Há muito que se sabia que tragédia de Borba poderia ter sido evitada

Os industriais do mármore dizem que a "tragédia" poderia ter "sido evitada" pela Câmara de Borba.

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Nuno Ferreira Santos

Foram muitas as vozes que alertaram para a falta de segurança e para "os problemas" da estrada que ruiu, com o deslizamento de terras para um pedreira, em Borba, distrito de Évora. O primeiro alerta já tem, pelo menos, quatro anos. Nesta terça-feira, vários industriais do sector dos mármores reforçam que esta é uma tragédia que "poderia ter sido evitada".

O corte da estrada municipal, que abria caminho entre duas pedreiras — uma delas desactivada —, já havia sido pedido à câmara "há pelo menos quatro anos", disse José Batanete, empresário do sector do mármore, à agência Lusa.

Segundo o industrial, que possuía há quatro anos uma pedreira de extracção de mármore junto à estrada onde aconteceu o deslizamento de terras, entretanto vendida, os empresários até apresentaram ao município "soluções" alternativas para a circulação rodoviária "para que aquilo [o colapso da estrada provocando vítimas] não pudesse ou não devesse acontecer".

"Entretanto, como costuma ser usual neste país, as coisas, pelos vistos, caíram todas em «saco roto», até à tragédia que se verificou ontem [na segunda-feira]", lamentou José Batanete.

Contactado pela agência Lusa, outro industrial do sector com pedreiras de extracção de mármore naquela zona, Luís Sottomayor, sublinhou que "há muito tempo" que "os problemas da estrada" estavam identificados

Há quatro anos, recordou, a então Direcção Regional de Economia promoveu uma reunião de trabalho com os empresários e com a câmara "no sentido de cortar esta estrada, numa parte que era perigosa", visto que servia, não apenas para acesso às pedreiras, mas para a circulação rodoviária dos habitantes em geral.

Os técnicos do Ministério da Economia, ligados à área de geologia, assinalou, alertaram que "o problema" era que a estrada poderia "cair de um momento para o outro e não dava segurança".

"E nós anuímos porque temos as pedreiras aqui, somos empresas responsáveis, gostamos de trabalhar em segurança e aquilo também era uma insegurança para nós, além de nos limitar" quanto a "trabalharmos mais junto à estrada", disse.

Na altura, evocou, não chegou a "haver consenso" entre os empresários para o corte da estrada e "não saiu nada" de concreto da reunião, na qual participaram cerca de 10 industriais: "Alguns colegas, chamaram-nos malucos" e disseram que "a gente estava a levantar um problema que não existia".

É também Luís Sottomayor que aparece citado na notícia da estação de rádio Campanário, datada de 2014, sobre as fragilidades daquela estrada. “A Direcção Regional da Economia tem acompanhado em questões de segurança as pedreiras devido à fracturação existente no anticlinal desta zona da estrada e por uma questão de segurança está equacionada essa hipótese” de extinção da estrada, afirmou Luís Sotto Mayor, administrador da Marmetal. E acrescentava: "Há uma série de estudos que metem em perigo a estrada."

José Batanete confirma, ressalvando, contudo, que os opositores à interrupção do trânsito na via rodoviária representavam "uma minoria".

"Ninguém pensava que isto acontecesse", julgavam que "era tudo estudos, que aquilo iria durar mais não sei quantos anos", argumentou.

Luís Sottomayor explicou ainda que, nessa altura, os empresários efectuaram um estudo, que poderia ter servido de "base de trabalho" e que apresentaram ao município, identificando o problema" e, no caso de corte daquela estrada, "como é que cada empresa" na zona poderia "ter acesso a Borba e a Vila Viçosa" através de "caminhos alternativos".

"Ficou tudo em «águas de bacalhau»", lamentou, argumentando que quem circulava na estrada "não percebia", devido às sebes que a ladeiam, mas o que ali se encontrava, com pedreiras de um lado e de outro, "era uma ponte estreitinha, um talude, de seis metros" de largura por pouco mais de 100 de comprimento.

Luís Sottomayor argumentou que, na altura, "foi dito" ao autarca de Borba que, "se houvesse algum azar, a responsabilidade" seria "da câmara".

Na segunda-feira, horas depois da tragédia, António Anselmo, presidente da Câmara Municipal de Borba dizia estar de "consciência tranquila" e, apesar dos testemunhos que davam conta da fragilidade da estrada, António Anselmo garante que a situação estava "perfeitamente segura".

"As responsabilidades não sei quem as tem", disse, por seu turno, José Batanete, afirmando-se "revoltado" com o sucedido e recordando: "Ficou combinado que a câmara iria fazer uma assembleia municipal, propor à população que a estrada deixasse" de ter trânsito, mas tudo "caiu em «saco roto»".

Também os trabalhadores das empresas de extracção de mármore e moradores estariam avisados do perigo. Ilídio Gila, primo de um trabalhador da pedreira, confirma que “há anos se fala da insegurança da estrada” onde ocorreu a derrocada e que continuavam a circular por ela “muitas viaturas pesadas”, apesar dos alertas de que era uma estrada muito insegura. “Passava lá tudo”, acrescenta. Se a derrocada tivesse ocorrido depois das 17h, “haveria muito mais mortes” por ser um local onde circulava muita gente junto da estrada.

Estradas entregues às autarquias "em más condições" sem "contrapartidas"

Ribau Esteves, vice-presidente Associação Nacional de Municípios Portugueses, comentou, em entrevista à TSF, a forma como as estradas nacionais têm sido desclassificadas, passando para a alçada municipal sem ajudas nem investimento.

“Sabemos que existiram no passado muitas estradas nacionais que foram desclassificadas e entregues às câmaras em má condição e que essas câmaras não têm capacidade de fazer os enormes investimentos de que necessitavam”, explica Ribau Esteves. A reabilitação destas estradas está, pois, dependente da capacidade financeira de cada autarquia, que vai investindo “mais ou menos para manter a qualidade da rede viária”.

Para evitar situações como a que aconteceu em Borba, o vice-presidente da Associação Nacional de Municípios portugueses deixa um apelo: “É necessário um investimento regular na qualificação das estradas”.

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