De Trump a Bolsonaro: tudo normal nas Américas?

O Presidente americano poderá perder, segundo as sondagens, a maioria no Congresso, embora a conserve no Senado.

Os norte-americanos vão às urnas na próxima terça-feira para eleger a nova Câmara dos Representantes, um terço do Senado e dois terços dos Governadores. As primeiras eleições intercalares da era Trump ocorrem num momento político e social muito tenso, na sequência do massacre numa sinagoga da Pensilvânia e do envio de cartas com explosivos a personalidades identificadas com o Partido Democrata, além do conflito previsível na fronteira com o México entre os emigrantes em marcha e o exército americano (Trump começou por ordenar que os militares respondessem com tiros ao arremesso de pedras para se desdizer vinte e quatro horas depois, como é, de resto, seu hábito, propondo a mera detenção dos agressores). Apesar de ter apostado a fundo na campanha de apoio aos candidatos republicanos, o Presidente americano poderá perder, segundo as sondagens, a maioria no Congresso, embora a conserve no Senado, o que traduziria um primeiro movimento de rejeição por parte dos eleitores, reagindo ao clima de ódio e violência implantado na sociedade americana e expresso nos recentes acontecimentos.

Entretanto, no Brasil, a grande surpresa – ou talvez nem tanto – foi protagonizada pelo juiz Sérgio Moro, passando de magistrado todo poderoso da operação Lava Jacto e da prisão de Lula ao papel de super ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Se a transição e o conflito de interesses e estatutos se afiguram por demais evidentes e chocantes num Estado de Direito – ou, afinal, não serão? –, a compatibilização das agendas de Moro e Bolsonaro promete dar que falar, se pensarmos que, depois de tudo o que sabemos dele (nomeadamente dos seus fervorosos elogios da ditadura militar e da tortura), o Presidente eleito se propõe lançar como uma das primeiras medidas emblemáticas do seu mandato a liberalização generalizada do porte de armas. Uma réplica, porventura ainda mais radical, da legislação em vigor no grande vizinho do Norte e de que Trump se tornou o mais desbragado defensor, apesar dos sucessivos acontecimentos, mais ou menos trágicos, que se têm multiplicado por causa de uma tradição inspirada na justiça expedita e primitiva do far-west.

Sabe-se aonde conduziu a legislação norte-americana - ainda agora com o massacre na Pensilvânia - , mas Bolsonaro, qual anjo exterminador, encara o armamento individual dos brasileiros como uma das soluções expeditas ideais para acabar com a violência e o crime organizado - e nunca, jamais, como um factor suplementar de desordem, arbítrio e sangrento caos social. Pois é em cumplicidade estreita com tal personagem que, para já, o juiz Moro, manifestamente ofuscado pelo poder que lhe é oferecido, se propõe levar a cabo o seu projecto justiceiro, contando com o cansaço e até o desespero dos brasileiros perante o estado de insegurança e corrupção a que chegou o país.

É edificante que no debate tantas vezes surrealista a que assistimos em Portugal sobre as causas e consequências do fenómeno Bolsonaro (ou também do fenómeno Trump) as recriminações de ordem ideológica e as obsessões do «politicamente correcto» se sobreponham à constatação daquilo que tende hoje a tornar o mundo em que vivemos ainda mais perigoso e descontrolado do que já era.

A legitimação e banalização dos autoritarismos ou das personagens e regimes que favorecem o crescimento do ódio e da violência, mesmo quando se propõem combatê-los, é uma das maiores ameaças que espreitam estes tempos de desvario e confusão extrema de valores, tendo como pano de fundo a selva cada vez mais impenetrável das redes sociais. Se numa semana se diz que «um fascista é um fascista» não é possível passar as semanas seguintes a justificar - e a legitimar - a sua existência, a não ser que estejamos entretidos a jogar às escondidas com as palavras.

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