Nova multa recorde ao Google: 4340 milhões de euros por abuso no Android

Somando a multa de 2400 milhões aplicada em 2017, Bruxelas pune o gigante tecnológico norte-americano com 6740 milhões de euros num período de 12 meses. Equivale a 4,5 vezes da contribuição portuguesa para o orçamento da União Europeia.

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Margrethe Vestager, nesta quarta-feira, durante uma reunião da Comissão Europeia EPA/STEPHANIE LECOCQ

Um ano depois, a Comissão Europeia volta a multar o Google, desta vez por causa de políticas anticoncorrenciais com o sistema operativo Android, usado nos telemóveis. Serão 4340 milhões de euros, revelou nesta quarta-feira a comissária que tutela a pasta da concorrência, Margrethe Vestager, para quem a decisão não deve surpreender ninguém e muito menos o Google. 

“Não há aqui nenhuma surpresa. Se há uma infracção, se há um comportamento ilegal que nós conseguimos provar, vai haver uma multa”, afirmou a comissária. “Penso, aliás, que esta previsibilidade é positiva e bem-vinda nestes tempos tão imprevisíveis que vivemos”, acrescentou, numa referência mais lata ao ambiente de incerteza resultante das tiradas do Presidente norte-americano, Donald Trump, sobre o comércio com a União Europeia.

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Enric Vives-Rubio / Arquivo

Fonte oficial da empresa dos EUA reagiu à decisão com a promessa de que vai recorrer. “O Android criou mais escolha para todos, não menos. Um ecossistema vibrante, inovação rápida e queda dos preços são sinais clássicos de uma concorrência robusta. Vamos recorrer da decisão da Comissão”, lê-se num comunicado que resume a posição da empresa em duas linhas. 

O montante da multa equivale à contribuição de um país como a Holanda para o orçamento comunitário, sublinha a Bloomberg. Ou quase três vezes mais do que Portugal dá a Bruxelas para o mesmo efeito. É a maior multa de sempre, mas ainda assim significativamente abaixo do máximo permitido pelas regras europeias.

É um valor avultado, mas que está em linha com as orientações europeias para este tipo de decisões, sublinhou a comissária europeia, explicando que para o cálculo do montante contribuem factores como a gravidade e os efeitos da infracção, a sua duração no tempo e os resultados financeiros da empresa em causa. “Puxamos uma alavanca e sai um número”, disse Vestager, com uma breve gargalhada na sala de imprensa. 

Mais sisuda, reforçou a sua mensagem. “É verdade que é muito dinheiro. Mas este é um comportamento ilegal muito sério.” 

A decisão da Comissão Europeia diz respeito a um abuso de posição dominante por parte da empresa norte-americana no que toca ao sistema Android, usado por mais de 80% dos smartphones activos no planeta. Há um ano, Bruxelas tinha sancionado a mesma empresa por práticas monopolísticas com o comparador de preços. Na altura, a multa foi de 2400 milhões de euros. Agora, a sanção poderia ascender a quase 9500 milhões de euros (10% da facturação de 2017). Bruxelas optou por um valor mais baixo – cerca de 45% do valor máximo permitido – mas quase duas vezes superior à multa recorde que tinha aplicado em 2017.

Como explicou Vestager, o Google tem agora um prazo de 90 dias para “corrigir a situação e cessar de forma efectiva a sua conduta ilegal”. “É responsabilidade da empresa mudar o seu comportamento”, frisou a comissária, que não ofereceu nenhuma solução, repetindo que "compete à empresa” decidir como pretende alterar a forma como opera para cumprir com as determinações europeias.

Bruxelas vai estar atenta e manter a vigilância, garantiu Vestager, dizendo que se o Google não proceder às mudanças exigidas, a Comissão não hesitará em avançar com uma “coima que pode ir até 5% da média diária do volume de negócios mundial da Alphabet”, a empresa-mãe do Google, conforme explica o comunicado em que Bruxelas anunciou a decisão tomada.

Desta vez, a investigação – a mais extensa em oito anos de batalhas legais contra o Google – incide sobre um aspecto central do modelo de negócio prosseguido pela empresa na última década. Bruxelas declarou ilegais as restrições contratuais impostas para a utilização do Android, que favoreceram o domínio do Google nas pesquisas online nos telemóveis à medida que largas fatias de consumidores se transferiram dos computadores de secretária para os smartphones. Estes aparelhos são agora responsáveis por mais de 50% do tráfego de buscas na Internet.

Conforme notou Vestager, a empresa norte-americana compreendeu melhor do que as suas concorrentes esta “mudança fundamental” no acesso à Internet, “desenhando uma estratégia para o desenvolvimento do [sistema operativo] Android que foi muito bem sucedida”. O que a comissária censura nessa estratégia não é a dominância do mercado pelo Google, mas antes as manobras – “que são práticas ilegais”, insistiu – que impediram o “desenvolvimento de ecossistemas Android concorrentes”.

“Desde 2011, o Google impôs restrições ilegais aos fabricantes de dispositivos Android e aos operadores de redes móveis com o intuito de cimentar a sua posição dominante nas pesquisas genéricas na Internet”, resume a Comissão:

Em especial, a Google:

  • exigiu aos fabricantes que pré-instalassem a aplicação de pesquisa Google Search e a aplicação de navegação (Chrome) como condição para a concessão de licenças da sua loja de aplicações (Play Store);
  • fez pagamentos a alguns fabricantes de grande dimensão e a operadores de redes móveis, na condição de pré-instalarem em exclusividade a aplicação Google Search nos seus dispositivos; e
  • impediu os fabricantes que pretendiam pré-instalar aplicações da Google de vender um só dispositivo móvel inteligente que fosse que funcionasse com versões alternativas do Android não aprovadas pela Google (as chamadas «ramificações do Android»).

O comportamento do Google, que abusou da sua dominância do mercado, “negou a outros actores no mercado a oportunidade de concorrer com base no mérito dos seus produtos”, constatou Margrethe Vestager. Com isso, acrescentou, “prejudicou a inovação no mercado” e “abusou da confiança dos consumidores”.

“Temos um mercado que tem regras, e estas regras têm de ser respeitadas”, lembrou a comissária, que considera que a decisão desta quarta-feira “permite que tanto os fabricantes de aparelhos móveis como os consumidores destes modelos voltem a ter opções alternativas”.

Google enfatiza contributo do Android para a diversidade

Minutos depois da primeira reacção em que garante que vai recorrer, a empresa publicou um texto assinado pelo actual presidente executivo. Sundar Pichai sustenta que a decisão de Bruxelas “ignora o facto que o Android concorre com os telemóveis iOS [da Apple], algo que 89% dos entrevistados do estudo de mercado da própria Comissão confirmaram”. E "também interpreta mal a amplitude de escolha que o Android proporciona”. “Hoje, e por causa do Android, [o consumidor] tem uma escolha de entre 24.000 equipamentos, com todo o tipo de preços, de mais de 1300 marcas diferentes, incluindo fabricantes de telemóveis holandeses, finlandeses, franceses, alemães, húngaros, italianos, letões, polacos, romenos, espanhóis e suecos”, escreve Sundar Pichai. Porém, nada disto contraria os argumentos fundamentais apresentados pela comissária: o problema não é o domínio do mercado, mas sim “as práticas ilegais" que impediram “outros actores no mercado a oportunidade de concorrer com base no mérito”.

Além do pagamento da multa, Bruxelas exige que o Google “ponha termo à conduta ilegal de forma efectiva no prazo de 92 dias a contar da data da decisão”. “No mínimo, tem de cessar nos três tipos de práticas e não reincidir em qualquer deles”, lê-se na comunicação de Bruxelas, que continua a investigar a empresa em pelo menos mais um assunto, as restrições colocadas à possibilidade de alguns sites de terceiros mostrarem anúncios associados às pesquisas provenientes de concorrentes – o chamado “processo AdSense”. Em Julho de 2016, a comissão tinha chegado “à conclusão preliminar” de que também neste caso houve abuso de posição dominante.

A 27 de Junho de 2017, a empresa sediada em Mountain View tinha sido multada por Bruxelas em 2720 milhões de euros – a maior multa de sempre num processo antimonopólio na União Europeia. Em causa estava a primazia que o Google dava ao comparador de preços Google Shopping. Um recurso foi apresentado, mas o pagamento foi efectuado através do depósito de uma garantia bancária, informou Vestager. E um dia antes do fim do prazo dado pela Comissão Europeia, a empresa separou o comparador de preços do motor de busca, para que o Google Shopping não fosse o único a surgir no topo dos resultados de pesquisa por um produto.

Quem pesquisava por roupa, por exemplo, era-lhe recomendado em primeiro lugar os resultados provenientes da ferramenta do Google. Estes resultados eram na verdade anúncios que outros clientes do Google pagam para estarem nos primeiros resultados da pesquisa. Segundo a Comissão Europeia, mesmo ferramentas concorrentes com mais tráfego surgiam por vezes apenas na quarta página dos resultados de uma pesquisa no motor de busca Google. Apesar de separar o Shopping e o motor de busca, a empresa contestou em tribunal a milionária multa que então lhe foi aplicada, após uma longa e complexa investigação da Comissão Europeia.

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