Neonazi alemã condenada a prisão perpétua — mas será a única sobrevivente do grupo?

O juiz julgou os crimes do grupo Clandestino Nacional Socialista e o papel de quatro cúmplices, mas suspeita-se de uma rede maior e que Beate Zschäpe não esteja sozinha.

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Reuters/STRINGER

Chegou ao fim um dos mais longos julgamentos na Alemanha, de um dos maiores processos de neonazis. Depois de ouvidos 750 testemunhos e mais de 50 peritos ao longo de 430 dias de audiências, o Tribunal de Munique condenou a prisão perpétua Beate Zschäpe por co-autoria de dez homicídios, a maioria com motivos xenófobos.

No processo foram ainda condenados a penas menores quatro cúmplices, incluindo por terem conseguido uma arma usada nos crimes, uma pistola Ceska CZ 83.

Com esta pistola foram mortas dez pessoas (oito de origem turca, um de origem grega e uma polícia) entre 2000 e 2007. Mas apesar do uso da mesma arma, os investigadores não fizeram a ligação entre os vários crimes, e só por acaso a relação entre eles foi descoberta em 2011.

Foi preciso um assalto a um banco que correu mal. Dois assaltantes foram perseguidos pela polícia após tentarem roubar um banco em Eisenach (na Turíngia, ex-RDA). Foram encurralados num cerco feito à zona de um parque de campismo para onde tinham fugido e os dois foram encontrados mortos, num aparente pacto de suicídio.

Pouco depois de os dois morrerem, Beate Zschäpe pegou fogo ao apartamento onde os três viviam. Porém, apesar do fogo, restaram algumas provas: a pistola Ceska e um DVD com uma imagem da Pantera Cor-de-Rosa com imagens dos crimes e onde um um grupo que se apresentava como Clandestino Nacional Socialista reivindicava a autoria dos homicídios e fazia troça das vítimas ao som da música do desenho animado. O DVD foi enviado para algumas moradas – suspeita-se que tenha sido Beate Zschäpe a fazê-lo.

Passados quatro dias, Zschäpe entregou-se numa esquadra de polícia, mas não colaborou com a investigação.

A ré manteve-se silenciosa até mais de metade do julgamento e, quando falou, foi para imputar todos os crimes aos dois homens mortos, Uwe Mundlos e Uwe Böhnhardt. Disse que só soube dos crimes depois de terem sido cometidos; disse arrepender-se de “não ter feito mais para os impedir”.

O juiz sublinhou que não era possível os ataques terem tido sucesso sem um planeamento conjunto dos três e rejeitou o argumento de Zschäpe não ter tido conhecimento dos crimes.

Houve mortes em Rostock e Hamburgo, no Norte, em Dortmund no Oeste, em Kassel, no centro, e em Munique e em Heilbronn no Sul da Alemanha, algumas com apenas semanas de intervalo.

A polícia estava convencida de que se tratava de crimes ligados a “máfias turcas” – apesar de não ter provas e apesar de haver descrições de dois homens como sendo “de aparência alemã” a fugir em bicicletas depois de atingir as vítimas com tiros disparados à queima-roupa.

As famílias das vítimas foram interrogadas duramente para confessar ligações a um submundo criminoso e algumas das viúvas ouviram histórias inventadas sobre a infidelidade dos maridos — a polícia esperava assim levá-las a dar informação sobre actividades ilegais que explicariam os assassínios. 

“Primeiro acusaram a minha mãe, depois o meu tio, toda a gente próxima esteve sob investigação”, contou Abdulkerim Simsek, cujo pai, Enver, foi a primeira vítima do grupo, em 2000. “Isto durou 11 anos. O meu pai não foi tratado como vítima, mas sim como culpado”.

“Cega do olho direito”

A polícia alemã foi, depois, acusada de ser “cega do olho direito”: não lhes ocorreu que o motivo fosse xenofobia. Quando a informação foi partilhada com o FBI, este viu mais claramente esta hipótese. Num artigo publicado no ano passado, a revista Foreign Policy conta que o FBI notou de imediato que nada tinha sido roubado e que em todos tinha sido usada a mesma arma, uma arma rara. “O criminoso está a atacar pessoas com aparência turca”, conclui a polícia federal americana de imediato. “O criminoso identifica ‘alvos’ frequentando zonas da Alemanha com população turca e procura pessoas que pareçam turcas”. Isto foi em 2007. O FBI sugeria uma série de acções baseadas nesta teoria; a polícia alemã ignorou-as.

Gökay Sofuoglu, responsável por uma organização da comunidade turca na Alemanha, disse à emissora Deutsche Welle que a confiança da comunidade nas forças de segurança estava “muito afectada”. Além dos falhanços durante as investigações, Sofuoglu acusou o Ministério Público de seguir com rigidez a teoria de que os três eram os únicos membros do grupo e que levaram a cabo os crimes só com pequenas ajudas dos outros quatro condenados.

Clemens Binniger, antigo polícia que participou na comissão de inquérito do Bundestag (Parlamento), também duvida que os crimes tenham sido cometidos e planeados apenas por três pessoas. Afinal houve crimes em várias cidades, era preciso planos de fuga, conhecer os locais, etc.. Muito para apenas três pessoas.

A juntar a estas suspeitas, há sinais preocupantes. Um deles a presença de um membro dos serviços de segurança interna infiltrado no grupo no local de um dos assassínios (em tribunal disse que não tinha percebido que houvera um crime, não ouviu a arma por causa do silenciador, não viu o cadáver - depois descobriu-se que tinha simpatias pela extrema-direita, era conhecido como "o pequeno Adolf"). Outro sinal foi a destruição dos ficheiros dos infiltrados dos serviços de informação em Zwickau, a cidade onde vivia o trio, duas semanas depois de serem conhecidas as suas actividades.

Em frente ao tribunal, uma manifestação pedia que o julgamento não fosse o fim da investigação a todo este processo.

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