Primeiras eleições pós-Mugabe vão mostrar se acabou a era dos homens fortes

A hegemonia da ZANU-PF está ameaçada por uma oposição que quer aproveitar a maior oportunidade de mudança política na história recente do país.

O candidato da ZANU-PF, Emmerson Mnangagwa, durante um comício em Harare
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O candidato da ZANU-PF, Emmerson Mnangagwa, durante um comício em Harare PHILIMON BULAWAYO/Reuters
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O líder da oposição Nelson Chamisa está confiante de que irá chegar ao poder MIKE HUTCHINGS/Reuters

Mudança. Não houve provavelmente outra palavra mencionada mais vezes do que esta durante a campanha para as eleições desta segunda-feira no Zimbabwe. Não é para menos. Em Novembro, a era de Robert Mugabe, o homem que baptizou e governou o país durante 37 anos, terminou em meia dúzia de dias. Nove meses depois, as primeiras eleições pós-Mugabe vão mostrar finalmente se o país abandonou em definitivo a era dos homens-fortes e da política autoritária.

Com 75 anos, muitos dos quais passados à frente do aparato de segurança do regime montado por Mugabe, o actual Presidente interino, Emmerson Mnangagwa, apresenta-se como o candidato para uma “nova era” no Zimbabwe. “O que se quer agora é um empurrão para termos a mais poderosa vitória na história deste país”, pediu Mnangagwa, conhecido como “crocodilo”, aos seus apoiantes durante o comício que encerrou a campanha no estádio nacional em Harare.

Há alguns meses, a vitória do candidato da União Africana Nacional do Zimbabwe-Frente Patriótica (ZANU-PF) parecia garantida. Mas as sondagens mais recentes mostram que a oposição congregada no Movimento para a Mudança Democrática (MDC), que junta vários partidos, está a ganhar terreno tornando a perspectiva de uma segunda volta muito provável. Um inquérito conduzido pelo Afrobarometer mostra Mnangagwa com 40% dos votos e o candidato do MDC, Nelson Chamisa, com 37%, e ainda cerca de 20% de indecisos.

O aparente progresso nas intenções de voto deu a Chamisa, de 40 anos, uma renovada confiança de que há realmente uma nova era prestes a chegar – mas sem a ZANU no poder. “Estamos mais próximos da vitória e da mudança do que nunca na história do nosso país”, declarou o candidato na recta final da campanha.

Mas entre as hostes do MDC mantém-se o receio de que a elite que governou o Zimbabwe desde a independência não irá abrir mão facilmente do seu poder, como ficou demonstrado pelo afastamento de Mugabe. Perante as fortes suspeitas de que o Presidente estava a posicionar a impopular primeira-dama, Grace Mugabe, numa posição privilegiada para lhe suceder, o Exército em aliança com a cúpula da ZANU operou um “golpe” não violento para garantir que o poder permanecia nas mãos dos veteranos da guerra da libertação.

O último golpe

O próprio Mugabe continua a contestar a forma como foi afastado e, na primeira grande intervenção pública desde que saiu da presidência, aproveitou para lançar um último ataque ao movimento de guerrilha que transformou em partido. Na véspera das eleições mais dramáticas da história recente do país, Mugabe declarou apoio à oposição. “Não posso votar naqueles que me reduziram a esta condição”, justificou o ex-ditador de 94 anos.

Desde que assumiu o poder, Mnangagwa tem prometido mudanças, mais direitos e liberdades. Para as eleições desta segunda-feira (presidenciais, legislativas e locais) foi autorizada a presença de um número recorde de observadores internacionais: mais de 600, incluindo 140 da União Europeia. A campanha decorreu num ambiente pacífico e o MDC conseguiu até fazer campanha em bastiões da ZANU, nas zonas rurais do país, onde antes a entrada lhe era vedada.

O que muitos questionam são as verdadeiras razões para a abertura de Mnangagwa. Os dirigentes da ZANU garantem que se trata de um desejo genuíno de democratizar a antiga colónia britânica, mas os seus críticos dizem que se trata de mudanças cosméticas com o objectivo de cair nas boas graças dos investidores estrangeiros e das instituições internacionais, após décadas de isolamento. Mnangagwa “precisa que as eleições corram bem para garantir legitimidade internacional e um resgate para uma economia em bancarrota”, conclui a revista Foreign Affairs, que apelida as reformas anunciadas pelo Presidente interino de “teatro político”.

Apesar das promessas de eleições livres, há práticas que subsistem. A ZANU continua a usar os recursos públicos a seu favor, com os seus candidatos a dominarem as aparições nos canais estatais e com Mnangagwa a prometer subidas dos salários dos funcionários públicos. Os cadernos eleitorais contêm mais de 250 mil registos irregulares, de acordo com dados da Team Pachedu, um grupo de analistas citado pela Economist, incluindo um eleitor com 141 anos de idade. Por outro lado, a larga diáspora, maioritariamente anti-ZANU, continua sem poder votar, apesar das promessas de Mnangagwa.

O analista do Instituto de Estudos de Segurança, Derek Matyszak, não exclui a hipótese de a ZANU-PF “se tornar no primeiro partido de libertação a sair do poder na região”, mas sublinha que seria “surpreendente”. “O partido ficaria muito mais satisfeito em lidar com os efeitos de uma vitória irregular do que com uma derrota”, diz ao Guardian.

Uma economia de rastos garante que quem quer que venha a ser eleito terá pela frente um desafio colossal. Apenas 6% da população activa tem um emprego formal, fazendo do Zimbabwe uma das economias mais assentes no trabalho não declarado. Uma crise cambial profunda há dez anos obrigou o Governo a abolir a moeda própria, tendo desde então adoptado o dólar – embora a sua circulação seja cada vez mais reduzida.

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