Agressão a jovem no Porto: PSP só fez auto três dias depois

A PSP que se deslocou ao local da agressão demorou três dias a elaborar o auto, isto já depois de Nicol, 21 anos, ter feito queixa numa esquadra. E de notícias nos media terem sido veiculadas. Jovem e testemunhas acusam polícia de as ter ignorado e registado apenas dados de agressor. IGAI pede à PSP para se pronunciar.

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Imagem fornecida por Nicol Quinayas

Os agentes da PSP do Porto que se deslocaram à paragem de autocarros do Bolhão, onde a jovem Nicol Quinayas estava a ser agredida por um segurança da empresa 2045, só fizeram a participação da ocorrência três dias depois.

O segurança da empresa que faz a fiscalização dos autocarros da STCP (Sociedade de Transportes Colectivos do Porto) é visto num vídeo que está a circular na Internet com os joelhos em cima do corpo da jovem, a imobilizar-lhe o braço. Há sangue no chão. Membros da Equipa de Prevenção e Reacção Imediata da PSP deslocaram-se ao local.

A Direcção Nacional da PSP confirmou ao PÚBLICO que a data do auto que foi elaborado é de 27 de Junho, quando os factos ocorreram na madrugada de 24 de Junho. Mas não quis tecer comentários. A ocorrência terá que ser investigada pelo Ministério Público. A Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) disse ao PÚBLICO que, "através de um processo de índole administrativa, irá monitorizar a situação": vai pedir à Direcção Nacional da PSP para "se pronunciar sobre o procedimento adoptado e, na sequência da resposta, tomará a sua posição".

A jovem colombiana de 21 anos, que vive em Portugal desde os 5, acusou o fiscal de a agredir brutalmente e de ter proferido insultos racistas. Diz também que os polícias que se deslocaram à paragem de autocarros onde tudo aconteceu não a identificaram. Conta que apenas falaram com o fiscal. Até esta quinta-feira de manhã, a PSP garantia que tinha identificado todos os intervenientes na altura.

Tendo o auto sido escrito a 27 de Junho, isso permitiu a quem o escreveu ter ido buscar a informação e dados à queixa elaborada por Nicol, no dia 24, pelas 20h, numa esquadra. No auto da PSP o fiscal está identificado, mas não o está na queixa de Nicol.

Hugo Palma, responsável pelas relações públicas da PSP, esclareceu, em declarações ao PÚBLICO, que este é um crime semi-público, que depende de queixa e que, em teoria, a PSP tem dez dias para fazer a participação ao Ministério Público. Contudo, diz, o normal é o auto ser elaborado nas horas seguintes aos factos que relata.

Fonte da PSP refere, por outro lado, que “não é nada de extraordinário que o expediente seja elaborado nos dias seguintes” – mas três dias é, de facto, "muito tempo”, admite.

Várias testemunhas

Depois de contactadas pelo PÚBLICO, seis testemunhas que estiveram no local dizem que não foram identificadas pela polícia. Todos – Francisca Monteiro, Pedro Silva, Cassiano Ferreira, Tânia e Daniela e uma jovem de 15 anos que não quis ser identificada – confirmam que o fiscal agrediu Nicol da forma como esta descreveu, com socos. E dizem que os agentes da PSP chegaram ao local enquanto o fiscal estava com os joelhos por cima de Nicol, ou seja, terão dado conta de que havia uma agressão.

Ninguém tem certeza sobre quem forçou o fiscal a afastar-se da jovem ou se terá sido este que percebeu que a PSP se aproximava e se afastou. A amiga Daniela acusa: “Eu perguntei à polícia se não ia identificar a minha amiga e eles responderam que não lhes competia a eles fazê-lo, que fôssemos apresentar queixa.”

Até agora, nem Nicol nem qualquer interveniente foram contactados pela PSP, pela empresa de segurança ou pela STCP. A empresa de comunicação da STCP, Cunha e Vaz, disse que “a STCP está manifestamente contra todas as formas de discriminação”, informou a 2045 de que aquele funcionário não prestará mais funções na empresa de transportes e está em processo de averiguação onde irá ouvir todas as partes, inclusivamente o funcionário. “A empresa vai tomar medidas para que isto seja algo excepcional”, disse António Cunha Vaz.  

Nicol Quinayas estava na paragem de autocarro do Bolhão, no Porto, depois da noite de São João. Um funcionário da 2045 — que faz a fiscalização dos autocarros da STCP — tem o logotipo da empresa no braço e é visto, em pelo menos um vídeo na Internet, a torcer os braços à jovem, em cima dela. À volta ouvem-se algumas pessoas a gritar: “O que é isto? Gostavas que fosse com a tua filha? Isto vai tudo para a polícia."

Segundo Nicol, o fiscal impediu-a de entrar no autocarro, agarrou-lhe o braço e pô-la fora, começando a bater-lhe depois de esta oferecer resistência. Nenhuma das testemunhas com quem o PÚBLICO falou tem dúvidas de que se tratou de um acto de racismo. Daniela, uma das duas amigas que estava com Nicol, afirma: “A mim, que sou branca, deixou-me entrar no autocarro, a ela e a Tânia que são de cor disse: ‘pretas, vão apanhar o autocarro para a vossa terra’.” Nicol Quinayas conta também que a dada altura uma testemunha ouviu o segurança gritar: “Estes pretos não aprendem."

Comissão envia caso para o Ministério Público

Entretanto, a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial diz ter tomado as diligências adequadas, e uma vez que os factos "têm indícios susceptíveis de prática de ilícitos criminais", o caso será remetido ao Ministério Público.

A comissão contactou ainda a Gestora Nacional da Unidade de Apoio à Vítima Migrante e de Discriminação para que seja "prontamente prestado o auxílio necessário, nomeadamente o apoio psicológico, notificando a interessada desta disponibilidade".

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