Mais de 233 mil consultas de oftalmologia ficaram por fazer em 2017

Tempo de espera cresceu face a 2016. Cidadãos têm que aguardar, em média, 180 dias por consulta, mas há hospitais onde a espera é superior a dois anos. Peritos propõem que doentes menos complexos sejam vistos nos centros de saúde para libertar hospitais. E defendem reformulação das urgências em Lisboa.

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Luis Efigénio

No ano passado ficaram por fazer 233.228 consultas de oftalmologia em Portugal, mais 29% do que no ano anterior. São cerca de 638 consultas por dia. E há tempos médios de espera que são “inaceitáveis”, sublinham os autores da Estratégia Nacional para a Saúde da Visão, um documento que traça o panorama actual das insuficiências da rede pública e define as linhas mestras do novo caminho a seguir até 2025.

Apresentada nesta terça-feira em Lisboa, a estratégia assenta na criação de pontos de realização de primeiras consultas ao nível dos cuidados de saúde primários (antigos centros de saúde), para libertar os hospitais, que estão assoberbados pela crescente procura, e no alargamento e uniformização dos rastreios de saúde visual infantil e da retinopatia diabética.

Outra proposta, esta completamente inovadora e até ousada, nas palavras do coordenador do grupo que delineou a estratégia, o oftalmologista Augusto Magalhães, passa pela criação de “pontos de observação”, igualmente nos cuidados de saúde primários, para a identificação nas pessoas com 60 anos de doença ou factores de risco para o glaucoma e a degenerescência macular da idade (DMI) — as duas principais causas de cegueira na população adulta no mundo ocidental.

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Só 44% dos oftalmologistas trabalham no SNS

Voltando ao panorama actual, apesar de as unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) até terem feito mais 0,6% consultas em 2017 em comparação com o ano anterior, a lista de espera cresceu e em vários hospitais o tempo médio que os cidadãos têm de aguardar para serem vistos por um oftalmologista até subiu face ao ano anterior. No total, e em média, era necessário esperar 180,2 dias no ano passado, mais nove dias do que em 2016.

Há unidades, como o Centro Hospitalar do Oeste, onde a espera média chegou aos 784 dias. No Centro Hospitalar Barreiro-Montijo atingiu os 510. Este problema não é novo e radica nas “insuficiências crónicas” da rede de cuidados do SNS, explicam os especialistas que lembram que “os serviços de oftalmologia dos hospitais públicos estão há muitos anos no limite da capacidade assistencial”. Já o número de cirurgias cresceu quase 19% no ano passado, mas, mesmo assim, a espera média aumentou.

Os constrangimentos estão há muito tempo identificados e, avisam os autores do documento, tendem a agravar-se, por causa do envelhecimento da população (que faz aumentar a prevalência de várias doenças, como a catarata, o glaucoma e a DMI) e do aumento da diabetes, que implica um agravamento da prevalência de retinopatia diabética. Também os rastreios que já estão a funcionar no terreno introduzem no sistema novos doentes com necessidade de resposta imediata, acrescentam.

Face a esta pressão acrescida, os recursos humanos são insuficientes. Portugal até tem muitos oftalmologistas (são mais de mil os inscritos na Ordem dos Médicos), mas apenas 44% trabalham no SNS. O défice é, calculam os peritos, de 114 oftalmologistas. E para poder dar corpo a esta reforma faltam também entre 80 a 90 ortoptistas (técnicos superiores de saúde).

A base desta estratégia assenta nos cuidados de saúde primários. E aqui deve-se partir dos pontos de rastreio oftalmológico (para a ambliopia nas crianças e para a retinopatia diabética) e dos já referidos pontos de avaliação básica para primeiras consultas, 61 no total. Isto implicará equipar cada agrupamento de centros de saúde (ACeS) com um gabinete de consulta, o que permitirá aliviar os hospitais de um grande volume de atendimentos para cuidados indiferenciados e possibilitará uma resposta mais célere e eficiente.

Urgência a tempo inteiro no Algarve

Nos hospitais, os peritos propõem quatro pólos de urgências polivalentes (para casos de maior complexidade) a funcionar nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, na região centro e também no Algarve

Para evitar que os doentes tenham que fazer 250 quilómetros para se ir tratar a Lisboa e mais 250 para regressar, como hoje acontece, defendem que o Algarve deve passar a ter um pólo de urgência sempre aberto, contratualizando essa resposta com unidades privadas ali existentes.

À semelhança do que foi feito no Porto, sugerem ainda uma remodelação da rede de urgências em Lisboa. Replicando o exemplo dos hospitais de S. João e de S. António, recomendam a alternância da urgência nocturna entre os centros hospitalares de Lisboa Central e de Lisboa Norte, a cada 15 dias, mas aqui num período mais curto do que no Norte, apenas entre as 24 horas e as 8 da manhã.  Sugerem ainda que o hospital de Loures seja reclassificado como urgência médico-cirúrgica, de média complexidade.

Reestruturação dos rastreios

Relativamente ao rastreio de base populacional, visa identificar crianças (até aos 2 anos) com risco de desenvolver ambliopia de forma a que os casos positivos possam ser encaminhados para serviço hospitalar onde iniciam tratamento imediato sempre que se justificar.

O projecto-piloto, que começou por ser desenvolvido em quatro ACeS do Norte e dois centros hospitalares (o do Porto e o S. João), foi recentemente alargado a 12 ACeS e seis hospitais

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Quanto ao outro rastreio, o da retinopatia diabética, este deve ser alvo de uma “importante reestruturação”, preconizam. No terreno desde 2009, este rastreio tem aumentado a sua abrangência de ano para ano, mas continua a apresentar vários constrangimentos, que passam, sobretudo, pela falta de uniformização.

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