Oficiais de justiça e forças de segurança com formação em violência doméstica

Governo assina protocolos para reforçar protecção das vítimas de violência doméstica e de género. Oficiais de justiça vão ter formação em e-learning e será reforçada cooperação entre instituições.

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Rui Gaudêncio

Os relatórios que desde o início do ano têm analisado a fundo casos de homicídio em violência doméstica têm sido claros: o sistema muitas vezes falha no atendimento às vítimas, deixando-as desprotegidas em diversos momentos. Um em particular impressionou a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro: “o segundo relatório da Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídios em Violência Doméstica, que apontava falhas das respostas na fase de inquérito do processo por violência doméstica, quando a mulher se dirige ao tribunal e não há o desencadear de todos os procedimentos necessários para uma resposta àquela situação”.

É no sentido de evitar falhas semelhantes, ouvindo a recomendação de reforçar a formação especializada, que a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género assina na próxima segunda-feira um protocolo de cooperação com a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna e a Direcção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ), a Guarda Nacional Republicana (GNR) e a Polícia de Segurança Pública (PSP).

O protocolo implica um “trabalho conjunto” que vai permitir dar formação especializada em violência doméstica a forças de segurança e oficiais de justiça, profissionais que estão “na primeira linha do atendimento e na recepção destas queixas por parte das mulheres vítimas”, diz Rosa Monteiro. “Sabemos que aquele período após apresentar queixa é um momento de grande risco de revitimização e até de ocorrência de femicídios”, reconhece a secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade, Rosa Monteiro.

O protocolo prevê “a realização de acções de formação na área jurídica e psicossocial em temáticas relacionadas com a Violência Doméstica e Violência de Género”, lê-se no comunicado enviado às redacções. “Para que se acionem correctamente os meios jurídicos que estão previstos, tem de haver por parte dos agentes que estão no terreno e têm contacto com as vítimas uma capacidade de compreender e conhecer as situações de violência com que estão a confrontar-se e saber interpretar”, completa a secretária de Estado, em declarações à agência Lusa. O próximo passo cabe à DGAJ, à GNR e à PSP, responsáveis por diagnosticar as necessidades de formação dos oficiais de justiça e forças de segurança.

A iniciativa de formação especializada é aplaudida por Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, que ressalva ainda não conhecer detalhes do protocolo. “Se é isso que vai acontecer, ainda bem. Deveria era ter sido há mais tempo, não só nesta matéria como em outras”, aponta.

Mobilidade "arbitrária" reduz funcionários habilitados

Fernando Jorge descreve que “a forma como se intervém - os próprios termos dos interrogatórios - numa primeira queixa de situação de violência doméstica, isto é muito importante na área”. “Sempre que possível, existem funcionários que estão habilitados a fazer esse tipo de procedimentos nos tribunais”, explica o dirigente sindical, alertando que a mobilidade “de forma arbitrária” reduz o número de funcionários “habilitados pela prática de vários anos” e desencoraja também os oficiais de justiça de procurar uma certa especialização. “Uma pessoa numa secção de família e menores, ou numa secção criminal de violência doméstica, se calhar para a semana está noutra área, no tribunal cível ou do comércio. A questão da mobilidade das pessoas entre as várias jurisdições é também inimiga da qualidade e da experiência.”

A Direcção-Geral da Administração da Justiça compromete-se a organizar as acções de formação em sistema e-learning - um formato que permita “chegar a todo o país, aos oficiais de justiça que estão em vários tribunais”, explica Rosa Monteiro - e também a publicar uma listagem de respostas às perguntas frequentes - “para que possam ter um conjunto de meios e saberem como actuar numa situação de queixa ou de denúncia de violência doméstica e de género”, descreve a secretária de Estado. As forças de segurança também promoverão workshops e acções presenciais, para a qual a CIG dará formação aos formadores da DGAJ.

Nesta sexta-feira, o Governo assinou um protocolo com a Ordem dos Advogados (OA) para formação especializada em violência doméstica e de género, no qual a OA também se compromete a criar uma lista nacional de profissionais com formação especializada nesta área. Até ao final do ano, garante a secretária de Estado, deverá também ser assinado um novo protocolo, mais amplo, no quadro da formação de magistrados no âmbito da violência doméstica e de género.

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