Foi você que pediu um Ocean’s só com mulheres? Talvez não, mas ele existe e pode ser um sucesso

“Nunca seremos os principais suspeitos”, diz Sandra Bullock às suas ladras. O regresso ao universo celebrizado por Sinatra e Clooney, mas agora com Cate Blanchett e companhia feminina, está a sair-se bem nas bilheteiras e chega esta quinta-feira a Portugal.

Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway, Ocean's 8, Onze do Oceano, Oceano, filme Heist
Fotogaleria
Cate Blanchett, Ocean's 8, Gary Ross, Debbie Ocean, Treze do Oceano, Met Gala, Museu Metropolitano de Arte, Ocean's, Cinema
Fotogaleria
Gary Ross, Ocean's 8, Anne Hathaway, Oceano, Cinema
Fotogaleria
Gary Ross, 8 do oceano, Anne Hathaway, Daphne Kluger, oceano de Debbie, encontrado Gala, Oceano
Fotogaleria

Ocean’s 8 é um filme forjado na incapacidade de Hollywood escapar ao facilitismo de voltar aos sítios onde já foi feliz, com remakes e reboots e franchises, e sobre a incapacidade de a mesma indústria dar tanto protagonismo a homens como a mulheres. Um filme de assaltos e de acção, para alguns críticos erguido sobre uma frágil casa de papel, mas cujo subtexto político e o poder das estrelas que o carregam – Sandra Bullock, Cate Blanchett, Anne Hathaway, Rihanna, Helena Bonham-Carter – o tornaram vitorioso nas bilheteiras. 

Este é um retomar de uma série conhecida com grandes assaltos, montagens com glamour e o desejo da elegância de um ladrão de casaca. Primeiro foi Ocean’s 11 (1960), com Frank Sinatra, Dean Martin e Sammy Davis Jr. Depois, Steven Soderbergh entrou em cena para realizar o remake de 2001 e as sequelas de 2004 e de 2007, encabeçadas por George Clooney e Brad Pitt. É também um filme feito depois de anos de actrizes, entre as quais uma das suas protagonistas, Cate Blanchett, pedirem igualdade salarial ou mais oportunidades como realizadoras, produtoras ou argumentistas, e depois de Caça-Fantasmas (2016), refeito com mulheres e arrasado por detractores e pouco apreciado pela críticaOcean’s 8 foi anunciado há dois anos e, dado o rácio orçamento-receita, é já um sucesso. O seu percurso pode ser diferenciador entre a categoria “filme para mulheres” ou simples “filme de acção” ou “blockbuster”.

E chega no momento certo, defende Paul Dergarabedian, analista do mercado cinematográfico, à Variety. “Se desenhássemos um mapa de como ressuscitar bem um franchise, era o de Ocean’s 8. Tinha tudo perfeitamente mapeado”; e Jeff Goldstein, o responsável pela distribuição do estúdio do filme, a Warner, confirma que este “tinha um apelo feminino específico. No zeitgeist [momento actual], ele foi ligeiramente intensificado”.

No contexto actual em que “género” é uma palavra mais constante no discurso público e em que um hashtag se tornou sinónimo de uma viragem na forma como são encaradas as mulheres na sociedade, Ocean’s 8 nunca poderia existir só como um filme a que a crítica tem dado uma aprovação morna. Tem muito subtexto entre a comédia e a acção do argumento do realizador Gary Ross e de Olivia Milch, e uma fala em que se tenta dizer tudo sobre a política de género: “Um ‘ele’ dá nas vistas, uma ‘ela’ é ignorada. E, por uma vez, queremos ser ignoradas”, diz Sandra Bullock, aliás, Debbie Ocean (irmã de Danny Ocean, ou George Clooney de há dez anos), sobre a escolha do elenco de assaltantes.

As questões de género entranharam-se também na recepção do filme. Não tendo sido assolado por uma campanha nas redes sociais como Caça-Fantasmas, Ocean’s 8 foi recebido pela crítica sem entusiasmo, geralmente com elogios para o elenco mas lamentos pela qualidade do produto como um todo. Na altura da estreia, um estudo da USC Annenberg Inclusion Initiative revelava que a maioria da crítica de cinema é feita por homens brancos, e as actrizes de Ocean's 8 associaram a estatística à apreciação geral do filme.

“Se eu tivesse de basear a minha carreira no que os homens brancos querem ver, eu teria muito pouco sucesso”, queixou-se Mindy Kaling, com Cate Blanchett a dizer que os números revelam que “há um certo tipo de olhar que observa as mulheres”. Algumas mulheres críticas de cinema encontraram no filme o que consideram ser os mesmos problemas que os seus congéneres masculinos. Se (os críticos masculinos d)a Rolling Stone ou Atlantic elogiaram largamente o filme, as críticas mulheres da Time ou da Variety apontaram-lhe defeitos, juntando-se-lhes a respeitada Manohla Dargis, do New York Times, que assinalava que o filme seria melhor se “brincasse com uma leveza de toque (sem perder a seriedade) com o género [sexual] tanto quanto o faz com o género [fílmico]”.

O que é esse feminino é uma das questões do filme – Ocean’s 8 tem elementos eternamente associados às mulheres e explorados no cinema popular dos últimos anos. Tem um guarda-roupa que se destaca e é um colar Cartier de 150 milhões que se vai roubar. É em vários cenários, como o armário recheado de roupa e sapatos da revista Vogue ou numa passadeira vermelha onde desfilam o clã Kardashian ou Serena Williams, que se prepara o crime. São os cenários dos filmes O Sexo e a Cidade ou de O Diabo Veste Prada, e também cenários reais como a gala do Museu Metropolitan, festa de moda temática onde o crime de Ocean’s 8 se passa. Bullock garante às suas larápias: “Nunca seremos os principais suspeitos.” A invisibilidade que também é uma certeza do feminino ganha um contexto particular.  

Ocean’s 8 “é o primeiro de uma série de filmes que chegarão nos próximos meses que surgem sem qualquer desejo evidente na sua origem”, nota Sean Fennessey no site The Ringer. Mas se ninguém parecia pedir um Ocean’s feminino, alguém está lá para o ver – o filme chegou aos cinemas norte-americanos no dia 8 e tornou-se o filme mais visto dessa semana. Agora já tem 101 milhões de euros de receitas brutas de bilheteira em todo o mundo, contra um orçamento de 60 milhões. Sem ajustar os números à inflação, ultrapassou os lucros dos primeiros Ocean's na sua estreia. Entretanto, em torno do filme criou-se uma pequena bolha temática, nos tempos de uma série de sucesso Netflix, como é o roubo de Casa de Papelnarrada por uma mulher, ou de The Kitchen, o filme de gangsters com Elizabeth Moss e Melissa McCarthy, que se estreia em 2019.

“A própria existência de um filme como Ocean’s 8 faz uma estranha dupla afirmação: os remakes ou reboots que põem mulheres em papéis oriundos de filmes centrados em homens provam (como se alguém duvidasse disso) que as mulheres podem ser tão boas quanto os homens em qualquer papel – mas também que os seus filmes podem ser tão maus quanto aqueles em que os homens são protagonistas”, opina o crítico Richard Brody na New Yorker, lembrando que na sua opinião “Ocean’s 8 não é mau – simplesmente não está à altura do talento do seu elenco. Mas a sua existência (tal como a do reboot de Caça-Fantasmas) e os papéis proeminentes dados a excelentes actrizes são bons para a arte do cinema como um todo”.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários