Com a morte de McCain, quem no Congresso vai vigiar e contrariar Donald Trump?

Por morte e por reforma, os poderosos comités de defesa nacional e relações externas mudam de líderes - entram dois homens fiéis ao Presidente. “As coisa vão mudar, não há dúvida”, disse o antigo secretário da Defesa, Chuck Hagel.

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John McCain com o secretário da Defesa, James Mattis EPA

A morte do senador John McCain anuncia uma mudança radical na forma como o Congresso pode enfrentar a Administração Trump em matéria de segurança nacional, uma vez que as duas principais vozes críticas passam os poderosos comités a que presidiam a dois grandes apoiantes de Donald Trump.

McCain (republicano do Arizona), usou a liderança do Comité das Forças Armadas do Senado para questionar o Presidente em questões como a Rússia, a tortura e a imigração. E o presidente do Comité de Relações Internacionais, o senador James M. Inhofe (republicano Oklahoma), que tem sido um coro grego constituído por um só homem a proferir epítetos depreciativos sobre a caótica política externa de Trump, vai passar o lugar a  James E. Risch (republicano, Idaho) no início do ano.

A saída destes dois homens é significativa, uma vez que ambos criticaram a política externa da Casa Branca que consideraram danosa — anuncia-se uma mudança radical na forma como o Congresso usa a sua autoridade de supervisão para verificar a agenda internacional do Presidente, dizem actuais e antigos congressistas, lobistas e analistas políticos. Uma mudança da guarda que acarreta um potencial de consequências na forma como o Presidente é responsabilizado durante as crises.

“Corker e McCain, pela forma como conduziram as respectivas comissões, foram excepções à regra... Ambos fizeram um excelente trabalho na forma como, quando foi preciso, esquadrinharam e questionaram um Presidente do seu próprio partido”, disse o antigo secretário da Defesa, Chuck Hagel. “As coisa vão mudar, não há dúvida”.

McCain e Corker foram elogiados pela tenacidade que trouxeram à fiscalização quer de administrações democrata e republicana. Enquanto antigo candidato presidencial, herói da Guerra do Vietname e um dos mais prestigiados estadistas,  McCain era um dos poucos legisladores que conseguia ter mais autoridade sobre assuntos de segurança nacional do que os próprios comandantes-em-chefe — e que usou para desafiar presidentes a desmenti-lo. 

Desde que Trump tomou posse, isso aconteceu com frequência no tema da Rússia.
McCain e Corker foram tão incisivos nas críticas sobre as acções de Trump em relação ao Presidente russo Vladimir Putin, como foram cruciais para que o Congresso aprovasse sanções que desafiaram a decisão de Trump de atenuar as medidas contra Moscovo sem a aprovação dos legisladores.

Os dois também lideraram os esforços legislativos para reafirmar o compromisso dos Estados Unidos com a NATO, depois de o Presidente ter feito declarações que minaram a relação.

“Nenhum presidente do passado se rebaixou de forma tão abjecta perante um tirano”, disse McCain sobre a cimeira de Junho entre Trump e Putin, em Helsínquia, em que o Presidente dos EUA sugeriu que aceitava a afirmação de Putin de que não interferiu nas eleições presidenciais de 2016, apesar de os serviços secretos americanos terem concluído o contrário.

“A cimeira de Helsínquia foi um dia triste para este país, e todos sabem disso”, disse Corker, que considerou a actuação de Trump “deplorável”.

Comentários que mereceram o desdém do Presidente e dos seus aliados, mas que foram aplaudidas pelo establishment da política externa — e da anterior Administração.
“Não gosto da ideia de termos um Senado sem Bob Corker e John McCain . . . às vezes entrei em choque com eles, mas não tenho dúvidas de que eram pessoas sérias”, disse o antigo secretário de Estado, John F. Kerry.

McCain e Corker apertaram com Kerry durante a Administração Obama, incluindo sobre o acordo com o Irão para trocar as sanções económicas pelo fim do programa nuclear. Ambos se opuseram ao acordo, mas Corker, que liderou os esforços no Congresso para garantir que este órgão revia o pacto, acabaria por pedir a Trump para não abandonar o acordo. 
“Precisamos de jovens que sejam como eles, em ambos os partidos, para que se crie massa crítica, de outra forma não haverá incentivo e serão os piores a tomar as decisões”, disse Kerry.

Colegas receiam que o Senado perca acutilância quando Inhofe e Risch chegarem; receiam que se torne mais submisso à Casa Branca.

“Ao longo dos anos transferimos demasiada autoridade para o executivo e estou preocupado que uma nova liderança, que seja próxima do Presidente, não olhe para o poder executivo da forma céptica que é necessária”, disse o senador republicano do Arizona. Jeff Flake, que também tem criticado a política externa de Trump e que também está de saída. “Penso que vão ser menos independentes”.

A morte de McCain ocorre num momento crítico em que a Administração Trump aplica controversas taxas tanto a países concorrentes como aliados e tenta, atribuladamente, dar início a um acordo histórico de desnuclearização com a Coreia do Norte — que durante décadas frustrou outras administrações.

Democratas e republicanos manifestaram-se contra as taxas e expressaram cepticismo quanto ao sucesso das conversações entre Trump e o líder norte-coreano, Kim Jong-un. Pediram a Trump e à sua equipa para traçarem uma estratégia clara que responsabilize o Governo de Pyongyang — não apenas pelo seu arsenal nuclear mas também pela agressão e ameaças no ciberespaço, pelas armas biológicas e químicas e pela violação dos direitos humanos do seu próprio povo. 

Inhofe e Risch repreenderam as pessoas que questionaram a capacidade do Presidente em orquestrar o acordo histórico sobre a desnuclearização — mesmo quando uma dessas pessoas foi o director dos Serviços Secretos deste Presidente, Daniel Coats.

Risch repreendeu os legisladores que disseram que se corria o risco de Trump, para conseguir o acordo, pôr de lado a questão dos direitos humanos. “Somos todos a favor dos direitos humanos. Mas se quisermos fazer tudo ao mesmo tempo, corremos o risco de fracassar”, disse Risch na sub-comissão de Relações Internacionais num audiência sobre a Coreia do Norte em Junho. “Com o Presidente Trump temos uma situação diferente da do passado. Kim Jung-un sabe que está a negociar com uma pessoa que tem uma personalidade forte e que não vai tolerar o tipo de coisas que aconteciam no passado”, disse.

Risch, que preside ao sub-comité das Relações Internacionais para o sudoeste da Ásia, Ásia Central e contraterrorismo — o que lhe dá jurisdição sobre o Afeganistão e Paquistão — não reuniu o sub-comité uma única vez desde a tomada de posse de Trump.

Inhofe é mais activo. Já está aos comandos do Comité das Forças Armadas desde que McCain se retirou para o Arizona, em Dezembro, e trabalhou todo o Verão com a equipa de John McCain para desenhar uma proposta sobre as prioridades de defesa com um orçamento recorde de 176 mil milhões de dólares — apesar de a lei ter o nome de McCain, Trump não o mencionou quando a assinou. Alguns dizem que Inhofe vai ser muito pressionado para dar continuidade ao trabalho de McCain. 

Durante anos, McCain travou uma batalha com o Departamento de Defesa para reduzir os gastos que considerava excessivos com programas caros, como o caça F-35 e o porta-aviões de classe Ford. Os lobistas consideram que Inhofe é mais complacente na contratação da indústria do que McCain era.

Mas McCain era favorável ao aumento da despesa militar, tendo criticado Trump também neste aspecto. “O que ele fez foi notável: o Presidente do seu próprio partido apresentou um orçamento, e ele apresentou um orçamento e uma estratégia alternativos dizendo ‘O meu partido está a sub-financiar o Departamento de Defesa’”, disse Mackenzie Eaglen, especialista do American Enterprise Institute. “McCain foi mais longe do que o próprio secretário da Defesa [James Mattis] e ganhou. Nunca tinha visto uma coisa assim”.

Pela segunda vez num ano uma lei apoiada por McCain forçou Trump a assinar uma decisão de política externa ou de defesa com a qual não tinha concordado — a primeira foi a legislação que deu ao Congresso poder para bloquear movimentações conciliatórias de Trump em relação à Rússia.

Desde que o cancro no cérebro foi diagnosticado a McCain, o seu confronto com Trump foi quase reduzido a comunicados oficiais e ao Twitter. Na questão da tortura, desafiou os legisladores a chumbarem a pessoas escolhida por Trump para directora da CIA, Gina Haspel, que esteve envolvida no programa de interrogatórios da agência. No tema Rússia, repreendeu Trump por atacar o procurador especial Robert S. Mueller e a sua investigação à suspeita de interferência nas eleições.  E em resposta às declarações de Trump que abalaram velhas alianças, passou por cima do Presidente e dirigiu-se directamente aos países em nome do povo americano. 

“O povo americano está do vosso lado, mesmo que o Presidente não esteja”, escreveu no Twitter depois de Trump ter rejeitado o acordo com o G7.

McCain não foi o único entre os republicanos a criticar Trump. Jeff Flake Rand Paul também se opuseram a Haspel, outros condenaram a prestação de Trump em Helsínquia, os seus ataques a Mueller ou a forma como trata os aliados.

Mas os congressistas perguntam abertamente se, na era Trump, haverá alguém no Congresso que possa preencher os vazios que McCain e Corker vão deixar.

O senador democrata Christopher A. Coons dá o nome de cinco republicanos que se podem chegar à frente: Marco Rubio, Todd C. Young, Cory Gardner, Ben Sasse e Thom Tillis.

“Todos eles mostraram alguma independência e tiveram algumas iniciativas. Ninguém se transforma rapidamente num John McCain, mas há uma abertura”. 
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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