O Bloco suavizou o discurso anti-Europa

Catarina Martins não abordou directamente uma eventual participação do Bloco num governo de esquerda, mas decretou a morte do voto útil e insistiu na importância de o PS não ter maioria absoluta.

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Catarina Martins anunciou Marisa Matias como cabeça-de-lista ao Parlamento Europeu LUSA/JOSE SENA GOULAO

No primeiro dia de trabalhos da XI Convenção, que termina neste domingo em Lisboa, foi um Bloco de Esquerda com um discurso mais suave sobre União Europeia que transpareceu das intervenções dos seus dirigentes no palco do Pavilhão do Casal Vistoso. Isso ficou patente logo no discurso de abertura feito pela coordenadora Catarina Martins.

Na intervenção da líder surgiram críticas à complacência do poder de Bruxelas com as tendências autoritárias, concretamente no que se refere aos refugiados. Já questões anteriormente sagradas para o Bloco de Esquerda, e que estão na moção de estratégia global da direcção, como a revisão do Tratado Orçamental, ficaram a cargo de outros dirigentes, como é o caso da eurodeputada que voltará a encabeçar a lista às europeias, Marisa Matias, ou de Luís Fazenda e Joana Mortágua.

Catarina Martins centrou-se no alerta ao partido para a batalha das legislativas, nas quais o Bloco de Esquerda quer medir forças com o PS. Num tom crítico, alertou para os perigos de uma maioria absoluta do PS em Outubro de 2019 e deixou garantias sobre a competência do BE: “O Bloco é hoje um partido mais determinante, mais preparado, mais sólido nas suas análises e nas suas propostas. O Bloco mostrou que tem gente capaz, que sabe mais do que tantos ministros, porque conhecemos os problemas pela vida.”

E insistiu na ideia de que “se o PS tivesse tido maioria absoluta” não teriam sido concretizadas diversas medidas que foram possíveis graças ao acordo parlamentar à esquerda que foi assinado a 10 de Novembro de 2015, precisamente há três anos, no início da legislatura entre PS, BE, PCP e PEV. A própria Catarina Martins deu a resposta: “A política mudou porque o PS não teve maioria absoluta e porque cresceu a força da esquerda. Lembrar 2015 é aprender essa lição. Morreu o voto útil, renasceu a possibilidade de o povo impor o respeito.” Acrescentando: “Aquele voto com medo da direita e que preferia uma solução má a uma solução péssima, esse voto útil morreu. Paz à sua alma.”

BE no governo

Em todo o discurso, a coordenadora nunca abordou a disponibilidade do BE para participar num governo com o PS depois das legislativas, objectivo que é admitido na moção de estratégia da direcção de que é primeira subscritora. Esse tema foi abordado indirectamente pelo líder fundador, Francisco Louçã, ao chegar ao Pavilhão do Casal Vistoso, ainda não tinham começado os trabalhos da Convenção. Louçã avançou os termos em que um próximo acordo pode existir.

“A relação de forças é definida pelas eleições, não é só pelos partidos”, sublinhou Louçã, frisando que o BE tem de “dar a certeza às pessoas sobre o que vai acontecer na saúde, nos transportes, na educação, na vida de todos os dias. Isso é que permite chegar a um governo no futuro e a posições de grande responsabilidade”.

Mas Catarina Martins não deixou de sinalizar os temas que são centrais para o BE na próxima legislatura. Chamou-lhes mesmo os três “desafios colossais” que o Governo tem pela frente. “O primeiro resulta da opção do PS, que não hesitou em juntar-se à direita na legislação laboral, que se vai arrastando no Parlamento; é tempo de acabar com essa vergonha e aprovar uma lei que protege os contratos, que impede a precariedade e que qualifica o trabalho”, começou por dizer.

De seguida, acrescentou: “O segundo é que o Governo não se importou em dar uma cambalhota para mudar de voto e proteger a EDP quando o Parlamento já tinha aprovado uma taxa sobre as rendas da energia; é tempo de acabar com elas.” Por fim, elencou ainda: “O terceiro desafio é que os atrasos na lei de bases da saúde ou no investimento em transportes públicos são maus indicadores sobre a vontade de deixar tudo na mesma; é tempo de cumprir o Serviço Nacional de Saúde e de responder pelos transportes de qualidade.”

Aos desafios anunciados por Catarina Martins, seria acrescentado mais um da parte da tarde pela deputada Joana Mortágua, abordando directamente as questões europeias. “O PS disse ao país que era possível virar a página da austeridade e cumprir as metas do Tratado Orçamental, mas é precisamente essa promessa que é hoje o colete-de-forças da 'geringonça'. Depois do que conseguimos, o PS travou sempre que quisemos ir mais longe. [O] investimento público é o limite da 'geringonça' e não é por uma questão de sustentabilidade das contas públicas, é por uma questão de sustentabilidade da campanha de Mário Centeno”, garantiu Joana Mortágua.

Rever Tratado Orçamental

As bandeiras do BE sobre União Europeia seriam desfraldadas na sala da Convenção pela eurodeputada Marisa Matias, já no estatuto de cabeça-de-lista às europeias – refira-se que coube ao deputado José Manuel Pureza anunciar que o BE quer eleger “mais deputados”.

Marisa Matias defendeu que o programa eleitoral que o BE propõe para Portugal e que irá apresentar às eleições legislativas “é incompatível com o Tratado Orçamental” assumindo assim a necessidade da sua revisão que está, aliás, na moção de estratégia da direcção de que a eurodeputada é também subscritora.

E fê-lo depois de apresentar os cinco eixos em que esse programa irá assentar: recuperação dos direitos laborais, defesa da contratação colectiva e no combate à precariedade e à pobreza; a defesa da soberania e dos serviços públicos; a reconversão energética; a defesa do investimento público a níveis pré-troika; e o crescimento da soberania alimentar.

Mas foi o fundador Luís Fazenda quem, de forma mais veemente, demarcou o Bloco de Esquerda das políticas neoliberais que diz serem as da Comissão Europeia.

Começou por afirmar que os bloquistas estão “insatisfeitos com as grilhetas do Tratado Orçamental” e fez questão de frisar que “a Comissão Europeia e o Eurogrupo têm um programa político” a que chamam de “reformas estruturais”. O fundador do Bloco passou então a explicar que essas reformas são: as privatizações; a precariedade; a redução dos custos do trabalho.

Advertindo que “esse programa é inaceitável” para o BE, Luís Fazenda garantiu que esses critérios da política da Comissão Europeia e do Eurogrupo provocam um “desequilíbrio social” e estão “em vigor” em Portugal, já que “a Concertação Social cumpre os critérios da Comissão Europeia e do Eurogrupo”.

Luís Fazenda não poupou sequer uma crítica directa a António Costa, que fez em tom de resposta. Lembrando que o primeiro-ministro disse que os bloquistas eram “bons para ser amigos, mas não para casar”, Fazenda garantiu: “Para nós, não faz sentido casar com o Eurogrupo.”

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