Marcelo e PS aguardam “toda a verdade” para decidir futuro de Azeredo Lopes

Tancos esteve na agenda de uma reunião tranquila entre Marcelo e Costa. Rio tem dúvidas de que acusações sejam mentira.

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Transferência de material após o assalto Rui Gaudencio

O Presidente da República e o PS utilizaram nesta quinta-feira um argumento idêntico quanto à continuidade de José Azeredo Lopes à frente do Ministério da Defesa, após o coordenador da investigação da Polícia Judiciária Militar (PJM) ao achamento das armas de Tancos ter revelado ao juiz a entrega de um memorando sobre o assunto ao antigo chefe de gabinete de Azeredo Lopes, o então major-general Martins Pereira.

Em Belém e no Largo do Rato o tempo é de espera pela conclusão das investigações. “Que se apure toda a verdade “, destacou Marcelo Rebelo de Sousa. Numa declaração ao PÚBLICO, a porta-voz socialista, Maria Antónia Almeida Santos, também recomendou que se dê tempo ao tempo.

O PÚBLICO sabe que na habitual reunião semanal do Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas com o primeiro-ministro, António Costa, o assunto foi abordado, mas que o encontro de trabalho decorreu de forma tranquila. Horas antes da reunião em Belém, o Presidente realçou “que está em curso uma investigação criminal, há que esperar que decorra e se apure toda a verdade”. No cemitério de Loures numa iniciativa comemorativa da implantação da República, Marcelo foi interrogado se mantinha a confiança política no ministro da Defesa.

“Vamos aguardar a conclusão deste processo, desta instrução criminal em curso e, em função dos factos apurados e das responsabilidades eventualmente suscitadas, depois será possível formular um juízo preciso, concreto e específico acerca da matéria”, comentou à Lusa o Presidente. “Desde o início tenho defendido isso. Portanto, vamos esperar para ver quais são as conclusões”, acentuou.

Ao afirmar que mantém a mesma posição desde o início do roubo ao paiol de Tancos, o Presidente da República reafirma que o tempo é, ainda, da justiça. “Não vou dizer mais. Sabem que em matéria de Forças Armadas e defesa nacional sou parco de palavras”, justificou.

Ao PÚBLICO, Maria Antónia Almeida Santos, porta-voz do PS, disse “não ter razões para duvidar do ministro. Aguardemos.” A espera foi também aconselhada por Vitalino Canas, que não deixou de manifestar a sua surpresa pela situação. “É inédito nas Forças Armadas, surpreendeu-me numa instituição altamente disciplinada e reputada”, referiu, o antigo governante socialista. Acrescentou que não concorda, como a “maioria dos militares”, com as declarações do ex-director-geral da PJM, coronel Luís Vieira, de que colaborou na encenação da entrega do material de guerra por interesse nacional.

“Tendo havido notícias que não estão confirmadas, devemos aguardar indicações mais precisas. Se for visado, haverá a possibilidade de se pronunciar e de esclarecer. Nesta altura, em relação ao ministro, não há nenhum dado que fundamente uma decisão política”, disse ao PÚBLICO, pondo de lado a demissão de Azeredo Lopes. Uma situação que, aliás, os socialistas ouvidos pelo PÚBLICO, fazem depender do evoluir do processo judicial. Na convicção de que seria difícil o ministro sobreviver a uma audição pelo Ministério Público.

António Costa, que desde a manhã desta quinta-feira refutou estar em causa a continuidade do ministro da Defesa, foi peremptório ao Expresso. “Desconheço em absoluto o que tenha sido dito por qualquer pessoa em qualquer depoimento que, aliás, presumo esteja em segredo de Justiça”, disse quanto às declarações do major Brazão. “Conheço o que de modo inequívoco o ministro da Defesa Nacional já declarou em público e que não suscita qualquer quebra de confiança”, sublinhou o primeiro-ministro.

“A não ser que seja tudo redondamente mentira e provado que é redondamente mentira, não vejo como é que, nestas condições, um primeiro-ministro pode manter o ministro em funções”, referiu à Lusa Rui Rio. Recordando que tem por princípio “não pedir demissões de membros do Governo”, o presidente do PSD abordou como trataria desta questão se estivesse à frente de um governo. “A palavra é sempre do primeiro-ministro, mas quando eu for primeiro-ministro, nestas circunstâncias é impossível manter um ministro em funções. A não ser que isto seja redondamente mentira, mas isso é que eu tenho dúvidas”, frisou.

Ex-chefe de gabinete disponível para falar

AO PÚBLICO, o eurodeputado social-democrata Paulo Rangel defendeu a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa. “Desde o primeiro dia que o Governo não fez o que devia fazer e remeteu para um caso de polícia. Isto não é um caso de polícia, embora também tenha essa dimensão”, anotou o eurodeputado do PSD.

“O primeiro-ministro já veio desvalorizar o assunto como aconteceu com o incêndio de Pedrógrão Grande. Deixa o Presidente da República numa situação difícil. Se o Governo não assumir responsabilidades tem de ser o Presidente como Comandante Supremo das Forças Armadas, o Presidente tem de actuar em privado ou público”, insistiu.

Na manhã desta quinta-feira, Azeredo Lopes que se encontrava em Bruxelas numa reunião ministerial da NATO, adiou o seu regresso a Lisboa para uma declaração aos jornalistas, refutando as acusações de que teria sido informado da operação encenada pela PJM. “Quero dizer que é categoricamente falso que tenha tido conhecimento de qualquer encobrimento neste processo”, disse o titular da Defesa Nacional.

Questionado sobre o envolvimento do seu então chefe de gabinete, numa conversa com o director-geral e coordenador das investigações da PJM, coronel Luís Vieira e major Vasco Brazão, o ministro utilizou um registo menos categórico. “Não vou comentar declarações de pessoas que, tanto quanto sei, nem sequer conheço. Não vou falar pelo meu chefe de gabinete (ver caixa) nem falar mais deste tópico”, concluiu.

Como avançou nesta quinta-feira o Expresso e confirmou o PÚBLICO, Vasco Brazão disse ao juiz de instrução criminal, na audição mais longa — oito horas — de todos os detidos no âmbito da Operação Húbris, que tinha entregue pessoalmente ao chefe de gabinete do ministro um memorando sobre o achamento das armas de Tancos na Chamusca. Acrescentado que o major-general Martins Pereira, à sua frente e de outros dois militares da PJM, contactou telefonicamente o ministro.

Nesta versão, quer o titular da pasta quer o seu então chefe de gabinete não tecerem comentários sobre aquela informação. Entretanto, o ex-chefe de gabinete admitiu nesta quinta-feira tem, numa declaração escrita enviada à Lusa, que recebeu em Novembro de 2017 o coronel Luís Vieira e o major Brazão, mas nunca percebeu qualquer “indicação de encobrimento de eventuais culpados do furto de Tancos.” O tenente-general Martins Pereira refere ainda que comunicou ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal estar disponível para ser ouvido no âmbito deste processo”.

Após as suas declarações, a Vasco Brazão, que regressou a Portugal na segunda-feira oriundo da República Centro Africana onde se encontrava em missão, foi imposta a pena de prisão domiciliária sem dispositivos electrónicos 

Já em prisão preventiva, está o antigo director-geral da PJM, Luís Vieira. Este confessou ao juiz João Bártolo que o aparecimento, em Outubro passado, do material de guerra num baldio da Chamusca não passou de uma encenação ditada pelo “interesse nacional” após o que denominou como “acordo de cavalheiros” com o autor do roubo. Um ex-fuzileiro de 36 anos, conhecido pela polícia como traficante de armas e de droga, que também se encontra em prisão preventiva.

Em liberdade, mas sujeitos a termo de identidade e residência, suspensão do exercício de funções, proibição de contacto com os outros arguidos, estão os outros seis arguidos, militares da PJM e agentes da GNR de Loulé. com Liliana Valente e Sofia Rodrigues

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