Congresso do Partido Popular entre a opção centrista e a viragem à direita

A luta pela liderança foi marcada por rivalidades pessoais e de clãs. O debate ideológico foi mínimo. É um partido ameaçado e no seu congresso vai eleger um líder e uma linha política.

Soraya Sáenz de Santamaría, Espanha, Partido Popular
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Soraya de Santamaría LUCA PIERGIOVANNI/REUTERS
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Pablo Casado Juan Medina/Reuters

O Partido Popular (PP) inaugura nesta sexta-feira, nos arredores de Madrid, o congresso para eleger o novo líder. Depois das primárias de 5 de Julho, ficaram em cena dois candidatos: Soraya Sáenz de Santamaría, de 47 anos, antiga vice-presidente dos governos de Mariano Rajoy, e Pablo Casado, de 37, vice-secretário de comunicação do PP. A votação realiza-se no sábado ao fim da manhã.

Pará lá da disputa da liderança, estão em jogo a reconstrução e a orientação de um partido que ocupa um lugar central no mapa político espanhol. Isso passa por suster a hemorragia de eleitores e apresentar uma alternativa ao socialista Pedro Sánchez.

Não há um favorito claro. Santamaría venceu a “primeira volta” com 37% dos votos, à frente de Pablo Casado, com 34%, e eliminando todos os outros candidatos, designadamente María Dolores de Cospedal, secretária-geral do PP. Nessa etapa, o combate era entre as duas “generalas” inimigas, mas Casado interpôs-se e acabou por reunir o apoio de todos os vencidos. A decisão cabe agora aos 3082 delegados.

Acontece que os delegados não seguirão necessariamente o sentido do voto nas primárias. Se uma grande parte deles já se terão decidido, muitos querem ter a certeza de apostar no “cavalo vencedor”, escreve o jornalista Iñigo Aduriz.

No PP, o líder “tem a capacidade de repartir os cargos no executivo e de designar os candidatos às eleições municipais e regionais”, já em 2019. Não havendo sondagens entre os delegados, tanto Santamaría como Casado, procuram demonstrar a superioridade dos apoios de que gozam.

Ambos dizer ter seguros 60% dos votos. Os apoios do aparelho e dos “notáveis” repartem-se pelas duas candidaturas. O presidente galego, Alberto Nuñez Feijóo, diz-se neutral mas parece favorável a Casado. Os “aznaristas” estão assumidamente ao lado do mesmo Casado.

Por outro lado, muitos delegados votam consoante interesses regionais. E, por fim, deverão ter em conta a grande pergunta: qual o candidato com melhores condições para suster a hemorragia de eleitores e reocupar o espaço eleitoral perdido para o Cidadãos, de Albert Rivera.

As sondagens continuam a confirmar a lenta erosão do PP, agora em terceiro lugar nas intenções de voto, abaixo do PSOE e do Cidadãos, ou seja, após sete anos de poder, o PP vê ameaçado o seu estatuto de partido de governo.

“Aznarismo” e “marianismo”

Qual é o líder mais apto a renovar o partido e inverter a curva de declínio? Observa a politóloga Sandra León que há líderes mais aptos para ganhar no congresso, outros para mobilizar os militantes e outros ainda para segurar os eleitores. “E o candidato de ouro é aquele que consegue tudo isso e que, depois, é capaz de vencer umas eleições nas urnas.”

Segundo as sondagens, a maioria dos eleitores prefeririam Santamaría. Mas que líder escolherá o aparelho? Entram aqui as questões ideológicas e a estratégia política.

As linhas de clivagem são pouco claras, porque o PP é um partido em que nunca houve debate: de resto, os eleitores de direita tendem a apreciar mais a unidade do que o pluralismo e a divisão. Não houve debate público na campanha, porque os militantes “têm um medo enorme, que se explica pela falta de hábito de debater os seus problemas em público e de que se exibam e se limpem as nódoas [em público]”, explica a jornalista Victoria Prego.

Ao longo das semanas, Santamaría passou a significar a continuidade da era Rajoy. E Casado procurou demarcar-se, apresentando-se como “renovador”. Quanto mais não seja por ser mais jovem. À falta de uma definição mais clara, os dois campos foram anexados às figuras tutelares e rivais de José Maria Aznar e Mariano Rajoy. “O processo participativo do PP, improvisado à pressa, não está a unir, mas a distanciar, os dois espíritos do partido: o aznarismo e o marianismo”, escreve o politólogo Victor Lapuente. Seria um sucedâneo da “tensão entre conservadores e liberais noutras direitas europeias”.

Rajoy afastou-se e é já passado. Aznar diz não se intrometer mas a Fundação FAES, o seu “braço ideológico”, apoia abertamente Casado e incentiva à “refundação do PP”. Santamaría é assim empurrada para assumir uma postura mais centrista e Casado incentivado a fazer uma viragem à direita.

A grande opção

Nos últimos dias subiram de tom os “rancores fraternos” e houve episódios de “guerra suja” que, segundo o El País, “horrorizaram” os militantes. Mas não são o suficiente para pôr em causa a unidade. O problema é outro. Depois do “calvário judicial da corrupção”, da surpresa da perda do poder e da súbita orfandade perante o abandono de Rajoy, os “populares” sabem que têm dentro de um ano o desafio de eleições municipais e regionais — e talvez nacionais — e vêem o Cidadãos disputar o seu espaço eleitoral.

O politólogo Fernando Vallespín não é muito optimista sobre o futuro da direita. “Para todos seria benéfico um centro-direita moderno e com capaciadade para, chegada a ocasião, saber também entender-se com a esquerda. As direitas siamesas [PP e Cidadãos] estão condenadas a devorarem-se entre si. Só pode ficar uma.”

Não está claro que o PP faça uma viragem à direita. A haver, deixará mais espaço a Albert Rivera. Conclui Sandra León: “Está por ver se os delegados do PP preferem a continuidade e as garantias de Santamaría ou se escolhem combater um contexto político incerto e em mutação com a resposta ideológica que Casado lhes oferece.”

É uma opção decisiva na história do PP e da política espanhola.

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