Sindicato diz que MAI “quer que 'rolem cabeças' e não que se apure a verdade”

Sindicato Vertical usa fotos de vítimas de outros países para atacar ministro. Montagens sugerem que idosos retratados foram agredidos pelos detidos em Gondomar — o que não corresponde à verdade.

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Nelson Garrido

O Sindicato Vertical de Carreiras da Polícia (SVCP) apelou neste sábado à “indignação” do ministro da Administração Interna em relação às vítimas de agressões. Para atacar as declarações de Eduardo Cabrita contra a divulgação de imagens dos suspeitos de dezenas de assaltos a idosos, no momento em que foram capturados, em Gondomar, o sindicato partilhou uma montagem com fotografias de três pessoas espancadas — mas que não foram agredidas em Portugal, nem tão pouco recentemente.

As montagens partilhadas nas redes sociais acabaram contudo por levar muitas pessoas a crer que os idosos retratados tinham sido agredidos pelos homens detidos em Gondomar — o que não corresponde à verdade.

"O que os profissionais da PSP exigem é que o princípio da inocência seja de igual forma aplicado a todos profissionais da Polícia", respondeu ao PÚBLICO Vítor Pereira, vice-presidente para a área sindical do SVCP, explicando por e-mail a motivação das publicações dos últimos dias. O representante do Sindicato Vertical lamenta que Eduardo Cabrita tenha afirmado, "sem qualquer dúvida, que a publicação daquelas fotos [dos detidos no momento da captura] teve origem num polícia e que esta polícia não é a polícia de um Estado de Direito". 

"A detenção foi efectuada num local público, porque razão ninguém admite que estas fotos tenham sido retiradas por outrem que não um polícia?", questiona. Para Vítor Pereira, "não restam quaisquer dúvidas que [Eduardo Cabrita] deseja e ordenou que 'rolem cabeças' e não que se apure a verdade." As fotografias dos suspeitos foram tiradas no momento em que os três homens foram capturados, em Gondomar, e a sua publicação nas redes sociais já está a ser investigada pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), a pedido do Ministério da Administração Interna (MAI), e pela Inspecção Nacional da PSP.

Essas fotos foram partilhadas pelo Sindicato Unificado da PSP, que entretanto já apagou a publicação, mas também pelo Sindicato Vertical, no sábado de manhã, na sua página do Facebook. Na publicação, o SVCP afirma fazê-lo em defesa dos colegas, já que o caso estará "a ser usado para denegrir a imagem dos profissionais da PSP". O MAI não quis comentar a publicação do Sindicato Vertical.

Montagem enganadora

Na publicação do SVCP — que coloca três fotografias de pessoas idosas com hematomas ao lado de uma fotografia de Eduardo Cabrita e declarações do ministro a considerar “‘absolutamente inaceitável’ a divulgação de fotografias de suspeitos capturados pela PSP” —, a legenda refere “Por favor, Sr. Ministro do MAI, Sr.s da Amnistia Internacional, Sr.ª Cancio [sic] e todos os demais....indignem-se.”

As imagens partilhadas pelo SVCP remetem para outra montagem, também partilhada nas redes sociais no sábado, que colocava as fotografias de quatro idosos com vários hematomas ao lado de outra dos três suspeitos dos assaltos violentos que fugiram do Tribunal de Instrução Criminal do Porto na semana passada.

Nas montagens, aparecem fotografias de pessoas do Reino Unido e do Brasil que nada têm que ver com os suspeitos portugueses: uma mulher, de 82 anos, agredida em Londres, em Julho de 2017; um homem, de 78 anos, atacado no Rio de Janeiro, em Novembro de 2015; um homem, de 74 anos, espancado no interior da Bahia, em Julho de 2013; e ainda uma mulher, de 63 anos, agredida em Manchester, em Julho de 2016.

Respondendo por e-mail à questão sobre esta associação que está a ser feita entre os idosos das fotografias e as vítimas de crimes cometidos pelos detidos, Vítor Pereira reconhece que o Sindicato Vertical não tem acesso "a quaisquer dados ou factos constantes neste inquérito ou noutro qualquer". E aproveita para acrescentar que "não é apanágio dos investigadores da PSP partilharem factos que se encontram em segredo de justiça", sublinhando "a capacidade técnica e o enorme profissionalismo dos investigadores da PSP e esse reconhecimento parte dos vários operadores judiciais".

O SVCP não respondeu às questões enviadas pelo PÚBLICO no que toca à proveniência das imagens de pessoas idosas agredidas em outros países.

Processo disciplinar

A captação e publicação das imagens, alegadamente tiradas por agentes da PSP aos suspeitos capturados em Gondomar, continua sob investigação. O assunto foi entregue pelo ministro da Administração Interna à Inspecção-Geral da Administração Interna, e está a ser investigado também pela Inspecção Nacional da PSP.

Mário Andrade, do Sindicato dos Profissionais de Polícia (SPP-PSP), reconhece que as montagens com fotografias de idosos possam ter um efeito "incendiário", mas ressalva que as publicações do SVCP no Facebook "reflectem a revolta dos agentes" perante os ataques da opinião pública nos últimos dias, desde que os fugitivos fugiram do tribunal.

Um dirigente de outro sindicato da PSP, que pediu para não ser identificado, entende que as estruturas sindicais da polícia “não têm que responder da mesma forma que teriam que responder individualmente enquanto agentes da PSP”. Ou seja, a publicação das imagens poderá ser ou não enquadrada nalgum tipo de crime previsto no código penal — “o único código que os sindicatos têm que cumprir” —, mas, uma vez que a publicação foi feita através do sindicato, os agentes podem estar protegidos de eventuais processos de carácter disciplinar.

Na lei que regula o exercício da liberdade sindical, o artigo referente às restrições a esse exercício refere que, “atendendo à natureza e missão desta força de segurança”, o pessoal da PSP com funções policiais não pode “fazer declarações que afectem a subordinação da polícia à legalidade democrática”.

Face à confirmação de que as fotografias justapostas às imagens dos detidos não são de vítimas dos mesmos, Mário Andrade, do SPP, considera que seria mais prudente retirar a montagem da página do Facebook. Mesmo que o Sindicato Vertical não tenha incorrido em nenhuma infracção, recorda que podem estar em risco os profissionais da polícia que fizeram comentários mais exacerbados publicamente — esses, sim, sujeitos a processos disciplinares.

O Ministério da Administração Interna não se pronuncia sobre a publicação feita pelo SVCP, remetendo à IGAI esclarecimentos sobre o processo que investiga as circunstâncias da fuga dos suspeitos e da divulgação de fotografias do momento da captura.

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