"Fechar um balcão da Caixa é reduzir o acesso das PME ao crédito"

Numa altura em que se negoceiam aumentos salariais no banco público, Paulo Marcos critica o "descaramento" da administração da Caixa de propor 0,35%. E contrapõe com aumentos de 3,96%.

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PAULO PIMENTA

Primeira parte da entrevista a Paulo Marcos: Proposta da Caixa aos trabalhadores é “desastrada”

No início do ano fez um pedido de concertação entre sindicatos no tema dos aumentos salariais. Esse pedido não deu frutos. Porquê?
Quando há duas partes em confronto há todo o interesse em que as partes falem unificadas. Quando chegámos percebemos que ao contrário dos bancos que falavam a uma só voz na Associação Portuguesa de Bancos (APB), as diversas federações sindicais apareciam desgarradas, desligadas. E portanto escrevi aos meus homólogos. Fazia sentido trabalharmos em conjunto para maximizarmos o bem-estar dos trabalhadores. Inclusive antecipando um futuro problema na Caixa, escrevi aos meus colegas do STEC propondo uma mesa negocial única. Tenho esperança que havendo uma renovação geracional de dirigentes nas estruturas sindicais venham pessoas com menos histórico e pessoas com capacidade de fazer as pontes.

Chegam à mesa de negociação com a proposta mais alta… é para baixar ou está escrito em pedra? 
Não está escrito em pedra, mas diria que fazendo as contas, correspondendo ao repto da administração da Caixa que acha que os funcionários são bancários, é 3,96%. A discussão deve ser centrada aqui e não tanto nas anuidades. E não tanto na reposição, porque os trabalhadores perderam cerca de 12% do poder de compra nos últimos nove anos.

Um dos argumentos da administração é que tudo o que está no AE actual vale 1% na tabela salarial, logo à partida. 
Parece-me que esses números carecem de confirmação. Eu diria que em 2011 os trabalhadores da Caixa não foram actualizados, 2016 não foram actualizados, em 2017 também não. Na fundamentação económica que a Caixa nos enviou, apesar de a generalidade dos dados reportarem a 2010 e 2015, há um que vale a pena ressalvar, que é onde diz que a inflação de 2017 foi de 1,6%. Não consigo perceber o descaramento da administração da Caixa de propor 0,35%, quando muito recentemente a administração viu os seus vencimentos impulsionados para equivalente ao que são os salários dos administradores bancários. Temos aqui dois pesos e duas medidas

Em relação aos prémios anunciados para Setembro, a iniciativa foi recebida com alguma indiferença pelos sindicatos. Como explica isso? 
Se os prémios forem um reconhecimento de trabalho, nada a opor. Mas a atribuição de prémios não deve escamotear o facto de a administração da Caixa ter visto as condições remuneratórias progredirem de forma significativa e estarem a propor aos trabalhadores uma continuação da perda do poder de compra. 

Como acha que a população em geral olha para estas negociações na Caixa, onde há condições que não se verificam na generalidade dos sectores? 
Hoje é mais proveitoso, mais rentável trabalhar no turismo, nas actividades imobiliárias ou noutros sectores, do que na banca. Remunera mais, com menos exigências, não tem a supervisão, a responsabilidade cível e criminal associada. Porque quando um cliente comprou um produto que não era adequado para o seu perfil, litiga contra o banco e contra o trabalhador. E muitas vezes o trabalhador bancário vendeu o produto que achou que era tão bom que comprou para si, com base em informação imperfeita. O regulador não regulou, o auditor não viu, o revisor também não. Poucas profissões têm o nível e a exigência formativa, a obrigatoriedade de conhecer os clientes, a reserva e o sigilo bancário que são valores quase absolutos em Portugal, e ainda correm o risco de enfrentarem litigância cível e criminal. Para este nível de exigências e complexidade, basta olhar para a demissão em massa dos jovens qualificados que não querem trabalhar num sector cujos níveis de remuneração, de pressão, estão desajustados de outros sectores, portanto a resposta é não.

Como vai a Caixa eliminar mais 1000 postos de trabalho em dois anos? 
Eu não vejo nenhuma razão, nem nenhuma necessidade para que essa evolução não seja feita em paz social. Admito que todos os anos na Caixa cheguem à idade de reforma 250, 270 pessoas. Em dois anos, 500 pessoas. Depois é ter capacidade negocial para ter algumas reformas antecipadas e depois ter um pacote de rescisões voluntários, sem coacção para quem quer ter outras oportunidades.

Tem conhecimento de casos de coacção para acelerar saídas de pessoas? 
Desde que a lei foi criminalizada, o SNQTB foi provavelmente a entidade na sociedade civil que mais pugnou pela criminalização, que fez propostas legislativas. Desde que está criminalizado, as coisas estão bastante melhor.

Onde tem sentido, no país, que o fecho de balcões da Caixa está a criar mais problemas? 
O país tem um litoral até 30 quilómetros (kms) e depois outro país para o interior. E nesse outro país o encerramento de um balcão da Caixa não quer dizer só quatro ou cinco postos de trabalho, o que seria mau. Quer dizer que se reduziram de forma significativa as oportunidades de os agentes económicos com iniciativa terem acesso a crédito. Porque as pequenas empresas [PME] são caracterizadas pela informalidade, é muito difícil reconstruir em tempo útil relações de confiança que possibilitem que o fluxo normal de financiamento a essas empresas não seja interrompido.

As suas remunerações foram públicas há pouco tempo. O facto de as pessoas envolvidas nesta negociação saberem quanto ganha, fragiliza-o de alguma maneira? 
Absolutamente não.

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