Macron tem de dominar a tentação do seu partido de não ouvir ninguém

Jean-Yves Camus: O politólogo diz que França está dividida em duas, e as duas metades já não conseguem dialogar. A dos que se sentem perdedores está nas ruas, nos protestos dos “coletes amarelos” e tem Macron como alvo.

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Manifestação em Haulchin, com um mascarado de Macron Pascal Rossignol/REUTERS

Emmanuel Macron foi eleito Presidente como representante da França que ganhou os desafios da globalização, e essa França é bem diferente da das pequenas cidades, onde há poucos transportes públicos, muitos desempregados e gente com baixos rendimentos. O Presidente tem de curvar a sua tendência e a do seu partido “de não ceder a nada, de não ouvir ninguém” para ultrapassar esta crise, aconselha Jean-Yves Camus, director do Observatório das Radicalidades Políticas da Fundação Jean Jaurés.

Com esta vaga de descontentamento popular, Emmanuel Macron tornou-se vítima da crise do sistema político francês que lhe permitiu ser eleito em 2017?

Emmanuel Macron está a pagar, antes de mais, pelo falhanço de todos os governos que o precederam, tanto como pelos seus próprios erros. É por isso que alguns manifestantes chegam a pôr em causa a sua legitimidade bem como a de toda a classe política, do Parlamento e dos partidos. A amplitude do descontentamento tem origem num problema fundamental: não só a distância entre os rendimentos mais baixos e mais altos se aprofundou em França de 2008 a 2016, como há duas categorias no país que já não se falam. Um estudo do think tank progressista Terra Nova mostra que 80% dos aderentes do República em Marcha [partido de Macron] têm formação ao nível do mestrado e que 59% dizem sentir-se realizados. São os vencedores da globalização, estão numa dinâmica pessoal positiva. Do outro lado, a França que se manifesta é a dos desempregados, dos reformados, da pequena classe média e dos operários, que perdem poder de compra e que têm um sentimento de abandono por parte das “elites”. Isto é ainda mais óbvio porque muitos dos protestos dos “coletes amarelos” acontecem em pequenas cidades mal servidas por transportes públicos, naquilo a que chamamos “a França periférica”.

Este movimento pode ter um futuro em termos políticos, com uma tradução eleitoral? Há muitos receios de que possa ser aproveitado por Marine Le Pen, Laurent Wauquiez (líder do partido de direita Os Republicanos), os sindicatos hesitam mas estão a dar os primeiros passos para se juntar…

Uma sondagem publicada ainda antes do início das manifestações dava a União Nacional de Le Pen em pé de igualdade com a República em Marcha nas eleições europeias [de Março]. Marine Le Pen pode por isso esperar beneficiar da mobilização dos “coletes amarelos” para se aproximar de Macron, porque há muito que ela fala da “França dos esquecidos”, da pressão fiscal demasiado forte e das questões do poder de compra. Por outro lado, o tema da imigração não está no centro das reivindicações dos “coletes amarelos”, e esse é o tema favorito de Le Pen. Uma parte dos “coletes amarelos” pode encontrar melhor eco na França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon. Uma coisa é certa: a República em Marcha está enfraquecida e Os Republicanos não têm um programa com suficientes preocupações sociais para captar o descontentamento da maioria dos “coletes amarelos”, que é da categoria operária.

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Jean-Yves Camus DR

A ausência de mobilização partidária nos “coletes amarelos” pode significar que estamos em presença de algo de novo?

Sim, sobretudo porque o movimento nasceu nas redes sociais e não tem uma hierarquia clara. Também é novo porque, até ao presente, conseguiu evitar que algum partido se aproveitasse dele. Mas este distanciamento em relação aos partidos e aos sindicatos também é uma fraqueza, pois chegará um momento em que se colocará a questão de saber quem vai negociar com o Governo, e para isso será necessário haver porta-vozes, e reivindicações claras e estruturadas. E que organize a mobilização dos manifestantes de forma a durar.

Macron parecia ter derrotado a vaga populista em França, e foi muito celebrado na Europa por isso. Mas talvez a sua maneira de governar, as suas reformas, tenham dado mais fôlego aos movimentos de protesto que dizem representar a voz do povo contra as elites. Qual é a sua análise?

Face aos populismos xenófobos e anti-europeus, agora que [a chanceler alemã] Angela Merkel está enfraquecida, só existem dois dirigentes que podem continuar o combate: Pedro Sánchez e Emmanuel Macron. A imagem de Macron é melhor no estrangeiro do que em França, onde a sua quota de popularidade está em baixa. Mas nas eleições europeias, tendo em conta as dificuldades do Partido Socialista, a escolha é binária: os progressistas pró-europeus ou os populistas. O Presidente pode por isso corrigir o passo, mas para ganhar, tem de dominar a tentação que existe no seu partido de não ceder a nada, de não ouvir ninguém, de querer levar tudo à frente como um bulldozer. Isso já não se pode fazer: a rejeição às elites é demasiado forte. A chave do sucesso para Macron é fazer muito mais pedagogia em torno da sua política e alargar muito a base sociológica do seu partido.
 

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