A persistência da memória

Peter Dinklage e Elle Fanning são os últimos seres humanos na Terra neste filme doce-amargo sobre reaprender a viver.

Agora Estamos Sozinhos: um filme sobre aprender a viver, sozinho e com os outros
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“Já alguém te disse que és um bocado esquisito?” “Já, mas estão todos mortos.” A conversa ten lugar entre um homem e uma mulher que podem bem ser os últimos seres humanos na Terra, depois de um misterioso apocalipse que matou toda a gente. Del, o bibliotecário que vai limpando a sua cidadezinha, enterrando os mortos e recolhendo as suas pilhas, não está exactamente feliz por ter companhia enquanto procura manter uma rotina mais ou menos normal. Grace, a jovem que lhe apareceu vinda sabe-se lá de onde, bem tenta furar o seu muro de protecção, mas tem segredos próprios que só aos poucos se irão revelar. Duas pessoas que não querem estar sozinhas mas também não se querem abrir à outra, a tentarem agarrar-se a um mundo que deixou de existir.

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Porque é que esse mundo deixou de existir não interessa nada ao argumentista Mike Makowsky e ainda menos à realizadora Reed Morano (responsável pelos primeiros episódios da sensação The Handmaid’s Tale). O que interessa é o presente, o encontro entre o taciturno bibliotecário que, por ser anão, era olhado de esguelha, e a miúda que parece ainda tactear à procura do que significa estar livre. Parecendo que não, Agora Estamos Sozinhos é um filme sobre aprender a viver, sozinho e com os outros (antes ou depois do apocalipse), criando um cenário e depois deixando à solta os seus dois actores para se descobrirem um ao outro. O filme não pede a Peter Dinklage nem a Elle Fanning que se afastem das suas zonas de conforto enquanto actores; pede-lhes, isso sim, que vão mais fundo, que as explorem mais minuciosamente, e não os incomoda enquanto o fazem.

Mesmo quando abre a porta a surpresas (não diremos nada sobre a última meia-hora), Morano não o faz com o triunfalismo de quem consegue enganar o espectador, mas sim com a naturalidade de quem nos quer recordar que há outras histórias possíveis para lá da que escolheu seguir. Sim, Del e Grace estão sozinhos, mas estarão realmente? (O título original, evocando um êxito pop dos anos 1980, é I Think We’re Alone Now — “acho que já estamos sozinhos”, o que a certeza do título português acaba por trair). Talvez estejam sempre acompanhados pelas suas memórias, porque dessas ninguém escapa (e esse é, também, um dos temas do filme). Agora Estamos Sozinhos é uma surpresa: um filme que se recusa a encaixar em gavetas e géneros, que dá espaço aos actores para habitar uma história sobre gente. Tudo isto em pouco mais de hora e meia, é obra.

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