Talone: "A maior renda alguma vez criada" foi estender os CAE à EDP

Os antigos contratos de aquisição de energia (CAE) pesavam 30% no valor da EDP, por isso a missão do ex-presidente da eléctrica foi "garantir a neutralidade" entre estes dois instrumentos e blindar "o mais possível” os novos contratos CMEC.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

O ex-presidente da EDP, João Talone, assume “uma parte significativa da paternidade” dos contratos polémicos da EDP, mas diz que a “maior renda” surgiu com os contratos anteriores, os CAE.

“A maior renda alguma vez criada em Portugal” foi estender às centrais da EDP os contratos de aquisição de energia (CAE) que na década de 90 foram desenhados para atrair investimento para as centrais da Tejo Energia e da Turbogás, afirmou o gestor que esteve à frente da eléctrica entre 2003 e 2006, nesta terça-feira no Parlamento.

Talone, que está a ser ouvido na comissão de inquérito às rendas excessivas da energia, sublinhou que quando chegou à EDP, em 2003, percebeu que um dos dossiês mais difíceis que teria pela frente era “a abertura dos CAE” e a transição para os CMEC.

Notando que a EDP era uma empresa também cotada em Nova Iorque e que os investidores internacionais tinham a percepção que os CAE representavam cerca de 30% do seu valor, o gestor afirmou que, se os CAE eram muito blindados, a sua missão “era dar blindagem aos CMEC semelhantes" às que tinham esses contratos, para garantir a neutralidade entre uns e outros e “não permitir alterações retroactivas”.

“Não enjeito uma parte significativa da paternidade do modelo adoptado para os CMEC", reconheceu Talone."Claro que a EDP esteve envolvida” no processo, acrescentou Talone, revelando que João Manso Neto e Jorge Ribeirinho Machado (arguidos na investigação judicial aos CMEC) foram dois dos gestores da empresa que lideraram as negociações com o Governo.

Já sobre a contratação de Ricardo Ferreira, que hoje é director de regulação da EDP, mas que foi um dos assessores do Governo que ajudou a construir o modelo dos CMEC, João Talone admitiu, em resposta a  Bruno Dias do PCP que, “se ele era quadro do Ministério da Economia e fui lá buscá-lo, fiz mal”.

Indagado por Hugo Costa do PS sobre se essa contratação "não põe em causa princípios como a independência”, Talone respondeu que “não é o ideal” e que seria desejável “um período de um certo afastamento”.

Sobre o que foi feito depois de deixar a empresa (em 2006), rejeitou responsabilidades ou conhecimento: “Não faço ideia do que foi feito em 2007, nem se isso alterou aquilo que foi aprovado em 2004 (…) saí da EDP e fechei o livro”. “No regime inicial” nunca foi intenção que “os CMEC favorecessem a EDP mais do que os CAE, nem que os CAE prejudicassem a EDP face aos CAE”, assegurou.

Questionado sobre se os CMEC traziam risco acrescido para a EDP em comparação aos CAE, João Talone notou que o maior risco nem era o risco de mercado, mas sim “o risco político”: “O maior risco era haver um Governo de esquerda que quisesse expropriar” a empresa, afirmou, em resposta ao deputado Jorge Costa, do Bloco de Esquerda.

Mas, ainda assim, a EDP entendeu aceitar passar para os CMEC (ao contrário do que aconteceu com a Tejo Energia e a Turbogás, que eram totalmente privadas e preferiram ficar com os CAE) porque entendeu ter criado um mecanismo alternativo “à prova de bala”. A extinção dos CAE era necessária para que Portugal desse cumprimento à directiva europeia de criação do mercado da energia e pudesse criar com Espanha o mercado ibérico da electricidade.

Sobre os 510 milhões de euros de ganhos excessivos da EDP com a passagem dos CAE para os CMEC que foram apontados pela ERSE, João Talone diz que agora, no âmbito do cálculo da revisibilidade final dos CMEC, ou seja, do acerto de contas para saber se a EDP tem que receber ou pagar aos consumidores de electricidade, a ERSE tem a possibilidade de “corrigir” esse ganho excessivo.

“Agora vai haver oportunidade de reduzir o défice tarifário em 510 milhões de euros porque a ERSE vai propor” esse ajustamento no âmbito da revisibilidade, ironizou.

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