Caso Robles fragiliza e divide Bloco de Esquerda

Bloquistas votaram em maioria pela permanência de Robles incluindo Luís Fazenda, que ontem mudou de opinião e pediu ao partido uma "reflexão" sobre o caso. Socialistas e comunistas ficaram (quase) em silêncio.

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LUSA/MÁRIO CRUZ

O caso Ricardo Robles acertou em cheio no BE, expondo as dores de crescimento de um partido que se aproximou do poder e pondo a nu algumas divisões internas que andavam diluídas na acção do dia-a-dia, acreditam políticos e politólogos contactados pelo PÚBLICO. A demissão do vereador da Câmara de Lisboa foi conhecida ontem, horas depois de o dirigente do partido Luís Fazenda ter exortado o BE a fazer uma "reflexão" sobre o caso. No partido, nega-se que haja uma ligação entre os dois momentos, até porque a informação é que Robles se demitiu no domingo, antes das declarações de Fazenda, dirigente que só dois dias depois da polémica se demarcou da posição da cúpula do partido, de que faz parte. 

Por estes dias o BE é um partido em ebulição, por dentro e para fora. Mas tudo terá começado por dentro. Na sexta-feira, a comissão política do BE esteve reunida com o único propósito de discutir o caso em que se viu envolvido o vereador de Lisboa e a decisão de apoiar a permanência no cargo foi votada por maioria, com dois votos contra. Luís Fazenda votou a favor. De todos os 17 membros presentes, mais Pedro Filipe Soares por videoconferência e dois convidados, entre eles Ricardo Robles, só os dois membros da "moção R", os opositores a Catarina Martins na última convenção do partido, Carlos Carujo e Samuel Cardoso, votaram contra.

Esta posição de Fazenda, que defendeu em declarações ao jornal i que o partido teria de "tirar conclusões" sobre o assunto, uma posição contrária ao que tinha defendido na sexta-feira, provocou mal-estar. Mas ninguém o assume, deixando as feridas no seio do partido, até porque expressá-las seria criticar a posição do dirigente da facção da UDP que foi fundador do partido.

Certo é que a decisão de Robles de se demitir, por considerar que a sua opção familiar se "revelou um problema político real" e "criou um enorme constrangimento" à sua "intervenção como vereador", acontece em contra-pé com o que vinham a ser as posições do BE. Logo a seguir à reunião de sexta-feira à noite, a comissão política divulgou o comunicado que foi votado e no qual a direcção defendia Robles, considerando que a "conduta do vereador em nada diminui a sua legitimidade na defesa das políticas públicas que tem proposto e continuará a propor". Nesse mesmo dia, à meia-noite, um curto texto enviado à comunicação social, respaldava a actuação de Ricardo Robles. 

No dia seguinte, sábado, Catarina Martins fazia eco do que tinha sido a posição da comissão política, defendendo o vereador, dizendo que este não tinha feito "nada de errado". Posição que assumiu depois de terem surgido novos dados na imprensa nesse dia, como a notícia do PÚBLICO que dava conta de que o prédio de Robles se destinava ao alojamento local. Entre estas declarações e o comunicado de ontem de manhã, com o anúncio da renúncia, nada de novo aconteceu em público - excepto as declarações de Fazenda, o que dá força ao argumento de que terá sido esta pressão interna a precipitar a decisão de Robles.

O politólogo António Costa Pinto nota "o sinal que foi dado pela UDP", leia-se por Fazenda, neste caso. "Isto é uma acha nas naturais contradições internas, de um partido que era de protesto" e que, de algum modo "está a fazer o caminho" para o poder. O especialista acredita que este pode ser um caso fugaz, que desaparece depressa do espectro mediático, e que a demissão ajuda a que isso aconteça. Mas outras consequências podem ainda estar para vir. Com este caso, Costa Pinto admite que os eleitores possam vislumbrar uma aproximação do BE ao modo de actuação de partidos mainstream, como o PS e o PSD, e que isso pode ter efeitos na escolha futura daquele eleitorado, que pode votar BE ou PS. 

Esta é das principais polémicas a atingir o BE num território onde não navega com facilidade, as câmaras - já houve o caso José Sá Fernandes, que era um independente apoiado pelo partido; e o de Ana Cristina Ribeiro, presidente da Câmara de Salvaterra de Magos, que foi acusada de favorecimento pessoal num concurso, processo que viria a ser arquivado.

Perante este novo caso, as consequências dependem, acredita André Freire, do "modo como o BE vai gerir isto". "A demissão é uma maneira de cortar o assunto ou, pelo menos, de o reduzir à dimensão de um quadro do BE que foi contra a filosofia do partido", fazendo assim a separação das águas entre a actuação de um membro com o todo que é o partido. Este assunto, diz, "não é propriamente de espuma dos dias. É grave".

Apesar de não prever uma consequência eleitoral, para futuro, o problema, diz Costa Pinto, é de "discurso" para o BE, que tem de arranjar maneira de se diferenciar dos socialistas, sobretudo nestas matérias da habitação, e, ao mesmo tempo, de escapar às farpas do PCP. Nota o politólogo que PS e PCP devem "estar a rir-se discretamente".

A avaliar pelas reacções em público dos dois partido, terá razão. No PS, o silêncio foi ontem a palavra de ordem e, apesar de esta questão colocar o BE com alguma dificuldade, não se acredita que beneficie o PS e o Governo nas negociações com os bloquistas sobre o Orçamento.

Já o PCP não escondeu que se considera um partido diferente de todos os outros, em especial do BE. Em Belém, instado a comentar o caso, Jerónimo de Sousa não se conteve em deixar uma indirecta aos bloquistas, dizendo ter "tranquilidade imensa", porque continua a fazer política como aprendeu: "Procurar resgatar o que de mais nobre tem a política, que é servir os interesses dos trabalhadores e do povo, e não me servir a mim próprio”.

Nesta guerra de indirectas entre os dois partidos mais à esquerda, também não caiu bem ao Bloco um post no Facebook do deputado António Filipe, a reivindicar a autoria das alterações à lei sobre o direito de preferência de inquilinos na compra da habitação em que vivem, aprovada na Assembleia da República e a que faltará apenas a promulgação pelo Presidente da República, quando chegar a Belém. Catarina Martins referiu-se no sábado a esta lei, dando a entender que o timing das notícias sobre Ricardo Robles teria a ver com esta iniciativa do partido. António Filipe escreveu que o texto final do diploma foi da autoria do PCP e o BE veio lembrar que a iniciativa foi deste partido e que a proposta dos comunistas foi, aliás, mais favorável aos proprietários do que a inicialmente proposta pelos bloquistas.

Os próximos dias ditarão o que serão as consequências na imagem do partido, mas dentro do próprio BE poucos já têm dúvidas que este foi um marco que fragilizou o discurso do partido, que precisará agora de fazer um esforço redobrado para ser o que foi até aqui.

Rio aplaude decisão de Robles

Quem não teve problema em comentar, e aplaudir, a demissão de Robles foi o líder do PSD. "Tive oportunidade de ler a argumentação dele, acho que ele esteve bem, teve uma atitude correcta, sensata, uma boa argumentação", disse Rui Rio aos jornalistas, em Cantanhede, à margem de uma visita à feira Expofacic.

"Uma atitude tanto mais difícil de tomar quanto é contra aquilo que era a vontade da própria direção do seu partido, que achava que não havia aqui nada de grave e que ele devia continuar", argumentou o líder do PSD. Rui Rio considerou também que Ricardo Robles "presta um serviço à democracia", notando que elementos de outros partidos, que não nomeou, "que às vezes têm casos semelhantes ou piores, não tomam esta atitude". "Portanto, não é por ele ser de um partido diferente que vou deixar de relevar a atitude que ele teve", frisou o presidente do PSD.

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