A “engenharia ao contrário” da EMEF para combater a falta de gente e de material

Comunistas querem voltar a integrar a EMEF na CP e um plano estratégico de investimento nos comboios e nos recursos humanos.

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Joana Goncalves

Telmo Costa está de volta de uma pequena caixa de metal com fios coloridos e alguns pernes. É uma antena de frenagem automática que se instala debaixo da composição de um comboio e que faz o controlo da velocidade da composição. A peça foi fabricada pela Siemens ainda antes de o técnico de electrónica ter nascido há 32 anos. Não tem qualquer papel ou desenho sobre a peça na sua frente. “Aqui, temos que fazer a engenharia ao contrário; não há livros de instruções nem projectos de muitos dos equipamentos com que lidamos todos os dias”, conta Flávio Soares, responsável pela oficina de electrónica da unidade de rotáveis da EMEF.

Ou seja, muitas vezes é preciso mesmo trabalhar em cima do joelho, por tentativa e erro, em equipamentos que são um autêntico quebra-cabeças. Seja porque a tecnologia e o desenvolvimento tornaram os equipamentos obsoletos, seja porque se perdeu o hábito da transmissão de conhecimento que era apanágio da empresa de manutenção e equipamento ferroviário e já não há qualquer trabalhador que conheça as peças ou as máquinas.

O que se passa na sala de electrónica é comum a todos os pontos da empresa. Flávio Soares conta que “as entradas de trabalhadores não cobrem as saídas por reforma” e falta conhecimento e experiência de quem entra. Isso não seria problema se a escola de aprendizagem que a CP tinha não tivesse sido desmantelada há uma série de anos. Aliás, agora a CP e a EMEF são duas empresas separadas – ao contrário do que o PCP reivindica, mas já lá vamos.

Hoje trabalham cerca de 350 pessoas na EMEF do Entroncamento, que alguns deputados do PCP visitaram, no âmbito das jornadas parlamentares, acompanhados pelo director do parque oficinal. Desde o início do ano terão saído mais de 40. A larga maioria por reforma. Também entraram trabalhadores que já ali estavam a contrato, é certo, mas os poucos outros que entram na empresa fazem-no quando os mais antigos se reformam. Não há tempo para passar conhecimento – essa prática perdeu-se, e com ela um património de experiência quase impossível de recuperar.

Uns passos ao lado de Telmo Costa, um outro técnico foca-se num transformador, um aparelho encarregue de transformar a corrente contínua em corrente alternada que permite o funcionamento dos sistemas dos comboios da Fertagus (da ponte 25 de Abril) e da linha da Azambuja. É uma peça da Mitsubishi que tem que vir do Japão – em 2016, depois do tsunami na zona de Fukushima, houve comboios à espera de peças quase um ano. Atrás de si está uma mesa de comandos do maquinista e o armário do “computador central” de um comboio. Foram construídos com peças de vários comboios e a sala de electrónica ficou com um simulador, onde testa parte dos equipamentos que conserta.

CP e EMEF numa só empresa, outra vez

São precisamente estas dificuldades de escassez de trabalhadores qualificados e de material mas também a notória falta de visão integrada do sector ferroviário que o PCP quer combater. Para isso, o líder parlamentar diz que o partido vai insistir nas propostas de voltar a integrar a EMEF na CP – “de onde nunca devia ter saído” - e de o Governo definir um planeamento estratégico de investimento no material circulante e nos recursos humanos da empresa, acompanhado do respectivo envelope financeiro.

“A reparação e a manutenção não podem ser os parentes pobres do sector ferroviário. A CP não existe sem a EMEF e a EMEF não existe sem a CP”, insistiu João Oliveira em declarações aos jornalistas ainda dentro da principal oficina da EMEF no Entroncamento, onde estão a ser reparadas várias carruagens de comboios das linhas de Sintra e Cascais e algumas composições do Alfa Pendular. Estes últimos estão a fazer a grande manutenção do meio de vida útil com pelo menos oito anos de atraso. “Deviam ter vindo em 2010”, conta Manuel Borrego, perito de material da secção de rodados e transmissão. Agora ainda vão aguentar mais uns dez a 15 anos.

“Os comboios andam com toda a segurança, mas o aspecto e o número de carruagens deixam muito a desejar. As pessoas pagam e vão em pé ou sentadas no chão, há bancos rasgados ou partidos, o ar condicionado não funciona. Estas coisas têm que ser planeadas com tempo e feitas no tempo certo, não é andar a empurrar as decisões com a barriga”, critica o funcionário.

O deputado João Oliveira defendeu a necessidade de investimento na contratação de trabalhadores para substituir os que saem e para desenvolver planos de formação para que a EMEF volte a ter o know how que tinha e possa voltar a operar em áreas que abandonou, como o transporte de mercadorias. Isso permitiria à EMEF trabalhar para a CP mas também até para empresas estrangeiras.

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