Juízes reclamam controlo sobre sistema informático dos tribunais

“Todos os dias há intrusões e fugas de informação”, revelou presidente do Tribunal da Relação de Coimbra em encontro de magistrados judiciais.

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Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Joaquim Piçarra PAULO NOVAIS/LUSA

A reivindicação tem anos, mas ganhou novo fôlego nesta quinta-feira em Coimbra, num encontro anual de magistrados promovido pelo Conselho Superior da Magistratura: os juízes querem passar a ser eles a mandar no sistema informático dos tribunais. Alegam que o facto de o sistema sempre ter estado na dependência do Ministério da Justiça é passível de comprometer a independência profissional a que estão vinculados.

“O conselho está totalmente disponível para assumir a gestão do sistema informático”, afirmou o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Joaquim Piçarra – escusando-se, porém, a dizer se já fez essa proposta ao Governo. O juiz Noronha do Nascimento, que já exerceu o mesmo cargo, também não tem dúvidas: “Tem de ser."

O mesmo diz a secretária-geral da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Carla Oliveira: “Era importantíssimo que passasse a ser gerido pelo conselho, por uma questão de independência judicial."

Num momento em que se avizinham algumas alterações nesta área, são muitas as vozes que se levantam na magistratura. Uma mini-sondagem feita entre os participantes no encontro deu o mesmo resultado: os magistrados reclamam o controlo da plataforma digital, que dá pelo nome de Citius.

Por que razão isso nunca aconteceu, ninguém sabe explicar bem. Questionado pelo PÚBLICO sobre o assunto, o Ministério da Justiça não forneceu qualquer resposta. Para Joaquim Piçarra, os juízes têm de estar “muito atentos e preparados” para “rejeitar profundamente” qualquer condicionamento ou da redução da sua independência que possa ocorrer pela via tecnológica.

Revelando que “todos os dias há intrusões e fugas de informação” do sistema, numa devassa que é tanto mais grave quando estão com frequência em causa dados relativos “à honra e reserva da vida privada” dos intervenientes dos processos – sejam eles arguidos ou não –, o presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, Luís Azevedo Mendes, alinhou pelo mesmo diapasão: “Os conselhos superiores da magistratura e dos tribunais administrativos e fiscais têm de ter o domínio dos servidores e das bases de dados."

Ninguém mencionou o E-Toupeira, o caso no qual dois funcionários judiciais são suspeitos de passarem informações privilegiadas ao Benfica a troco de bilhetes para os jogos e merchandising. Mas Azevedo Mendes não hesitou em chamar “emplastro que empata” ao organismo público que gere o Citius, tendo admitido que não confia totalmente nos seus técnicos informáticos. “Não suporto ter na minha equipa pessoas com duplas lealdades”, observou, numa referência ao facto de ser desse organismo, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, que dependem esses funcionários, e não dos próprios tribunais.

Alvo de discussão foi também o facto de as novas tecnologias permitirem aos juízes trabalharem à distância, a partir de casa, com tudo o que isso implica de afastamento dos tribunais. Nem todos o fazem, mas os abusos de alguns fizeram com que o Conselho Superior da Magistratura esteja a equacionar a possibilidade de impor níveis mínimos de idas aos tribunais. Noronha do Nascimento mostrou-se contrário à ideia, e não foi o único. “No dia em que houver horários de trabalho para os juízes os tribunais afundam-se”, antecipou, numa referência ao facto de muitos profissionais trabalharem à noite e ao fim-de-semana para terminarem aquilo que não conseguem fazer no horário de expediente.

E avisou a plateia de juízes para os perigos da utilização indiscriminada do teletrabalho: “Vai levar subrepticiamente à funcionalização dos juízes, e a que a administração dos tribunais possa passar a ser feita não por magistrados judiciais mas por gestores profissionais, como já sucede noutros países."

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