Haddad diz que debateria “até numa enfermaria”, Bolsonaro escusa-se

Candidato do PT aposta em confrontos cara-a-cara com o seu rival para a segunda volta, mas o capitão reformado continua a preferir fazer campanha sem oposição.

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Haddad sem mais fotos de Lula quando se apresenta aos jornalistas Amanda Perobelli/Reuters

Fernando Haddad, o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) que disputa a segunda volta das presidenciais no Brasil, diz que está disposto a ir “até numa enfermaria” para debater com o seu rival, Jair Bolsonaro, o capitão reformado com um programa de extrema-direita.

Mas Bolsonaro, alvo de um ataque à facada no início de Setembro, que o obrigou a ser submetido a duas cirurgias – terá ainda de fazer outra, em Dezembro – refugia-se no seu estado de saúde para fugir ao debate. Por recomendação médica, não irá pelo menos ao primeiro, que estava previsto para sexta-feira, dia 12.

“O nosso receio é que o adversário continue a usar subterfúgios para não comparecer ao debate. Eu vou até numa enfermaria discutir o Brasil. Não tenho problema em tratar nenhum tema, mas vamos tratar como adultos, não fazendo criancice na Internet”, disse Haddad. “Faço o que ele quiser para que ele fale o que pensa. E prometo não o stressar, falar de forma calma”, disse Haddad, já levando a provocação a Bolsonaro para um ligeiro tom de troça, numa conferência de imprensa com correspondentes de media internacionais representados em São Paulo.

O problema é que o candidato de extrema-direita não teve uma boa prestação nos poucos debates presidenciais a que foi antes de ser alvo do ataque. Aliás, tinha já anunciado que não iria a mais debates até às eleições – só se considerasse que teria algum interesse nisso –, numa atitude já então vista como de fuga, sem que houvesse impedimentos médicos.

Agora, depois de ter tido alta do hospital, tem-se multiplicado em entrevistas de carácter ameno a partir do seu apartamento no Rio de Janeiro, sem contraditório, para além de vídeos colocados na Internet, na sua página no Facebook, rodeado dos filhos e outros correligionários, onde divulga as suas ideias pacificamente. E vai fazendo contactos para formação de governo, com os jornais a revelar um possível futuro executivo recheado de generais. Já Haddad afirmou que em caso de vitória o seu “ministro das Finanças não vai ser banqueiro, vai ser alguém comprometido com a geração de emprego”.

Antevê-se que um embate directo com Haddad, professor de Ciência Política na Universidade de São Paulo, não seja algo que Jair Bolsonaro esteja ansioso por fazer – ainda que a primeira volta lhe tenha dado 46% nas urnas. Por isso, aprofunda a sua estratégia de comunicação directa com as massas – está até a lançar um canal de televisão online, através de uma aplicação onde qualquer um pode aceder directamente à programação a partir do seu smartphone, noticiou o jornal Estado de São Paulo.

O que fará o PT se Bolsonaro não comparecer aos debates? “Aí é com vocês”, respondeu Haddad ao PÚBLICO, passando a bola aos jornalistas. “Vocês sabem o valor da liberdade de expressão numa democracia.”

Venezuela, uma desconfiança

Em pano de fundo desta conferência de imprensa estava um poster de Haddad candidato – desapareceram as referências a Lula da Silva. Um sinal claro da mudança de estratégia para a segunda volta, em que o ex-Presidente deixará de estar tão presente na campanha. Haddad deixará de visitar Lula todas as segundas-feiras na prisão em Curitiba, e tem a indicação de poder ser mais Haddad e menos um Lula de substituição. É uma mudança necessária para marchar rumo ao centro – algo essencial para construir a aliança com que espera obter os mais 27 milhões de votos necessários para ganhar a Bolsonaro, nas contas da Folha de São Paulo.

Para isso, tem também de ultrapassar bloqueios como posições assumidas por outras figuras do PT relativamente à vizinha Venezuela, por exemplo, e que nestes tempos de grande polarização ganham uma tremenda importância. Uma e outra vez Haddad foi solicitado a esclarecer qual a sua posição sobre o regime venezuelano. Outros dirigentes do PT mantêm a retórica de apoio a Nicolás Maduro, mas não Haddad, que já várias vezes afirmou que o país não pode ser classificado como uma democracia.

“Sempre fomos pelo princípio da não-ingerência e em 140 anos o Brasil nunca se envolveu numa guerra. Não vamos entrar numa guerra contra a Venezuela”, afirmou. “Quem iria ganhar com isso? Só as companhias petrolíferas americanas, que procuram um subterfúgio para obter benefícios na Venezuela, que tem as maiores reservas conhecidas, e no Brasil, desde a descoberta do pré-sal”, declarou Fernando Haddad.

Perante mais uma pergunta sobre a Venezuela, sublinhou que esta sempre foi a política seguida pelo Brasil, mesmo no tempo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. “Essa é a boa tradição diplomática brasileira. Num período complicado como agora, o Presidente Fernando Henrique reuniu um grupo de países amigos da Venezuela e teve uma conversa com George Bush sobre conflito armado na Venezuela”, afirmou Haddad. “O Brasil tem capacidade de liderança diplomática e deve usá-la.” 

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