Pinho recusa responder a deputados sobre as suas offshores. Só fala sobre política energética.

O antigo ministro criticou a cobrança de taxa para a RTP, defendeu que a conta da luz não pode ser uma "vaca leiteira" e atira culpas ao PSD, que foi o "pai dos CMEC e mãe das barragens"

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Manuel Pinho nesta terça-feira no Parlamento. Os deputados ficaram insatisfeitos com a falta de respostas
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Depois de ter feito uma intervenção inicial de 35 minutos sobre energia, o antigo ministro da Economia Manuel Pinho recusou responder a qualquer pergunta do PSD sobre a sua ligação a empresas offshore ou a pagamentos feitos pelo BES/GES quando era ministro. E argumentou que só falará sobre política energética, que foi aquilo que já tinha dito ao presidente da Comissão de Economia e Obras Públicas, o centrista Helder Amaral, quando foi convocado para a audição.

A cada pergunta do PSD, do Bloco, do CDS-PP e do PCP sobre as suas ligações ao GES ou sobre o seu património, Manuel Pinho foi dizendo que não respondia, alegando sempre que não era esse o objecto da sua audição. “Quando convido alguém para ir ver futebol a minha casa não o ponho a esfregar o chão”, ironizou por duas vezes e usou amiúde essa imagem do convite para uma coisa e ser questionado sobre outra.

Ouvido durante três horas na comissão, Manuel Pinho fez uma intervenção inicial durante a qual deu aquilo que descreveu como a sua proposta para a redução dos preços da energia, em que inclui, entre outras medidas, a redução do IVA da energia para a média praticada na União Europeia (que é de 18%), o fim da cobrança da taxa para o audiovisual que financia a RTP – que fazer parte do acordo da “geringonça” (na verdade foi aprovado pelo PSD).

A conta da luz é uma "vaca leiteira"

“Em Portugal o IVA da energia é o mesmo das jóias, casacos de pele e barcos de recreio”, disse, acrescentando, que podia lembrar declarações de socialistas que “diziam sobre o aumento do IVA da electricidade o que nem Maomé dizia do toucinho”. Sobre a RTP vincou não perceber “que raio de justiça pode haver para ir buscar 200 milhões de euros aos consumidores para pagar a RTP” e lembrando que esse valor “é mais do que o orçamento do IPO”.

“A factura da electricidade é uma autêntica vaca leiteira. Não posso estar de acordo. Estou de acordo com preços o mais baixos possível e com energia limpa.”

Sobre a composição das facturas de electricidade, explicou que os impostos contam 25%, a energia 28%, o acesso às redes 16% e os custos de políticas 31%. Ora os CMEC são 18% dos custos de políticas, o que representa um custo para o consumidor relativo aos CMEC de dois euros numa factura mensal de 40 euros.

"O PSD foi o pai dos CMEC e mãe das barragens”

Manuel Pinho descreveu o percurso histórico dos contratos da energia desde 1995, passando pela transformação dos CAE (contratos de aquisição de energia) em CMEC a partir de 2003/2004, remetendo para o PSD a responsabilidade pelas rendas excessivas do sector energético, os chamados CMEC. Era a direita que estava no poder em 2004 quando estes foram criados no Parlamento por proposta do Governo. Até recorda a votação: PSD e CDS a favor, PS absteve-se, PCP e Bloco votaram contra. “O grosso da legislação é de 2004/05. Eu fui ministro de José Sócrates na parte final da sua aplicação. A concepção e aprovação foram feitas por governos anteriores”, argumentou.

A dada altura haveria mesmo de dizer que “o PSD foi o pai dos CMEC e mãe das barragens”, alegando que foi em 2004, no Executivo de Durão Barroso e depois de Santana Lopes, que foram criados os CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) com a EDP para compensar o fim dos CAE com a empresa. A si, como ministro a partir de 2005, coube a tarefa de acabar de implementar o resto desse processo, justificou.

Recusou que as condições dos CMEC possam ser consideradas “rendas excessivas” para o Estado e defendeu que as medidas do Governo de José Sócrates foram de “salvaguarda do interesse nacional”. Diz que foi por isso que se apostou nas renováveis em vez de outras soluções como o nuclear ou as centrais a carvão.

Manuel Pinho vincou por três vezes partilhar “da opinião da maioria dos portugueses” de que a energia em Portugal “é cara, muito cara”, que “há um trânsito enorme entre a política e as empresas” e que “a venda de empresas estratégicas causa polémica”.

Sentado ao lado do seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, quando começou a ronda de perguntas e o PSD o questionou logo sobre é dono (de forma directa ou indirecta) de offshores e se alguma vez recebeu dinheiro através delas, nomeadamente proveniente do BES/GES, Manuel Pinho argumentou que não falará sobre mais nada a não ser política energética.

E insistiu nessa resposta de cada uma das outras quatro vezes que o social-democrata Paulo Rios de Oliveira lhe colocou perguntas sobre conduta ética, dizendo sempre que só veio a esta comissão na condição de não responder a outras questões além da energia. “Convidaram-me para uma coisa e querem agora discutir outra.”

O antigo ministro leu então uma declaração onde afirma que não aceitaria “responder” a questões que estão a ser “alvo de investigação judiciária” e que têm a ver com o seu “relacionamento com o Grupo Espírito Santo” e com os quais, alega, nunca foi “confrontado”. E realça que nem sequer é “arguido”. Só aceita falar no Parlamento sobre o GES depois de o fazer na Justiça. "Não sou político e não tenho cartão nenhum em nenhum partido. Mas não é por não ter cartão político que tenho menos direitos que os senhores”, atirou.

PS deu rédeas à política da energia de Pinho

O PS preferiu não entrar em confronto com Pinho, e até defendeu que o PSD sabia quais eram as condições da audição. "O PS não fará qualquer questão sobre offshores. Aguardaremos", prometeu o deputado Luís Moreira Testa, coordenador do grupo parlamentar socialista na comissão, referindo-se ao processo judicial e à comissão de inquérito às rendas da energia.

Luís Testa quis então saber a opinião do ex-ministro sobre as opções políticas na energia, em especial sobre as renováveis, e sobre medidas para baixar o preço (como o mix de fontes energéticas). Pinho aproveitou o empurrão e defendeu a subsidiação das renováveis. “São totalmente merecidos [os apoios]. O gás natural é apoiado, o carvão também. As renováveis não porquê? Ou há moralidade ou comem todos!”

A bloquista Mariana Mortágua (que não faz parte da comissão mas veio substituir outros deputados) mudou ligeiramente de táctica em relação ao PSD — começou por perguntas sobre a chegada de Pinho ao Governo — mas foi parar ao mesmo ponto, o da ética. Foi apresentado a Sócrates por Costa à saída de um jogo do Euro 2004, elaborou o programa eleitoral na área económica e foi "sem surpresa" convidado para ministro — mas a mulher nunca lho desculpou.

A deputada quis depois saber como foi a negociação da sua saída do BES em especial sobre a "reforma milionária" que combinou. Pinho respondeu "não estar a ver" o que tem isso que ver com a política da energia. E não respondeu.

Questionado sobre a sua prestação como governante, garantiu ter decidido, como ministro, sempre com "isenção relativamente a qualquer interesse" e prometeu: "Espere pela minha vinda à comissão das rendas e falaremos sobre a minha resolução de gravíssimos casos empresariais no sector da energia. Tenho informação muito interessante", aliciou, prometendo ir mais atrás do que 2004. O resto —? leia-se, as acusações que lhe fazem — até o faz "rir" e "é conversa de café. O que eu gosto é de pôr nomes e moradas."

Sem respostas sobre o património de Pinho — como os 490 mil euros de salários em 2005 por dois meses de trabalho no BES —, Mortágua vincou que com este caso Portugal enfrenta o seu "esquema Mensalão", em que Pinho tem "muito para explicar" e passou a palavra ao deputado Jorge Costa, que lidera o Bloco na comissão de inquérito às rendas. E a quem, no final, Pinho haveria de se dirigir pessoalmente para oferecer ajuda "se precisar de alguma coisa, se puder ser útil" na preparação dos trabalhos da comissão. Nas perguntas do bloquista, Pinho até defendeu que a EDP fora prejudicada num dos contratos.

Esta atitude de diplomacia de Manuel Pinho foi, aliás, notada durante a audição. O antigo ministro distribuiu elogios (alguns rasgados) ao Bloco e sobretudo ao PCP (e às suas propostas para baixar o IVA da energia) e até ao seu eurodeputado João Ferreira, que questionou a Comissão Europeia sobre as rendas da energia — e que esta respondeu não existirem problemas. Já em relação ao PS houve alguns puxões de orelhas — tal como os esperados ao PSD e ao CDS.

Ao comunista Bruno Dias, que o questionou sobre a elaboração do diploma sobre os CMEC em 2007, em que alegadamente terá participado a própria EDP, Manuel Pinho diz não saber de nada. E a Jorge Costa diria depois desconhecer uma troca de mensagens entre os seus secretários de Estado e a empresa sobre a decisão do Conselho de Ministros acerca do mesmo assunto.

Ao deputado centrista Pedro Mota Soares que o questionou sobre que "especial competência" tinha para ser ministro da Economia, Manuel Pinho respondeu com luva branca. Lembrou que o ministro da Economia espanhol era oftalmologista, que se pode sempre aprender o métier da política e devolveu a pergunta sobre a experiência ao deputado centrista. Mota Soares, antigo ministro do Trabalho e da Segurança Social, viu-se obrigado a explicar que é licenciado em direito, com especialização na área laboral.

Na única questão sobre energia — acerca de um estudo encomendado pelo anterior Governo que dizia que as rendas eram excessivas, Manuel Pinho exaltou-se e disse ser uma "burrice haver a mínima das dúvidas" sobre os CMEC. Pediu logo "desculpa por usar o termo", mas insistiu: "Quem diz isso [que há rendas excessivas], sente o rabinho e estude; não comece a mandar bocas."

Insatisfeitos com a falta de respostas, na ronda final os deputados avisaram Manuel Pinho que a comissão de inquérito terá outras "competências e poderes", como lhe disse o socialista Luís Testa, que acusou o PSD de fazer "insinuações". "Haverá mais oportunidades", ouvia-se na sala.

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