Proposta da Caixa aos trabalhadores é “desastrada, descuidada e inoportuna”

Paulo Marcos, presidente do maior sindicato bancário do país, defende que “é chocante receber em 2018 uma fundamentação económica de 2015” sobre a proposta de Acordo de Empresa da administração de Paulo Macedo.

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Fabio Augusto

Segunda parte da entrevista a Paulo Marcos: "Fechar um balcão da Caixa é reduzir o acesso das PME ao crédito"

O Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (SNQTB), liderado por Paulo Marcos, tem pouca representação na Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas vai sentar-se à mesa das negociações sobre o Acordo de Empresa (AE) do banco público, denunciado pela administração, com a experiência de ter fechado o AE em vários bancos privados já depois do pior da crise ter passado. 

Porque não fizeram greve no dia 24 de Agosto?
Porque os nossos sócios acharam, em plenário, embora concordando connosco quanto ao tempo inoportuno da denúncia, e ao modo, que devemos negociar primeiro. Achamos que a greve é a solução de último recurso.

O STEC (Sindicato de Trabalhadores das Empresas da Caixa) acha que a greve dá uma posição de força para ir à negociação mais forte?
O nosso ADN é de negociar e procurar chegar a um encontro a meio do caminho, se for o caso. A nossa força deriva da capacidade técnica de preparar os dossiês, o que é muito importante. Vale a pena dizer que a CGD fez uma denúncia e mandou-nos uma fundamentação cujos últimos dados são de 2015. Era difícil ser mais incompetente. Mandaram uma denúncia com uma fundamentação económica reportando a 2015, quando os non perfoming loans (crédito malparado ou com problemas) estavam a subir, mas podiam ter posto a fundamentação com base nos dados do mês passado, quando estão a cair.

E o que distingue a vossa contraproposta?
A Caixa procurou com este Acordo de Empresa (AE) igualar os seus trabalhadores ao Código de Trabalho, é uma posição de princípio. Mas não deixa de ser sintomático. A posição da administração da Caixa é “não somos funcionários públicos, somos bancários”. E é esse o sentido da proposta. Mas o que nos mandam vai muito para além disso. “Nós não somos funcionários públicos, não somos bancários, somos trabalhadores de uma qualquer empresa privada de um sector indiferenciado”. É uma concepção completamente errada. Se para que os trabalhadores da Caixa não tivessem progressões e aumentos vigorou o entendimento de que eram funcionários públicos, agora para a retirada de um conjunto de um acervo contratual, cláusulas com mais 80 anos, agora resolveram que eram bancários

O fim das progressões por antiguidade é uma dessas cláusulas?
A administração da Caixa quer eliminar as progressões por antiguidade. Nós achamos que devem ser mantidas para os actuais trabalhadores. Não faz sentido que, num banco com regras estáveis há 40, 50, 80 anos, com implicações nas carreiras, nas opções das pessoas, de repente as regras sejam alteradas, alterem-se as expectativas sobre as quais as pessoas fundaram as carreiras.

Mas admite que para as novas contratações já não existam progressões automáticas por antiguidade?
A meritocracia e o esforço individual são pilares das nossas crenças. Mas também convém ter em conta que o processo de progressão por mérito tem algum elemento de subjectividade e as organizações mais maduras temperam isso com o factor antiguidade.

No actual AE  de 2016, só com avaliações positivas se pode activar a progressão por antiguidade. 
A nossa contraproposta é manter para os trabalhadores actuais as promoções por antiguidade nos moldes que estão no acordo de 2016, já no pós-troika. Algo que a administração da Caixa quer eliminar. Por outro lado, existem as promoções por mérito. Isso para nós é um pilar. A administração quer acabar e nós propomos uma cláusula semelhante ao que negociámos com a Associação Portuguesa de Bancos (APB), mas com dois escalões, um até ao nível 9 e outro em diante, mais exigente.

Essa divisão nos escalões das promoções por mérito é exclusiva para a Caixa? 
A Caixa cometeu um erro base: enquanto a outra metade do sector bancário fez a denúncia do Acordo Colectivo (AC) em 2012, numa altura em que a lei o permitia e as condições de exploração estavam a degradar-se acentuadamente, a Caixa faz a denúncia quando as condições de exploração estão a recuperar. O ACT como foi assinado em 2016 para nós representa o ponto mínimo, a maré mais baixa, de uma concepção das relações de trabalho. E a partir daí vê-se que o AE do Montepio já é de Dezembro de 2016, o do BCP de 2016, o mais recente é o do Banco de Portugal, vê-se que a maré voltou a encher. Entendemos este pretexto que a Caixa nos dá como uma oportunidade de usar a Caixa como farol do sector e voltar a introduzir elementos que premeiam o esforço, a dedicação, a aquisição de competências e que devem ser valorizados. Querer usar o ponto mais baixo, para nós é irrepetível.

Faz sentido para si, que negoceia sobretudo com a banca privada, o objectivo assumido pela Caixa de aproximar o AE do resto do sector, até pelos compromissos assumidos com Bruxelas? 
Em termos teóricos não faz sentido nenhum. Conceptualmente para nós a Caixa era um instrumento de coesão nacional. O nosso modelo de um banco como a Caixa é um banco que estando presente nos municípios do interior, uma parte substancial das poupanças que capta nesses municípios aplica em investimentos e oportunidades nessas zonas periféricas. O que não faz sentido é replicar o modelo de um banco comercial, aplicando as poupanças dessas zonas em dívida de grandes empresas internacionais.

Mas a gestão da Caixa cita essa aproximação aos privados como argumento para denunciar o AE. 
Mas o pecado original não é da administração da Caixa, que acabou de chegar. A administração tem uma carta de missão, compromissos negociados com Bruxelas cujos contornos são opacos porque não são públicos, laboriosamente negociado longe do escrutínio público que na prática aproxima a Caixa de um banco privado, exige-lhe uma presença geográfica muito mais reduzida, redução de balcões, de capacidade, de pessoas, porque lhe exige rácios de eficiência típicos de quem quer estar cotado em bolsa.

Um dos argumentos da Caixa é que o novo AE mais ágil permitirá atrair mais talentos e mais jovens? 
Uma das figuras clássicas da integração de jovens na banca é a de um estágio. A Caixa elimina-a. Para nós faz sentido que continue a haver estágios. Se a vontade é atrair quadros parece-me estranho que a Caixa elimine essa possibilidade.

Mas com o actual AE, a Caixa atrai mais facilmente jovens? 
As empresas portuguesas conseguem ser atractivas para um jovem recém-licenciado, bi ou trilingue, altamente qualificado? Essa é a questão chave. Mas não me parece que a Caixa tenha problemas de atractividade relativa em Portugal.

Porque é que acha que a gestão da Caixa quer acabar com as anuidades 
Parece-me que é uma tentativa de chatear. Na banca, quando alguém muda de banco, leva know how proprietário e conhecimento de cliente. Por isso, existe um mecanismo para compensar a fidelidade das pessoas à instituição, uma vez que as empresas bancárias investem no desenvolvimento profissional dos trabalhadores. Do ponto de vista material, isto não tem expressão nenhuma para a Caixa. Para os trabalhadores, materialmente tem alguma importância. Por que raio quer a Caixa acabar com isto?

O fim da contratualização da saúde também é exemplo do que descreve 
Isso é algo mais bizarro. O estatuto de trabalhador da CGD prevê a existência de serviços sociais. Na proposta de contrato colectivo a natureza dos serviços sociais não está explícita, há vagas referências, mas carece de regulamentação. Na prática, o ACT e o AE são sítios onde se detalhava e regulamentava estes princípios gerais. Para nosso espanto, para quem se quer aproximar do sector, a proposta que nós recebemos não faz qualquer menção à assistência médico social, que é um dos pilares da carreira bancária. Nenhum banco até hoje tinha tido o atrevimento de retirar a menção da assistência médico social de um ACT. Isso para nós é profundamente bizarro e lutaremos até ao fim.

O argumento da administração é que os serviços sociais estão na lei orgânica. 
As leis orgânicas mudam-se por decisão ministerial. Os instrumentos de contratação colectiva de trabalho são matérias entre duas partes. Os trabalhadores estão muito mais salvaguardados se puderem ser partes desse contrato.

Para si, o SAMS (Serviços de Assistência Médico Social) tem de estar no AE, mas os serviços sociais não? 
O que tem de estar no AE é o que estava, que é a contratualização da assistência na saúde. E além disso tem de haver um direito de opção, que hoje não existe, entre um sistema privativo da Caixa e um sistema que não seja privativo, que os restantes bancários usufruem [SAMS]. Esta transição que a administração procura fazer entre 'funcionários públicos não, bancários sim', deve envolver a liberdade de escolha. A médio prazo, um sistema privativo, numa população com tendência ao envelhecimento, é a receita de desastre. Numa altura em que a Caixa está comprimida e com menos capacidade de ser generosa para serviços privativos e eventualmente ineficientes, faria todo o sentido que os trabalhadores tivessem liberdade de escolha.

É difícil justificar aos seus associados dos outros bancos a existência deste sistema privativo? 
Se os trabalhadores da Caixa conseguiram ter alguns benefícios, isso para nós serve como estímulo para procurar o nível geral. O que a administração da Caixa quer é retirar esses acréscimos de benefícios e pô-los muito abaixo do sector. Nós achamos que os trabalhadores da Caixa não devem ter menos direitos que os seus congéneres da banca

Não devem ter menos, mas podem ter mais direitos? 
Se nós dizemos que a Caixa deve ser um instrumento de coesão nacional e isso pode implicar balcões e trabalhadores em zonas especialmente vocacionadas para servir franjas populacionais menos letradas, há uma noção de missão que tem de ser recompensada.

Sobre esse tema, a gestão propõe mudar trabalhadores entre distritos contíguos. 
Nós achamos que o que deve estar é concelho e concelho contíguo. A partir daqui tem de ser objecto de negociação e compensação. Pode um dia ser tentador forçar a mobilidade geográfica como condição sine qua non. Não faz sentido que a Caixa seja tentada a fazer iniciativas deste género.

Quais são as vossas linhas vermelhas na negociação? 
Uma delas é a terminação da antiguidade. A Caixa não prevê contar a antiguidade que tenha vindo de outra instituição de crédito. Achamos que é uma aberração, porque todas as restantes instituições têm um mecanismo de reconhecimento mútuo de antiguidade, que é uma das formas de facilitar a mobilidade sectorial e para nós a mobilidade é um valor de valorização. A proposta da administração também não reconhece a antiguidade entre as empresas do grupo. Outra linha vermelha é a cláusula de garantia de funções, a Caixa quer garantir a actividade para qual os trabalhadores foram contratados e nós achamos que deve ser mais lato, não a actividade mas a categoria profissional. Imagine que alguém foi contratado para funções de caixa, fez a evolução e chegou a gerente. Não faz sentido é que fechando aquele balcão, a pessoa tenha de voltar a caixa, júnior ou a paquete ou a estagiário. Também queremos manter o prémio de antiguidade para os actuais trabalhadores e para as novas admissões fazer como o ACT, isto é, um prémio de final de carreira.

O que aceita da administração? 
Aceitamos que haja maior ênfase na meritocracia e nas promoções por mérito e isso possa ser a pedra nas novas carreiras e nos novos bancários.

Parece-lhe que isto é uma privatização das relações laborais? 
É uma pergunta que tem de fazer ao dr. Paulo Moita de Macedo. Parece-me que é no mínimo desastrada, descuidada e inoportuna a forma e o conteúdo do que foi feita. É no tempo errado com uma argumentação de uma fragilidade económica chocante. E que não honra a Caixa nem a memória de quem a dirigiu até agora. No mínimo é chocante receber em 2018 uma fundamentação económica de 2015.

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