Costa é "um artista", Portas rejeitou a pasta das Finanças, PCP disponível para lugares no Governo: as revelações de Cavaco

Cavaco Silva conta como Passos Coelho ameaçou demitir-se em 2012 e Portas recusou que o CDS herdasse de Gaspar a pasta das Finanças um ano depois.

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Cavaco Silva e António Costa RUI GAUDENCIO

Três dias depois das eleições legislativas de Outubro de 2015, Jerónimo de Sousa entregou a António Costa um documento com nove pontos que serviriam de base para um novo Governo, tendo manifestado a total disponibilidade do PCP para um acordo de incidência parlamentar ou de divisão de lugares no executivo. A revelação sobre os bastidores da formação do Governo de "geringonça" - que ainda hoje persiste com os mesmos protagonistas - é feita pelo ex-Presidente da República, Cavaco Silva, no segundo volume de memórias sobre os anos passados no Palácio de Belém, "Quinta-feira e outros dias".

"A reunião que [António Costa] tivera com o PCP fora surpreendente e deixara-o muito satisfeito. Jerónimo de Sousa entregara-lhe um documento de nove pontos que considerava prioritários na nova legislatura. Manifestara-se disponível para um acordo de incidência parlamentar com o PS e, inclusivamente, para assumir responsabilidade governativas", escreve Cavaco, referindo-se à reunião que o líder do PS manteve com o secretário-geral do PCP dia 7 de Outubro, ou seja, apenas três dias após as eleições legislativas. Nesse encontro, Jerónimo garantiu que o PCP nunca iria aprovar qualquer moção de rejeição a um Governo do PS.

Na reunião seguinte, com o BE, Costa ouviu algo semelhante: o partido de Catarina Martins "não colocaria problemas em relação ao Tratado Orçamental e não exigiria a reestruturação da dívida". Segundo Cavaco, a "abertura e generosidade" dos dois partidos "entusiasmaram" António Costa. 

Sobre o primeiro-ministro, o ex-Presidente diz que é "um homem simpático e bem-disposto, de sorriso fácil", "um hábil profissional da política, um artista da arte de nunca dizer não aos pedidos que lhe eram apresentados", "percebera com Passos Coelho que, em política, uma excessiva preocupação em falar verdade não era um caminho para o sucesso", "era mestre em gerir a conjuntura política, em capitalizar uma aparência de paz social, e em empurrar para a frente os problemas de fundo da economia".

O convite que evitaria a crise do "irrevogável"

O segundo volume prometia também novas revelações sobre a grande crise do Governo de Passos com as demissões de Vítor Gaspar e Paulo Portas em 2013 e cumpriu-o. Segundo Cavaco, Passos contou-lhe em duas audiências seguidas que sugeriu a Paulo Portas que o CDS ficasse com a pasta das Finanças mas este recusou. Essa sugestão foi feita antes da demissão de Vítor Gaspar, no dia 1 de Julho. Desde 11 de Maio, revela, que o então ministro das Finanças comunicara ao primeiro-ministro a vontade de abandonar o Governo.

Mais tarde, quando Portas também se demite de ministro dos Negócios Estrangeiros numa atitude que apelidou de "irrevogável" mas que veio a não o ser, Passos convida Portas a ascender a vice-primeiro-ministro com a pasta da Economia. O líder do CDS também não aceita.  

O ex-Presidente condena toda a atitude de Portas durante a crise do "irrevogável": o líder do CDS foi "infantil"; o comunicado da direcção do partido foi "surreal". E conta que, depois de três conversas com Portas, percebeu que o próprio não estava à espera de ter sido alvo de "uma reprovação tão veemente" da opinião pública em geral como a que se verificou.

A quase demissão de Passos Coelho

Pelas palavras de Cavaco Silva, ficamos ainda a saber que, em 2012, na preparação do Orçamento do Estado para o ano seguinte, o então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho quis demitir-se. Na altura, o CDS opôs-se ao corte das pensões que a troika sugerira e tinha acordado com o ministro Vítor Gaspar. "Referi ao primeiro-ministro que ninguém iria perceber a sua atitude", escreve. "Acrescentei que devia informar o Conselho de Ministros de que eu considerava inaceitável que uma discordância com a troika fosse razão para uma crise política e que considerava correcto enfrentar a troika", explica.

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