Costa em Angola em “viagem a olhar para o futuro”

Ultrapassada a tensão nas relações bilaterais Portugal-Angola por causa do “irritante” processo judicial contra o ex-vice-presidente de Angola, António Costa e João Lourenço vão assinar vários acordos de cooperação económica, da agricultura ao fisco, passando pelas dívidas do Estado angolano às empresas portuguesas.

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Em Janeiro deste ano, quando o processo Manuel Vicente ainda estava por decidir, Costa e Lourenço apertaram as mãos em Davos

“Esta é uma viagem a olhar para o futuro”, declarou o primeiro-ministro, António Costa, ao PÚBLICO sobre a visita oficial a Angola, onde aterra neste domingo e que se prolonga até terça-feira, dia em que se encontra com o Presidente da República angolano, João Lourenço.

É uma perspectiva optimista sobre o futuro das relações bilaterais luso-angolanas que António Costa transmite sobre a nova fase que pretende iniciar de relacionamento entre os dois Estados, ao salientar que ela se faz com “novos protagonistas”, numa alusão explícita à mudança de poder que ocorreu em Angola, com João Lourenço a substituir José Eduardo dos Santos, mas também ao facto de a normalização das relações bilaterais acontecer durante o seu mandato como primeiro-ministro.

O primeiro-ministro salienta, por outro lado, a forma como esta nova etapa de relacionamento bilateral se vai concretizar e explica que haverá um “novo acordo de cooperação estratégica, abrindo a novos domínios”.

Segundo António Costa, abre-se assim a porta no plano económico a um “novo ambiente económico com acordo de dupla tributação e nova linha de crédito de garantia às exportações”. Também se entra num novo patamar no domínio das relações internacionais ao iniciar-se uma “nova parceria para reforçar relações entre a União Europeia e África”.

O optimismo de António Costa sobre esta visita oficial leva-o a concluir: “Em suma, uma viagem que mostra que, mais do que pelo passado, estamos ligados pelo futuro.”

Entre as novidades que a visita oficial do primeiro-ministro português a Angola trará encontram-se as negociações com o Governo angolano sobre a colaboração e apoio que Portugal vai dar ao desenvolvimento da economia angolana, concretamente no sector agrícola.

É com essa finalidade que o ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, integra a comitiva oficial, que inclui ainda o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, e os secretários de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Teresa Ribeiro, da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, e adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix.

Desenvolvimento agrícola

O encontro a dois entre António Costa e João Lourenço decorrerá na terça-feira, dia em que se realiza também uma reunião plenária de membros dos dois governos. Durante esta visita oficial, cujo primeiro dia é dedicado a uma reunião com os empresários portugueses sediados em Angola e a um encontro com a comunidade portuguesa, serão assinados vários acordos bilaterais.

Um dele é um programa de cooperação estratégica entre os dois Estados com novas parcerias, que foi preparado pelos dois ministros dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva e Manuel Augusto. Será também assinado um acordo de agilização das relações económicas. Outro acordo entre Portugal e Angola terá como objectivo acabar com a dupla tributação, beneficiando as empresas e os cidadãos a título individual.

António Costa e João Lourenço irão também negociar o pagamento pelo Estado angolano das dívidas existentes a empresas portuguesas e o desbloquear de linhas de crédito. Refira-se que vivem em Angola mais de cem mil portugueses.

A visita oficial de António Costa tem como objectivo simbólico “sinalizar que há paz e amizade” entre os dois países e será seguida de uma vinda do Presidente angolano a Portugal a 22 e 23 de Novembro, declarou ao PÚBLICO um membro do gabinete do primeiro-ministro. A importância destes momentos é salientada com base no facto de que há oito anos que um presidente angolano não vem a Portugal – a última visita foi de José Eduardo dos Santos em 2010 – e há sete anos que um primeiro-ministro português não vai a Angola – Pedro Passos Coelho foi o último, em Novembro de 2011. Recorde-se que Costa e Lourenço já estiveram juntos no início deste ano, num encontro que ambos mantiveram à margem da reunião do Fórum Económico Mundial em Davos, Suíça, em Janeiro.

Ultrapassar o “irritante”

As viagens dos dois chefes de Governo selam também o fim do conflito entre os dois Estados que se desenrolou em torno do processo judicial decorrente da Operação Fizz, em que o Ministério Público português acusava o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente dos crimes de corrupção activa, branqueamento de capitais e falsificação de documento.

Este caso acabou por contaminar também o processo de decisão sobre a recondução ou não de Joana Marques Vidal no cargo de procuradora-geral da República. Isto, porque o Ministério Público, que é tutelado por Marques Vidal, resistiu a que o processo fosse julgado fora de Portugal.

O diferendo sobre o caso Manuel Vicente ficou sanado em Maio, quando o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o processo autónomo de Manuel Vicente seria transferido para os tribunais angolanos, como tinha sido requerido pela defesa do ex-vice-presidente angolano. A decisão foi tomada depois de o procurador-geral de Angola ter assumido que não aceitaria deferir uma carta rogatória enviada pela Justiça portuguesa para que Manuel Vicente fosse constituído arguido em Portugal.

Reagindo à decisão da Relação, o primeiro-ministro, António Costa, congratulou-se usando uma expressão que ficaria colada a este caso e à tensão entre os dois Estados: “Fico feliz que o único irritante [caso Manuel Vicente] desapareça.” Seguiu-se a reacção do ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que repetiu a ideia: “Esta decisão, encerrando um irritante, permite que a relação entre Portugal e Angola passe para o nível mais alto possível do relacionamento.”

O próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reproduziria a expressão. “Se quem tem poder de decidir decide isso, isso significa que há uma transferência e, se for esse o caso, desaparece o irritante”, afirmou Marcelo em Maio. E acrescentou: “Sempre achei que os países estavam vocacionados em encontrarem-se e espero que assim aconteça e que nós possamos fazer em conjunto um percurso que é um percurso importante para o povo angolano e para o povo português.”

A normalização das relações entre Portugal e Angola iniciou-se então com a visita do ministro da Defesa, Azeredo Lopes, a Luanda, onde foi recebido pelo Presidente, João Lourenço, além de se reunir com o ministro da Defesa angolano, Salviano Sequeira.

Em simultâneo, o Governo angolano nomeou a 17 de Maio o novo embaixador em Lisboa, Carlos Alberto Fonseca, em substituição de José Marcos Barrica, que tinha sido mandado regressar em Abril em protesto contra a recusa da Justiça portuguesa de enviar para os tribunais angolanos o processo que acusava Manuel Vicente.

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