A breve lua-de-mel de Bolsonaro

Bolsonaro soube interpretar os sentimentos e fantasmas da maioria dos brasileiros e por isso venceu. Mas também o PT ganhou. É à sua volta que a oposição se vai aglutinar na defesa da democracia contra o autoritarismo.

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1. Jair Bolsonaro foi eleito Presidente do Brasil por uma margem impressionante. Não foi uma surpresa. Mas também nada assegura de sólido. O Brasil deu um salto no escuro. Hoje é o dia das perguntas e não o dia das respostas. É necessário observar o clima dos próximos dias. Será o termómetro da tendência de acalmia ou do reforço da polarização. Os brasileiros fizeram-se reféns de dois discursos extremos, do “nós contra eles”, em que a maioria não votou a favor do seu candidato mas contra o “outro candidato”.

Apesar dos números da vitória, “a lua-de-mel vai ser curta”, previa há dois dias o politólogo Paulo Kramer, membro da equipa de Bolsonaro. “Os primeiros cem dias não vão começar a partir do 1.º de Janeiro, mas a partir do momento em que for declarado o resultado das urnas. A situação do país é muito grave. Ninguém vai ter paciência para esperar.”

O eleitorado quer ter a perspectiva de medidas concretas. Quer ouvir falar da economia e de coisas como a reforma da Previdência, temas ausentes da campanha eleitoral, dominada pela chamada “guerra cultural”.

2. A mesma eleição que entrega o poder a Bolsonaro é também a que entrega a chefia da oposição ao PT. Deste ponto de vista, ambas as forças terão atingido os seus objectivos. Lula e o PT sacrificaram as presidenciais à manutenção da sua hegemonia sobre a esquerda. Note-se que, com o estilhaçamento do MDB e sobretudo do PSDB, será em torno do PT que tenderá a agregar-se toda a oposição. O PT incomodará Bolsonaro no Congresso e na rua. Outro efeito possível é retirar do centro da agenda o tema da corrupção e lá colocar a defesa da democracia contra o autoritarismo.

O PT pode ter deixado de ser o antigo “partido de massas” para se tornar numa eficaz máquina eleitoral. Mas é o único partido que provoca uma intensa identificação ideológica junto da sua base eleitoral.

3. O Congresso será o palco das próximas grandes batalhas políticas. Bolsonaro está perante um teste: a aprovação da reforma da Previdência. “Se não a aprovar no primeiro semestre, não a aprova mais”, observou Kramer.

O Presidente disporá de uma grande maioria conservadora entre os deputados. No Senado terá mais dificuldades. Mas se a nova maioria está disponível para ratificar alguns dos temas mais “fracturantes” de Bolsonaro, é previsível que levante obstáculos às reformas económicas preconizadas pelo anunciado “czar” da Economia, o economista neoliberal Paulo Guedes. De resto, o programa económico do futuro governo é ainda nebuloso. Os ministros militares seguirão Guedes ou limitá-lo-ão em nome de um projecto mais nacionalista? Até agora, Bolsonaro tem dito uma coisa e o seu contrário. Quanto tempo durará também a “lua-de-mel com os mercados”?

A única certeza é que estas eleições mudaram o mapa político. Marcam o fim de uma era e é impossível prever que novas regras e alianças se vão impor (ver Manuel Carvalho no PÚBLICO de ontem).

4. Por fim, falemos dos riscos. “Risco de quê?”, interroga-se o politólogo Fernando Bizarro. “Se for a quebra brusca da democracia — com um golpe que cancele eleições, feche o Congresso e suspenda direitos —, o risco é provavelmente zero. Tanto a experiência internacional quanto a História brasileira mostram isso.” O problema é outro. “A erosão democrática, isto é, a deterioração gradual e limitada de algumas dimensões da democracia é hoje a forma mais comum da degeneração das democracias.”

As instituições existem mas parecem fragilizadas. Um dos sintomas foi a necessidade de o Supremo Tribunal Federal se apoiar no Exército para enfrentar as ameaças de Bolsonaro, para não falar no crescente papel tutelar dos militares perante um sistema político degradado.

Por fim, há o “problema Bolsonaro”. Quer dar a aparência de um “homem forte”. Ou será apenas uma máscara? Como reagirá perante um fracasso no governo? Apostará na polarização e no confronto? O grande capital do novo Presidente é a popularidade. Soube interpretar os sentimentos e os fantasmas da maioria dos brasileiros. Agora, arrisca-se a “perder o inimigo” e a tornar-se ele próprio o alvo das frustrações.

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