Campanha para “proteger” anonimato de dadores de esperma ou óvulos arranca esta segunda-feira

Associação Portuguesa de Fertilidade exige criação de “regime de excepção” que permita retomar os tratamentos de procriação medicamente assistida com recurso a dadores anónimos que foram interrompidos pelo chumbo do Constitucional.

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Nuno Ferreira Santos

Oitenta e nove dias depois de o Tribunal Constitucional (TC) ter declarado a inconstitucionalidade das normas da lei da Procriação Medicamente Assistida (PMA) que previam o anonimato dos dadores de embriões e gâmetas, a Associação Portuguesa de Fertilidade lançou esta segunda-feira a campanha “Vidas Congeladas”. Objectivo: alertar para as consequências práticas do “chumbo”, que obrigou à suspensão das centenas de tratamentos de PMA em curso e pode determinar o desaproveitamento das doações já efectuadas sob o regime do anonimato.

“No imediato, como consequência desta deliberação, ficam comprometidos os tratamentos de gestação de substituição, bem como as dádivas de embriões e gâmetas por dadores que as pretendessem efectuar em regime de anonimato”, sublinham os promotores da campanha. Esta surge acompanhada de uma petição que reclama da Assembleia da República medidas legislativas urgentes no sentido da definição de uma “regime de excepção” que permita concretizar as dádivas de material genético que foi criopreservado sob anonimato, mantendo a confidencialidade pela lei vigente na altura da dádiva.

A criação deste regime de excepção ou de transição vem sendo defendida pelos especialistas da área desde que, em Abril, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a regra do anonimato dos dadores, por considerar que esta impõe “uma restrição desnecessária aos direitos à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas em consequência de processos de PMA com recurso a dádiva de gâmetas ou embriões, incluindo nas gestações de substituição”.

O acórdão surgiu precisamente na sequência do pedido de fiscalização da constitucionalidade da lei da PMA que fora apresentada por um grupo de deputados do CDS e do PSD, depois de o Parlamento ter aprovado a gestação de substituição (conhecida como “barrigas de aluguer”).

Ao declarar inconstitucional o anonimato dos dadores, o “chumbo” do TC alargou-se nas suas consequências práticas a todas as técnicas de PMA que envolvessem o recurso a material genético doado no pressuposto do anonimato. E, por causa disso, foram suspensos todos os tratamentos em curso que implicassem o recurso a doadores anónimos. “Muitas vidas ficaram em suspenso, muitos gâmetas e embriões não foram utilizados, muitas crianças não estão a ser geradas, muitas dúvidas pairam nas cabeças de especialistas de PMA, de beneficiários, de dadores”, escreve a presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), Carla Rodrigues, numa declaração de apoio à campanha.

Três mil bebés por ano

No documento, a presidente do CNPMA lembra que nascem por ano em Portugal cerca de três mil bebés com recurso a técnicas de procriação medicamente assistida, uma percentagem considerável dos quais “graças à generosidade de mulheres e homens que doam os seus gâmetas para ajudarem outras mulheres e homens a concretizarem os seus projectos de parentalidade”.

Carla Rodrigues pede assim aos deputados que reponham a normalidade que foi interrompida pelo acórdão do TC. E, na petição, os subscritores defendem que o Parlamento deve criar um “período de transição” que permita a utilização das dádivas já efectuadas em regime de anonimato e cujas amostras estão criopreservadas, o que evitará que tenham de ser descongelados e eliminados. A nova lei deve ainda prever um “regime de excepção” capaz de assegurar a confidencialidade das dádivas realizadas anteriormente à data do acórdão, evitando assim “uma incompreensível aplicação retroactiva do regime de não anonimato”.

Por último, a petição defende a criação de um novo quadro legislativo que permita enquadrar a gestação de substituição nos novos requisitos legais.

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