Jornalista crítico do regime saudita desaparecido após visitar embaixada do país na Turquia

Jamal Khashoggi, jornalista saudita opositor ao governo do país, está desaparecido desde terça-feira. O consulado da Arábia Saudita em Istambul nega que esteja detido, apesar das declarações das autoridades turcas e da noiva do jornalista, que garantem que Khashoggi não saiu do edifício.

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O jornalista está desaparecido desde terça-feira. Reuters/HANDOUT

Um jornalista da Arábia Saudita conhecido pelas suas fortes críticas ao regime do país foi declarado como desaparecido, após visitar a embaixada do reino na terça-feira, em Istambul.

De acordo com o relato da noiva do jornalista, Hatice (pediu que o seu apelido não fosse divulgado por questões de segurança), ao Middle East Eye, Jamal Khashoggi entrou sozinho no consulado, por volta da uma da tarde de terça-feira. Tinha o objectivo de obter documentação que comprovasse estar divorciado, para poder casar novamente. Deixou ambos os seus telemóveis com a noiva, a quem pediu para contactar um dos conselheiros do Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, caso não regressasse.

Hatice chamou a a polícia quando, às cinco da tarde, a embaixada fechou, e esperou por Khashoggi, sem êxito, até à meia-noite. Na quarta-feira de manhã regressou ao consulado, assegurando que Khashoggi “não saiu do edifício”.

“Não sei o que se está a passar. Não sei se ele está lá dentro ou se o levaram para outro lado”, disse à Reuters.

As autoridades turcas e sauditas também não conseguem chegar a um consenso quanto ao paradeiro do jornalista. Ibrahim Kalin, porta-voz do Presidente turco, disse ao Middle East Eye ter informações que apontam para que Khashoggi ainda esteja no consulado.

A embaixada, por sua vez, afirmou em comunicado enviado à agência de notícias da Arábia Saudita (SPA) estar a “par do desaparecimento do cidadão saudita Jamal Khashoggi após este ter deixado o edifício”, assegurando estar a colaborar com as autoridades turcas para “descobrir as circunstâncias do seu desaparecimento”.

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A noiva do jornalista, Hatice, regressou na quarta-feira ao consulado.

Uma fonte policial disse à Reuters que “Khashoggi não está nem no consulado, nem sob custódia da Arábia Saudita”.

Hatice mostra-se céptica: “Se [as declarações das autoridades sauditas] fossem verdadeiras, onde está ele? Não foi para casa, não o encontrei lá. Onde está Jamal?”, perguntou, citada pela Reuters.

A polícia turca verificou o sistema de segurança do consulado e “não o viu sair a pé”, segundo Turan Kislakci, amigo de Khashoggi e presidente da Associação dos Media Turcos e Árabes, citado pelo New York Times. Contudo, carros diplomáticos foram vistos “a sair e a regressar à embaixada desde terça-feira”.

“Ele não o disse, mas estava preocupado”, contou Hatice ao New York Times. De acordo com o jornal, Khashoggi tinha revelado a um amigo no dia anterior que temia ser raptado e extraditado para a Arábia Saudita se entrasse na embaixada.

O medo generalizado é que Khashoggi tenha sido extraditado. O jornalista que escreve para The Washington Post vive em exílio auto-imposto nos Estados Unidos desde o ano passado, por considerar que podia ser detido ou impedido de viajar caso permanecesse na Arábia Saudita. É conhecido por criticar a prisão de activistas, por questionar a posição do reino na guerra do Iémen, e por pôr em causa Mohammad bin Salman, o poderoso príncipe herdeiro saudita, apesar de ter sido próximo da família real durante décadas.

“Foi doloroso quando há vários anos muitos dos meus amigos foram presos. Eu não disse nada. Não queria perder o meu trabalho, ou a minha liberdade. Estava preocupado com a minha família”, confessou Khashoggi no seu primeiro artigo para o Post, em 2017. “Agora, tomei outra decisão. Deixei a minha casa, a minha família e o meu emprego, e estou a levantar a minha voz. Fazer o contrário seria trair aqueles que sofrem na prisão. Posso falar quando tantos não podem. Quero que saibam que a Arábia Saudita nem sempre foi assim. Nós, sauditas, merecemos melhor”.

O editor da secção de opiniões internacionais do Post, Eli Lopez, disse em comunicado que a redacção está preocupada quanto ao paradeiro do jornalista, um “excelente escritor e observador político perspicaz, extremamente empenhado na discussão de ideias”. “Seria injusto e absurdo se ele tivesse sido detido pelo seu trabalho enquanto jornalista e comentador”, acrescentou.

Os protestos públicos são proibidos na Arábia Saudita, onde os meios de comunicação são controlados pelo regime e críticas à família real podem levar a detenções. Dezenas de opositores a Mohammad bin Salman foram presos no ano passado, entre eles Essam al-Zamil, economista e amigo de Khashoggi. De acordo com a Reuters, al-Zamil foi acusado esta semana de se ter juntado a uma organização terrorista, de se ter encontrado com diplomatas estrangeiros e de incitar protestos.

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