou a garantia: “Apesar de o mundo enfrentar diversos problemas e desafios, a China vai aderir sempre ao princípio do respeito mútuo, consultas em pé de igualdade, e persistir no desenvolvimento pacífico e cooperação”.

Acordos em cima da mesa

Ao todo, foram rubricados 17 acordos (e não 19 como chegou a ser avançado), divididos entre Estado e empresas.

Em primeiro lugar, surge o memorando de entendimento entre Portugal e a China sobre cooperação no quadro da chamada “nova rota da seda”, com uma referência à mobilidade eléctrica. Deste memorando foi conhecido apenas um pequeno resumo, no qual se diz que se “estabelece as modalidades de cooperação bilateral no âmbito da iniciativa chinesa one belt, one road, abrangendo uma ampla gama de sectores, com destaque para a conectividade e para a mobilidade eléctrica.

Ao nível de governos, houve ainda quatro outros memorandos, ligados à cooperação no comércio de serviços (visando o seu aprofundamento em áreas como turismo, transportes, finanças, propriedade intelectual, tecnologia ou cultura); à programação de festivais culturais (incluindo para assinalar os 40 anos do estabelecimento das relações diplomáticas) e à ciência e tecnologia (no quadro da Parceria China-Portugal em Ciência e Tecnologia 2030); ligada a áreas como ciência espacial e clima; e outro ligado à água, rubricado pelo ministro do Ambiente, Matos Fernandes, e sobre qual apenas se sabe que irá ser criado um grupo de trabalho.

Foi ainda rubricado um protocolo sobre os requisitos fitossanitários para a exportação de uva de mesa para a China – como o período de quarentena em solo chinês. “Com a entrada em vigor do protocolo, os operadores económicos portugueses encontram-se autorizados a exportar uvas de mesa para a China”, lê-se no documento.

Ao nível da língua e da educação houve dois acordos, um para o estabelecimento de um instituto Confúcio na Universidade do Porto e outro com a Academia Chinesa de Ciências Sociais para o estabelecimento de um Centro de Estudos Chineses na Universidade de Coimbra.

Na administração local, houve uma carta de intenções entre as câmaras municipais de Setúbal e de Tianjin.

EDP e CTG reforçam relações culturais

Além dos acordos bilaterais, foram também assinados acordos empresariais entre as maiores empresas portuguesas e vários grupos chineses como a State Grid, a China Three Gorges (CTG), a Huawei, o Bank of China e a Union Pay. Rodrigo Costa (REN), António Mexia (EDP), Alexandre Fonseca (Altice), Paulo Macedo (CGD), Gonçalo Reis (RTP) e Miguel Maya (BCP) foram alguns dos gestores presentes na sala dos espelhos do Palácio de Queluz para assinar acordos com as empresas chinesas.

Num momento em que a Oferta Pública de Aquisição (OPA) da CTG sobre a EDP está em compasso de espera, o presidente da EDP, António Mexia, e o líder da CTG, Lei Mingshan, assinaram um "instrumento que define a cooperação ao nível da responsabilidade social das empresas, designadamente no domínio da cultura (com enfoque em actividades a desenvolver pela Fundação EDP e MAAT), desenvolvimento sustentável, inovação e R&D". 

No caso da REN, Rodrigo Costa explicou ao PÚBLICO que o acordo assinado com o presidente da State Grid, Kou Wei, passa por "renovar o compromisso com o Nester", o laboratório de investigação situado em Sacavém cujo capital é partilhado entre as duas empresas, que irá "receber mais projectos", mas também aprofundar a partilha de conhecimento com a empresa chinesa na área de integração das energias renováveis.

É "uma área em que a REN funciona muito bem e tem muita experiência" — e em que vai adquirir mais conhecimentos com o aumento esperado da produção de energia solar no sul do país e com o novo projecto de eólica offshore em Viana do Castelo — e que é "um desafio para a China", tendo em conta o problema de poluição no país.

"Vamos investir bastante nessa área, no sentido de identificarmos novos projectos para trabalharmos em conjunto", disse Rodrigo Costa, revelando que a REN já colaborou com a State Grid na "avaliação de alguns projectos de investimento" em vários países. Num deles, conseguiu-se que uma região da China tivesse "batido um recorde" ao ter sido abastecida durante nove dias exclusivamente por energias renováveis, contou.

Do acordo com a State Grid (que tem 25% do capital da REN) faz parte também o compromisso de "identificar eventuais oportunidades de investimento" que as duas empresas possam realizar em parceria. "Obviamente, investimentos sempre sujeitos" ao plano estratégico de crescimento da REN, "que pode ser nacional ou internacional, mas muito conservador", em "mercados estáveis e em negócios regulados ou próximos de regulados", disse Rodrigo Costa.

CGD e Bank of China na emissão de "Panda Ponds"

Um outro acordo foi entre a Caixa Geral de Depósitos e o Bank of China, ligado à operação de emissão de dívida portuguesa em renminbi que deverá ocorrer em 2019. Ao PÚBLICO, o presidente da CGD, Paulo Macedo, explicou que o acordo é “para dar todo o apoio” à operação em moeda chinesa, denominada de “Panda bonds”, quer em termos de concepção, estruturação ou assessoria técnica. “Já temos vindo a trabalhar em conjunto” referiu o gestor, servindo a ocasião desta quarta-feira para formalizar a colaboração entre as duas instituições financeiras.

Fora do protocolo, adiantou Paulo Macedo, o Bank of China, representado pelo seu presidente, Chen Siqing, avançou também com uma facilidade de crédito no valor de “algumas dezenas de milhões de euros”. Os montantes servem para garantir, por exemplo, cartas de crédito a empresas portuguesas que estão na China.

No caso do BCP, o banco liderado por Miguel Maya assinou com a Unionpay, "o principal serviço de pagamentos electrónicos da China e um dos mais utilizados a nível mundial", um acordo que permitirá ao banco "emitir cartões de crédito" desta entidade.

Altice e Huawei desenvolvem 5G

A Altice assinou com a Huawei um acordo para o desenvolvimento da tecnologia 5G. O documento, rubricado pelo presidente executivo da Altice, Alexandre Fonseca, e pelo presidente da Huawei Portugal, Chris Lu, visa "acelerar o desenvolvimento e capacitação da rede 5G em Portugal, de modo a permitir um aumento qualitativo do acesso à rede de banda larga móvel e comunicações com maior fiabilidade".

Lembrando que a Altice e a Huawei são parceiros há mais de cinco anos e até fizeram juntos, no ano passado, a primeira demonstração com tecnologia e equipamentos reais de 5G na rede Altice, Alexandre Fonseca disse ao PÚBLICO que o reforço de parceria assinado esta quarta-feira “tem como objectivo estabelecer caminho directo para podermos ter as redes preparadas para o lançamento do 5G comercial em Portugal”, assim que o mercado e os consumidores demonstrem essa necessidade.

Sobre o facto de a Altice ser a única operadora de telecomunicações presente no encontro, o gestor sublinhou que a empresa assume-se como “líder incontestado das telecomunicações e mesmo do desenvolvimento tecnológico e da inovação”, pelo que “é natural” que, “num encontro a este nível”, represente o sector. Alexandre Fonseca também recordou que em 2016, quando António Costa visitou Pequim, fez parte da comitiva portuguesa e já nessa data rubricou um acordo com a tecnológica chinesa.

Já a RTP assinou um acordo com o Grupo Media da China, holding estatal dona do canal de televisão CCTV, “para a produção conjunta de documentários”. Segundo afirmou ao PÚBLICO o presidente da RTP, Gonçalo Reis, um projecto que está bem encaminhado é o de um possível documentário, em vários episódios, sobre o fabrico de porcelana chinesa encomendada por Portugal no século XVI.

COFCO instala centro em Matosinhos

Na vertente empresarial, houve ainda lugar para um memorando de entendimento entre a China National Cereals, Oils, and Foodstuffs Corporation (COFCO) e a AICEP. O acordo visa a instalação de um centro de serviços partilhados da COFCO International em Matosinhos. A vertente de trading da empresa estatal chinesa ligada a negócios agro-industriais deverá criar 150 postos de trabalho no arranque.

Outro diz respeito ao plano de implementação do Starlab em Portugal, um laboratório de “pesquisa de tecnologia avançada nos domínios do mar e do espaço”, que envolve a empresa portuguesa Tekever, o Centro de Engenharia e Desenvolvimento (CEIIA) e a Academia Chinesa das Ciências.

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