João Lourenço eleito presidente do MPLA — José Eduardo dos Santos sai "de cabeça erguida"

João Lourenço, já eleito por 98,59% dos votos, passa a concentrar os poderes. Congresso mostra um partido unido e não dividido entre "eduardistas e lourencistas".

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João Lourenço e José Eduardo dos Santos no congresso do MPLA AMPE ROGÉRIO/EPA
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Congresso do MPLA em Luanda AMPE ROGÉRIO/EPA
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Mais de 98% dos delegados votaram em João Lourenço AMPE ROGÉRIO/EPA

O antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, deixou neste sábado de ser o líder do MPLA, que governa o país desde a independência, em 1975. No discurso de abertura do congresso extraordinário do partido, em Luanda, assumiu que nos quase 40 anos que esteve no poder cometeu erros, mas disse sair “de cabeça erguida”, cita a agência Lusa.

"Não existe, naturalmente, qualquer actividade humana isenta de erros e assumo que também os cometi, pois só deste modo os podemos ultrapassar", disse o ex-chefe de Estado angolano (1979-2017), na abertura do congresso convocado para eleger João Lourenço como novo líder. "O erro é parte integrante do processo de aperfeiçoamento. Por isso se diz que aprendemos com os erros", acrescentou José Eduardo dos Santos.

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A primeira página do Jornal de Angola

"É de cabeça erguida que estou neste grande conclave do nosso partido", disse aos delegados, ao mesmo tempo que se assumiu "pronto para passar a liderança do partido ao próximo presidente", mas sem referir o nome de João Lourenço, que era o único candidato à sucessão e foi eleito líder do Movimento Popular de Libertação de Angola já na parte da tarde, com 98,59% dos votos, segundo a TPA - Televisão Pública de Angola. O que significa que passa a ser ele a concentrar poderes ao acumular a chefia do Estado com a do partido

"Grande parte dos camaradas que aqui está sabe que nunca ambicionei tal cargo, nem tão pouco pensei que pudesse permanecer tantos anos, mas as circunstâncias históricas e políticas assim determinaram", explicou numa intervenção de 15 minutos em que afirmou que fez o seu alcance com as suas "forças" e "capacidades intelectuais alicerçadas nas profundas convicções políticas e ideológicas" que tem desde a juventude. "Deixo-vos o meu modesto legado, para que continuem a trilhar os caminhos das nossas figuras".

Uma saída forçada

Ouvidos pelo Jornal de Angola, representantes da oposição sublinharam que a saída de José Eduardo dos Santos do poder aconteceu porque foi forçado a isso. Alcides Sakala, deputado da UNITA, disse que o que aconteceu ao ex-Presidente deve ser um ensinamento para os líderes africanos saberem chegar ao poder e sair sem serem empurrados pela força das circunstâncias. Sakala lembrou que muitos líderes de países africanos têm estado a alterar as constituições dos seus países para garantirem a sua continuidade no poder.

André Mendes de Carvalho, da CASA-CE (Convergência Ampla de Salvação de Angola — Coligação Eleitoral), reforçou que a saída de Eduardo dos Santos derivou das circunstâncias e não foi um processo natural. 

A mudança de liderança no MPLA é a última etapa no processo de passagem de poderes depois de João Lourenço — que foi o candidato à presidência designado por Eduardo dos Santos — ter tomado posse, em Setembro de 2017. O aparelho político, económico e financeiro angolano estava nas mãos da família dos Santos e os seus filhos foram afastados das empresas públicas (Isabel dos Santos da Sonangol), do Fundo Soberano (Filomeno dos Santos) e de um dos canais da televisão pública (Welwitshea ‘Tchizé’ e José Paulino ‘Coreon Du’ dos Santos). As mudanças nas lideranças foram do aparelho militar e policial à comunicação social.

Um ano depois da tomada de posse, faltava Lourenço retirar a marca Eduardo dos Santos do partido. Segundo a Lusa, são esperadas mudanças no Bureau Político, no Secretariado e no Comité Central. Mas o partido já dera sinais de que entrara numa nova fase — quando Eduardo dos Santos propôs a realização do congresso onde seria eleita a nova liderança para Dezembro deste ano ou Abril de 2019, a ideia foi chumbada, apesar de o partido ter dito que se tratou de um “melhoramento da proposta”, não de um chumbo.

José Eduardo dos Santos justificou a sua data com um compromisso que assumira de se envolver “pessoalmente” no grupo de trabalho que prepara a estratégia do MPLA para as primeiras eleições autárquicas no país, que vão instituir o poder local e que João Lourenço prometeu realizar até 2022.

Os riscos da bicefalia

Dentro do MPLA, disseram os comentadores políticos angolanos, a bicefalia — um líder no partido e um diferente na presidência — incomodava e criava o risco de um choque entre a ala ainda mais ligada a Eduardo dos Santos e outra mais próxima de Lourenço. 

O resultado da votação em que João Loutenço foi eleito, 2309 delegados entre os 2342 que votaram (27 votos contra e seis abstenções), "afastaram a ideia de um partido fracturado entre eduardistas e lourencistas", como escreve o Novo Jornal.

"A grande tarefa que se vai colocar a todos é como levar o nosso partido desde o ponto em que se encontra até ao lugar onde pretendemos que esteja no futuro", ou seja, a manutenção no poder. "Para trás ficam anos de luta, de resiliência, de firmeza, de camaradagem e de solidariedade para que o MPLA se afirmasse como um grande partido vencedor servindo os interesses superiores do povo angolano", insistiu Eduardo dos Santos.

Na leitura do ex-chefe de Estado, o partido “conquistou e confirmou a independência nacional, manteve a integridade do território, de Cabinda ao Cunene, assegurou a conquista da paz, da reconciliação nacional e da democracia e empenhou-se, entre outras frentes, na luta pela justiça social e pela modernização do país, em todas as vertentes de luta que visam aperfeiçoar a sociedade e garantir ao cidadão os seus plenos direitos”.

O Jornal de Angola (que é um órgão governamental) diz que neste congresso extraordinário “os discursos e mensagens cruzados vão reflectir o percurso de José Eduardo dos Santos à frente do partido" mas que "o seu legado pode pode levar tempo a ser avaliado”.

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