Um jovial namoro ao fado

Teresinha Landeiro estreia-se em disco depois de um ainda curto percurso nos caminhos do fado. Uma voz promissora e audaz, ainda com um longo caminho a percorrer.

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Andy Dyo

Não nasceu na Lisboa bairrista nem começou pelos concursos ou noites de fado. Mas a voz de Teresinha Landeiro, apesar dos seus verdes anos (tem 22), já surge amiúde em espectáculos de fado, e com notas elogiosas. Em Maio, ela foi a voz mais jovem das que acompanharam Celeste Rodrigues no seu concerto no Tivoli, ao lado de nomes como Helder Moutinho, Jorge Fernando, Katia Guerreiro, Fábia Rebordão ou Duarte. Este ano, surgiu com um disco, a sua estreia. Chamou-lhe Namoro, e este título acaba por se colar, de algum modo, à sua própria história, como ela explica ao Ípsilon, em entrevista.

“Sempre gostei de cantar, mas em português. Tanto que, mesmo miúda, eu cantava as músicas do Festival da Canção, as da Simone de Oliveira, esse tipo de música. Foi por isso que uma amiga da minha mãe, sobrinha de um fadista (António Melo Correia), disse que eu devia cantar fado; e deu-me um disco da Ana Moura e outro da Maria Teresa de Noronha.” Na altura, devido à idade, não ligou ao disco de Maria Teresa de Noronha e fixou-se no de Ana Moura. “Depois as coisas inverteram-se; virei-me para o fado tradicional, mais antigo.” Por causa do disco, e como prenda no dia dos seus 18 anos, a mãe de Teresa resolveu levá-la à casa onde cantava a Ana Moura, o Bacalhau de Molho. Ela recorda: “Foi uma surpresa. Cheguei lá, descobri que ia ouvir a Ana Moura, fiquei histérica. A minha mãe levava na mala um disco para eu pedir um autógrafo. E quando fomos à sala de artistas, eu por brincadeira disse: ‘ah, é que eu canto os seus fados em casa.’ E o Jorge Fernando ouviu e perguntou-me: ‘Cantas os fados em casa?’ ‘Sim’ ‘E queres cantar?’ ‘Quero’. Nunca na vida tinha cantado com músicos. Lá fui eu, arrisquei-me, a minha mãe nervosíssima (‘a miúda é maluca’), e cantei os temas da Ana Moura, nos tons dela. E conheci a Raquel Tavares nessa noite.” Não só. Também lá estavam Fábia Rebordão, José Manuel Barreto, Celeste Rodrigues. “Uma noite cheia.”

Quando saiu, recorda-se de ter dito para a mãe “Esta foi a noite mais feliz da minha vida”. Depois começou a cantar na escola, “por brincadeira”. Um dia, a mãe quis comprar-lhe uma flor para pôr no cabelo enquanto cantava e florista quis saber para que era. Quando percebeu, sugeriu-lhe uma escola de fados que havia em Marvila, a ACOF. “Fui lá, comecei a tirar os tons. Em paralelo, a minha prima direita era artista, na orquestra sinfónica e na Metropolitana, conhecia o Ricardo Parreira, e por causa disso fui ao Braça de Prata e aí conheci o Helder Moutinho e comecei a cantar com ele.” Um passo conduz a outro. Carminho ouviu-a, no Braço de Prata, e sugeriu-lhe que fosse à Mesa de Frades, porque (o guitarrista) Pedro de Castro “havia de gostar” de a ouvir. Ela foi e ficou. Ainda hoje é uma das vozes residentes naquela casa de fados lisboeta. E foi com Pedro de Castro na guitarra portuguesa, André Ramos na viola de fado e Francisco Gaspar no baixo (e o percussionista Ruca Rebordão num dos temas) que gravou o disco.

“Uma volta gigante”

Até chegar aqui, diz, Teresa deu “uma volta gigante”. Sobretudo em aprendizagens. “Eu gostava de música, mas foi o Pedro de Castro que me ensinou a gostar de música, a ouvir outras coisas, música clássica, jazz, estilos até mais eruditos. Da pop de hoje não sou grande conhecedora, não sigo uma banda ou um artista; mas fui ver a Beyoncé e fiquei completamente apaixonada, acho que ela tem um vozeirão. Mas entre os meus favoritos estão Frank Sinatra, Nat King Cole, Ella Fitzgerald ou Pavarotti. E fui ouvindo também instrumentistas, Stephane Grappelli no violino, Art Tatum no piano…”

Surpreende, num disco de estreia, que seis dos onze temas tenham letras da própria autora, a par de versões de fados clássicos (Hermínia, Tereza Tarouca, Maria Amélia Proença) ou marchas populares (influenciada por um disco de Amália só com marchas). “Eu sempre gostei de escrever, comecei aos 12, 13 anos, e nunca imaginei que aquelas letras pudessem ser cantadas sequer. Um dia, quis cantar o fado corrido, não sabia com que quadras, peguei num dos meus poemas e comecei a cantar.” Como tinha muitos na gaveta, Pedro de Castro sugeriu-lhe que os cantasse. E assim chegaram a fados. Quem os ouve, neste disco, há-de notá-la mais adulta nos de maior densidade, como Sonhos meus, Gota abandonada ou Dias sempre iguais, desafiadora em Naquele dia (com quadras de Fernando Pessoa, onde intercalou, ousadamente, uma estrofe de sua autoria), vivaz e jovial em Raminhos de violeta, Amor aos molhos (a precisar de algum amadurecimento) ou nas marchas Lisboa marcha assim (original ainda à procura de interpretação mais certeira) ou Noite de Santo António. Sendo uma voz em transição, como a dos fadistas da sua idade, tem já expressividade suficiente para firmar um lugar no fado, mas tem igualmente espaço para crescer, nomeadamente no campo do fraseado e do estilar (que amiúde já surpreende) e domando alguma estridência juvenil.

O disco começou a ser gravado em 2017, não gostaram, e voltaram a gravar tudo de novo. Namoro, o título, justifica-o assim: “Namoro pelos fados, namoro pela cidade, namoro entre duas pessoas. E acho que o nome é bem apropriado aos temas que aí estão espelhados.” Aos 12, 13 anos, terminou-se-lhe um namoro e achou que a vida tinha acabado ali. “Achei que, escrevendo, a coisa melhorava. E melhorou. Há pessoas que escrevem quando estão tristes, eu só consigo escrever depois de a tristeza passar.”

Nasceu em Azeitão, em 6 de Março de 1996, e vive em Lisboa desde que começou a estudar na Faculdade. Está no primeiro ano de gestão, mas acha que a música é o seu caminho. A mãe já lhe disse que ela tem a sorte de saber fazer uma coisa de que gosta, que é cantar, e aconselhou-a a aplicar-se nisso. A gestão, mesmo assim, já lhe foi proveitosa: “Não sabia nada de economia, zero, e passei a saber. Já não é mau.”

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