Londres e Bruxelas preparam-se para "hard Brexit" enquanto negoceiam acordo

O novo responsável britânico pelo "Brexit" chegou a Bruxelas com "uma nova energia, vitalidade e vigor" para acertar os termos da saída do Reino Unido. União Europeia divulga recomendações para um cenário de saída de no deal.

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Dominic Raab e Michel Barnier vão negociar pela primeira vez STEPHANIE LECOCQ/EPA

De um lado e do outro do Canal da Mancha, a mesma mensagem. Em Londres e Bruxelas, todos estão interessados, e a trabalhar afincadamente, para que as negociações do “Brexit” resultem num acordo para a saída “ordenada” do Reino Unido da União Europeia, que possa ser aprovado pelos parlamentos de todos os países antes da data limite de 30 de Março de 2019. Mas ao mesmo tempo, todos estão a desenhar planos de contingência e a preparar-se para a eventualidade de não haver consenso entre as partes: um “salto no precipício” que pode ter consequências catastróficas.

A preparação para um cenário de no deal é uma atitude “responsável”, não uma cedência política nem um sinal de desconfiança ou descrença no progresso (e sucesso) das conversações, repetiram esta quinta-feira os dois líderes das equipas negociais do “Brexit”, Dominic Raab, em nome do Governo britânico, e Michel Barnier, que foi mandatado pela Comissão Europeia para representar os interesses dos 27 Estados-membros da UE.

O objectivo continua a ser resolver as diferenças que persistem dos dois lados e assinar um documento jurídico abrangente, disseram ambos, que se desfizeram em cumprimentos e sorrisos antes da sua primeira reunião.

“Estou aqui para intensificar as negociações e assegurar que teremos o melhor acordo possível”, afirmou Dominic Raab, que assumiu a pasta o “Brexit” há apenas uma semana, depois de Downing Street ter finalmente publicado o seu Livro Branco para o relacionamento futuro entre o Reino Unido e a UE.

O documento foi bem recebido pelos parceiros europeus, que há muito reclamavam por uma clarificação da posição de Londres. Mas as ideias da primeira-ministra Theresa May causaram furor em Westminster, provocando uma série de demissões no executivo e duas mini-revoltas no Parlamento — a bancada eurocéptica, que reclama um “hard Brexit”, prevaleceu sobre os pró-europeistas interessados em manter o país no mercado comum.

A turbulência política em Londres não ajuda o desenrolar das negociações em Bruxelas, admitiu uma fonte europeia. “A situação política é muito volátil. Temos de manter a calma e a prudência, e não atirar mais lenha para a fogueira”, dizia um diplomata, sublinhando que a prioridade para os 27 é acertar os termos do acordo de saída que vai reger o “Brexit” e não perder tempo a discutir as propostas do Livro Branco. “O importante para nós são os documentos que têm de estar prontos em Outubro, que são o acordo de saída, o acordo para o período de transição e a declaração política sobre a relação futura”, apontou.

Como de costume, Michel Barnier chamou a atenção para o calendário, cada vez mais curto, e para a persistência de diferenças muito acentuadas em matérias consideradas fundamentais, como a salvaguarda dos termos do acordo de paz que eliminaram a fronteira física entre a Irlanda e Irlanda do Norte.

A visita de Raab a Bruxelas coincidiu com a divulgação, pela Comissão Europeia, da sua comunicação sobre os planos de contingência para o cenário de “hard Brexit”, isto é, de uma saída do Reino Unido sem acordo, e portanto sem o período de transição de 21 meses em que a actual arquitectura do mercado único e união alfandegária se mantém em vigor.

“Os cidadãos, as empresas e as autoridades dos Estados-membros serão afectados de forma diferente. O grau de disfunção vai depender de muitos factores, incluindo a existência ou não de um acordo de saída, e do tipo de relacionamento futuro que for estabelecido entre a UE e o Reino Unido”, diz o documento, que enumera as consequências para os indivíduos e famílias, estudantes, profissionais, investidores e agentes económicos, instituições públicas, agências de regulação e governos no caso de não haver acordo de saída.

O objectivo, explicaram fontes da Comissão, é que estes intervenientes tomem consciência dos riscos, para que possam fazer planos e tomar decisões que permitam minimizar o impacto negativo que o “Brexit” inevitavelmente vai ter na sua actividade. Nesse sentido, Bruxelas já emitiu 68 notificações que explicam qual será a situação decorrente de um no deal. Londres indicou que vai publicar 70 notificações.

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