Mulher violada e acusada de tentar abortar pode ser condenada a 20 anos de prisão

Em El Salvador o aborto é ilegal em qualquer circunstância.

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Imelda Cortez em Usulutan, El Salvador, julgada por tentativa de homicídio, esta segunda-feira dia 12 de Novembro EPA/RODRIGO SURA

Uma mulher violada pelo padrasto enfrenta até 20 anos de prisão, depois de ter dado à luz e ser acusada de tentativa de aborto em El Salvador. 

Imelda Cortez, de 20 anos, começou a ser julgada esta segunda-feira por tentativa de homicídio. A jovem está sob custódia desde Abril de 2017, depois de ter sido encontrada pela mãe com dores fortes e sangramento intenso. Cortez foi imediatamente encaminhada para as urgências de um hospital, onde o médico de serviço suspeitou de uma tentativa de aborto e chamou a polícia. O bebé foi encontrado com vida e em bom estado de saúde e, após uma semana no hospital, a salvadorenha foi enviada para a prisão, sem possibilidade de fiança.

O caso chamou a atenção para a rigidez das leis do aborto em El Salvador, onde a prática é ilegal sob qualquer circunstância. Imelda Cortez, que nega as acusações, vive numa zona rural do país e terá sido violada, desde os 12 anos, pelo seu padrasto, agora com 70 anos.

“Esta é a injustiça mais extrema e escandalosa contra uma mulher que eu já vi”, afirmou citada pelo diário britânico Guardian Bertha María Deleón, advogada de defesa de Cortez. “O Estado violou repetidamente os direitos de Imelda enquanto vítima. Ela está profundamente afectada mas negou apoio psicológico”, acrescentou.

Alejandra Romero, que pertence também à equipa de advogados de defesa, disse à Reuters que tudo pode acontecer, "mas se o juiz for objectivo e olhar para as evidências, que não mostram que ela magoou o bebé ou cometeu um crime, Imelda deverá ser libertada." Romero lamentou ainda que a jovem esteja a ser "tratada como uma criminosa e não como vítima de violência sexual." De acordo com a agência de notícias, o padrasto foi também detido por violação de uma menor. 

Paula Avila-Guillen, directora de iniciativas para a América Latina do Centro de Igualdade da Mulher, com sede em Nova Iorque, realça que a maioria das mulheres na mesma circunstância são pobres, moradoras em zonas rurais e condenadas por evidências ténues após complicações ginecológicas, como um aborto espontâneo ou nado-morto. O que leva Paula Avila-Guillen a afirmar que este padrão sugere uma política estatal discriminatória que viola vários direitos humanos.

Inicialmente, os procuradores acusaram a mulher de ter inventado o abuso para justificar o crime. No entanto, um teste de ADN confirmou a paternidade do bebé. Enquanto Imelda Cortez se encontrava no hospital, avança o Guardian, o padrasto ameaçou matá-la, bem como à sua mãe e aos seus irmãos, caso ela denunciasse o abuso.

Apesar de uma avaliação psicológica ter detectado défices cognitivos e emocionais consistentes com trauma e abuso, a mulher não recebeu qualquer apoio psicológico. “Quando se pensava que nada poderia ser mais cruel em El Salvador, vê-se o caso de Imelda, que mostra a feroz determinação dos procuradores de ir atrás de mulheres pobres, independentemente das circunstâncias e evidências. Ao acorrentar essas mulheres a camas hospitalares e enviando-as para a prisão, enviam uma mensagem forte: se você é pobre, não é seguro procurar atendimento médico”, sublinhou Paula Avila-Guillen.

Há 21 anos que o aborto foi criminalizado em El Salvador. Um projecto de lei elaborado há cerca de dois anos para uma reforma que permita o aborto em casos de violação, tráfico de seres humanos, quando o feto é inviável ou a vida da gestante está em perigo, permanece à espera de votação, que deverá tardar a chegar tendo em conta que os partidos políticos se preparam para as eleições do próximo ano.

Activistas dos direitos humanos têm alertado para esta questão, sendo que este ano foram já libertadas cinco mulheres que estavam presas por assassinato, entre as quais Teodora Vásquez depois de ter estado presa durante dez anos, acusada de matar o seu bebé recém-nascido. De acordo com o The Guardian, 24 mulheres encontram-se ainda a cumprir penas entre os 15 e 30 anos de prisão e outras quatro aguardam julgamento. 

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