Negociações entre EDP e Governo não travam batalha jurídica sobre taxa da energia

O ministro do Ambiente e da Transição Energética não vê razões para a CESE não ser paga e a EDP abre a porta ao entendimento com o Executivo, mas continua a impugnar as liquidações da taxa.

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LUSA/ANTÓNIO COTRIM

A recente, e aparente, reaproximação entre a EDP e o Governo não se compadece com os prazos de impugnação judicial. Apenas três dias depois de o ministro do Ambiente e da Transição Energética ter estado num evento na sede da eléctrica, em Lisboa, afirmando ter “a séria convicção que estão criadas as condições para que a CESE [contribuição extraordinária sobre o sector energético] possa ser paga a partir de agora", e de o presidente da empresa ter mostrado abertura para o fazer, deram entrada no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa – a 22 de Outubro – duas novas acções de impugnação, num valor próximo de 51 milhões de euros, que o PÚBLICO sabe estarem relacionadas com a CESE.

Nomeadamente, com liquidações relativas aos anos de 2014 e 2015, os dois primeiros em que vigorou esta taxa extraordinária criada pelo Governo PSD/CDS e que no figurino originalmente traçado (em 2013) visava apenas o sector electroprodutor, com uma receita estimada de 100 milhões de euros. A taxa acabou por estender-se não só ao transporte e distribuição de electricidade, como também aos sectores do gás natural e petróleo, com o objectivo de arrecadar 150 milhões por ano, o que nunca chegou a concretizar-se.

À EDP coube uma contribuição anual de cerca de 60 milhões por ano, que a empresa foi pagando, até confirmar, no início de 2017, a intenção de impugnar na justiça os pagamentos feitos em 2014 e 2015. “Ao contrário do inicialmente previsto e estipulado, a CESE tem vindo a ser sucessivamente prorrogada” pelo Estado. A contribuição entendia-se pela “necessidade de contribuir para a estabilidade orçamental, num contexto de especiais exigências económicas que então Portugal atravessava”, mas era, igualmente, “uma medida que se previa na sua génese como ‘extraordinária’”, sublinhava, em Janeiro do ano passado, fonte oficial da empresa.

A 19 de Outubro, à margem do evento em que coincidiu com o ministro João Pedro Matos Fernandes, o presidente da EDP, António Mexia afirmava que a empresa iria “cumprir a sua palavra” e pagar a taxa se as duas condições (ser “um imposto extraordinário” e “afecto à redução do défice tarifário”) “estiverem preenchidas”. Mas recusou explicar o que faria aos processos já em tribunal.

O dinheiro da CESE é uma receita com que o Governo está a contar para reduzir o défice tarifário e os preços da electricidade, tal como prevê a proposta de orçamento do Estado para 2019.

O Verão de 2017, em que Mexia foi constituído arguido na investigação judicial aos polémicos contratos CMEC (os Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual), também ficou marcado por uma deterioração das relações entre o Governo e a empresa, em larga medida devido ao processo de definição do montante do acerto final dos CMEC, que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) fixou em 154 milhões, um valor 100 milhões de euros abaixo do esperado pela empresa. Os 154 milhões acabariam por ser homologados pelo anterior secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, levando a que a EDP viesse, já este ano, a contestar o valor.

Além desta polémica, 2017 não acabaria sem que o ex-governante também acusasse a EDP (e a Endesa) de ter reflectido de forma ilegal nas contas da luz os seus encargos com a CESE e o desconto da tarifa social, indicando à ERSE que cortasse esse valor, em torno de 80 milhões de euros, às tarifas para 2018. Em Janeiro, a empresa avançou com novo processo para contestar o diploma de Seguro Sanches, mais ou menos na mesma altura em que o primeiro-ministro, António Costa, voltou a criticar, pela segunda vez no espaço de seis meses, e a propósito do não pagamento da CESE, a “atitude hostil” da EDP para com o Governo.

Em Setembro deste ano estourou nova bomba, com a assinatura por Seguro Sanches de um despacho que fixou em 285 milhões de euros o valor de alegadas sobrecompensações que a EDP terá retirado dos CMEC pela ausência da verificação de testes de disponibilidade às suas centrais até 2013. A medida obrigou a empresa a rever em baixa os resultados líquidos de 2018, de 800 milhões para um valor entre 500 a 600 milhões e a constituir uma provisão extraordinária de 285 milhões nas contas do terceiro trimestre, além de anunciar que os seus accionistas tencionam iniciar procedimentos arbitrais contra o Estado português. “Nós [EDP] efectivamente estamos a contestar esta medida”, adiantou, em declarações ao PÚBLICO na quarta-feira o administrador financeiro, Miguel Stilwell de Andrade, rejeitando, no entanto, comentar eventuais acções iniciadas por accionistas.

Apesar de um contexto de animosidade entre Governo e empresa, antes da apresentação da proposta do Orçamento do Estado para 2019, surgiram ecos de uma aproximação para resolver o tema da CESE – a 12 de Outubro, o Observador noticiou que o Governo estava a negociar com as empresas, incluindo a EDP, o pagamento da taxa, em troca da definição de um calendário faseado para a sua eliminação.

Na proposta de OE que foi entregue a 15 de Outubro, o Governo assegura que “continuará, neste orçamento, a apostar na redução da factura energética e, adicionalmente aos 190 milhões de euros transferidos em 2018 para abater ao défice tarifário, em 2019 serão transferidos mais 200 milhões de euros”. Uma parte substancial das transferências para a redução do défice tarifário (que neste momento ronda os três mil milhões de euros e cujo serviço da dívida onera as tarifas pagas por famílias e empresas) provirá das receitas do fundo ambiental com os leilões de carbono (segundo Matos Fernandes, este ano serão pelo menos 112 milhões de euros provenientes dos leilões) e o restante terá de vir da CESE, embora não se saiba ainda em que moldes e quantias.

Para já, o certo é que as impugnações da CESE continuam a chegar ao TT de Lisboa. As duas acções que entraram no dia 22 de Outubro somaram-se a outras quatro tentativas de impugnação de decisões do fisco iniciadas desde o começo do ano pelo grupo EDP, estas num valor global de 55 milhões de euros (ou seja, num total aproximado de 100 milhões de euros, em 2018).

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