O teste ESFOP – E Se Fosse O Passos?

Num país onde a esquerda tem o monopólio do protesto, a receita para o nirvana político está à vista de todos – é meter a esquerda na cama do poder e apagar a luz.

É verdade que a direita portuguesa é dada ao queixume e ainda não recuperou daquilo que lhe aconteceu em 2015. Este lado de vitimização é contraproducente em política, até porque uma longa lista de lamúrias não compõe um programa eleitoral. Contudo, há coisas que são extremamente difíceis de engolir, e a maior delas é a duplicidade de critérios com que se avalia o trabalho do actual governo, quando comparado com a forma como se avaliava o trabalho do governo anterior. Há, pois, que investir nesta patriótica missão: aplicar o teste ESFOP (E Se Fosse O Passos?) a todas as medidas e declarações do governo de António Costa.

É a luta ancestral pela narrativa certa: quem domina a interpretação daquilo que está a acontecer pode inclinar o campo da História para o seu lado. Mais do que os alegados brilharetes de Mário Centeno, é precisamente isso que tem feito a diferença na fórmula de governo encontrada por António Costa – estamos cativados em termos financeiros e cativados em termos interpretativos. Não só se instituiu uma narrativa de sucesso governativo bastante desligada da realidade, como se aceitam como toleráveis acontecimentos e afirmações que provocariam ribombantes rasgares de vestes cinco anos atrás.

Muita gente de direita tem aplicado o teste ESFOP nos últimos tempos, ao ser confrontado com múltiplas atitudes do governo socialista (“ai se tivesse sido Passos a fazer isto”; “ui se tivesse sido Passos a dizer aquilo”), tentando denunciar uma duplicidade de critérios que é sintoma de uma democracia coxa. Mas o teste ESFOP não está tão generalizado quanto deveria. Passos Coelho e os seus ministros passaram uma legislatura inteira amarrados a frases infelizes – do “sair da zona de conforto” ao “ir além da troika” –, que eram atiradas contra eles 24 horas por dia, sete dias por semana. Ora, actualmente, as maiores barbaridades ditas por ministros socialistas parecem não ter qualquer capacidade de aderência.

Dou um exemplo: aquilo que o ministro do Ambiente afirmou sobre o aproveitamento da baixa do IVA nas tarifas de electricidade é de tal forma infeliz que há cinco anos ele teria sido de imediato transformado num monstro da insensibilidade social e em alvo favorito de grandoladas. Matos Fernandes, para quem não reparou (porque, como estas coisas não ganham tracção, é perfeitamente possível que não tenham reparado), exortou as famílias a diminuírem a potência de electricidade contratada nas suas casas para o nível mais baixo que existe, para dessa forma aproveitarem a redução do IVA de 23 para 6%. Como saberá qualquer pessoa que tenha um quadro eléctrico, a potência mais baixa dá para um frigorífico e uma chaleira – aquecimento, só se for a brasas.

Pois bem: querem aplicar o teste ESFOP a estas declarações? O governo de Passos seria acusado pelo PCP de estar a promover o regresso ao velho Portugal salazarista, mais pobrete do que alegrete; o Bloco de Esquerda lamentaria por antecipação todos os velhinhos que iriam morrer de frio no Inverno só para pagar menos IVA e continuar a proteger o lobby da EDP; o PS classificaria a medida como um convite para os portugueses emigrarem para climas tropicais. Isso, claro, se estivéssemos em 2013. Como estamos no santo ano de 2018, houve umas breves notícias, uns suspiros nas redes sociais e pouco mais. Num país onde a esquerda tem o monopólio do protesto, a receita para o nirvana político está à vista de todos – é meter a esquerda na cama do poder e apagar a luz.

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