Sintra-Cascais: 600 hectares ardidos, o equivalente a vários anos

Uma área de cedros centenários junto à Peninha terá sido destruída. Estabilidade dos solos pode estar em causa.

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Numa só noite ardeu mais do que nos últimos dez anos no parque natural RODRIGO ANTUNES

O Parque Natural de Sintra-Cascais tem sido uma das áreas protegidas menos fustigada pelos fogos nos últimos anos. Entre 2013 e 2017, arderam apenas 85 hectares nos mais de 14 mil hectares deste parque, segundo números do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas a que o PÚBLICO teve acesso. Nos últimos três anos a área ardida foi mesmo nula. E mesmo que recuemos a 2001, os dados dos últimos 17 anos mostram que arderam 1011 hectares naquele parque natural, dos 220 mil hectares que os fogos destruíram nas áreas protegidas.

Mas nas cerca de 15 horas que durou o fogo deste fim-de-semana foram consumidos mais de 600 hectares, calcula Paulo Fernandes, professor do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), olhando para as imagens de satélite disponibilizadas pelo Sistema de Informação Europeu de Incêndios Florestais. O especialista diz que as imagens de satélite foram tiradas durante a madrugada, não sendo possível contabilizar o que ardeu depois. No entanto, Paulo Fernandes destaca que o fogo evoluiu para sul, para uma zona mais urbana.

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No parque, uma zona que integra a Rede Natura 2000, diz Paulo Fernandes, o incêndio terá destruído uma área de cedros centenários, junto à Peninha, além de áreas de arbustos, onde predomina o tojo e o zimbro. “Mas a grande mancha florestal do Parque Natural de Sintra-Cascais escapou”, afirma.

O professor da UTAD explica que este incêndio foi “um fogo de vento”, já que as condições meteorológicas existentes eram bastante suaves. “A temperatura rondava os 20 graus e a humidade relativa estava entre os 50 e os 60%”, nota. Além do vento, o fogo foi ajudado pela secura da vegetação.

José Miguel Cardoso Pereira, investigador do Instituto Superior de Agronomia, alerta para o risco de erosão e aluimento de terras após o incêndio: “Se houver chuvadas fortes, tal pode ter impactos a nível da estabilidade dos solos.” E há ainda quem aponte o crescimento exponencial de acácias, que são uma infestante, que se seguirá ao fogo, agora que esta espécie ficou com terreno livre para se expandir. Até aqui, a zona da Peninha, onde deflagraram as chamas, não era das mais fustigadas por esta praga.

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Entretanto, a associação ambientalista Salvar Sintra acusa a direcção do Parque Natural Sintra-Cascais de “total negligência e de sistemática demissão das suas responsabilidades”: “Durante todo o Verão o abate de árvores na serra continuou ininterrupto, com os madeireiros a deixarem no local ramos secos, lixo vegetal, desperdício.” E critica as câmaras de Sintra e de Cascais por licenciarem “actividades turísticas, imobiliárias e comerciais incompatíveis com o estatuto de parque natural”. Dá como exemplo o facto de se ter permitido, na passada sexta-feira à noite, a realização do Rally de Portugal Histórico. “O que levou milhares de pessoas a acorrerem à serra — aliás, exactamente à área onde eclodiram as chamas”, assinala. No sábado, nas festas de Almoçageme, garante a associação, foram lançados de forma “ilegal” dezenas de foguetes.

O presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras, reagiu dizendo que estas acusações são caluniosas e fantasiosas.

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