Acordo sobre nome da Macedónia posto em xeque em Atenas e Skopje

No início da semana passada, tudo parecia encaminhado para a resolução de uma controvérsia diplomática com quase três décadas. Dar nome ao país é uma prioridade para a UE e NATO para conter Moscovo nos Balcãs.

Alexis Tsipras, Parlamento Helênico, Macedônia nomeando disputa, República da Macedônia
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Protestos em Atenas contra o acordo sobre a nova designação da Macedónia,Protestos em Atenas contra o acordo sobre a nova designação da Macedónia EPA/ORESTIS PANAGIOTOU,EPA/ORESTIS PANAGIOTOU
Gjorge Ivanov
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Manifestante macedónio protesta contra solução alcançada entre os dois governos Reuters/MARKO DJURICA

Foi um relutante Alexis Tsipras, o primeiro-ministro grego, que anunciou esta semana que, ao fim de 25 anos, o diferendo entre a Grécia e a Macedónia por causa da designação da antiga república jugoslava tinha chegado ao fim. Os dois governos tinham chegado a um entendimento após várias maratonas negociais e, finalmente, o assunto poderia ficar confinado aos livros de História. Mas o rosto carregado de Tsipras durante a declaração quase parecia antecipar que o problema não tinha acabado ali. Uma combinação entre sentimentos nacionalistas e cálculos partidários em ambos os países está a comprometer a solução.

Tsipras e o chefe do governo macedónio, Zoran Zaev, foram recebidos nos seus países com acusações de “traição”, depois de terem fechado o acordo em Nova Iorque, mediado pela ONU, que fixa a nova designação da antiga república joguslava como Republica da Macedónia do Norte. Poucas horas depois de ter sido anunciada a decisão, já o Presidente macedónio, Gjorge Ivanov, se mostrava contra o novo nome do país e, apesar de dispor de poderes limitados, garantia que ia fazer tudo o que estiver ao seu alcance para impedir que a mudança se concretize.

Em Atenas, o tema ameaça até a estabilidade do próprio executivo que enfrenta neste sábado uma moção de censura apresentada pelo maior partido da oposição. Os parceiros de coligação do Syriza, os Gregos Independentes, disseram ser contra o acordo, mas garantiram que não vão viabilizar a queda do Governo – as sondagens não favorecem o partido num cenário de eleições antecipadas.

O assunto é objecto de debates apaixonados nos dois países e, por vezes, chega mesmo a despertar sentimentos violentos. Um jornal grego próximo da extrema-direita publicou na primeira página uma montagem com Tsipras, o Presidente e o ministro dos Negócios Estrangeiros gregos em frente a um pelotão de fuzilamento.

Apesar da extrema resistência interna que os dois governos enfrentam, a comunidade internacional está apostada em fazer vingar o acordo. Os preparativos estão em curso para uma cerimónia de assinatura oficial do acordo num lago na fronteira entre os dois países no domingo, para a qual foram convidados o secretário-geral da ONU, António Guterres, o líder da NATO, Jens Stoltenberg, e a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, de acordo com a imprensa grega.

Diferendo histórico

Praticamente desde que foi proclamada a independência da Macedónia em 1991, como resultado da desagregação da Jugoslávia, que a Grécia mostra oposição a esta designação do país. Macedónia é também o nome de uma região no Norte da Grécia, que inclui a cidade de Salónica, e que é associada ao império edificado por Alexandre, o Grande, no século III a.C, que se estendeu até ao território actual da Índia.

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Por causa da pressão de Atenas, o país adoptou a designação de Antiga República Jugoslava da Macedónia a título interino para poder ser aceite nas Nações Unidas, de forma a desfazer quaisquer confusões com a região grega. Mas a controvérsia tem sido um escolho nos desejos de adesão da Macedónia à União Europeia e à NATO.

O problema acentuou-se com o anterior Governo de Skopje, que não escondia a pretensão de reclamar a herança do império de Alexandre. O aeroporto internacional da capital foi baptizado “Alexandre” e no centro da cidade foi construída uma enorme estátua com feições que correspondem às descrições do imperador da Antiguidade. Decisões deste género aprofundavam os receios, especialmente junto dos grupos nacionalistas do outro lado da fronteira, de que o nome da ex-república jugoslava fosse uma carta de reivindicações territoriais sobre a região grega.

Há pouco mais de um ano, a chegada ao poder de um novo governo macedónio, empenhado em recolocar o país no caminho da UE, abriu uma janela de oportunidade para resolver a crise de uma vez por todas. “Já passou uma geração e a sociedade amadureceu”, dizia há alguns meses à AFP o professor de Estudos Balcânicos na Universidade de Salónica Nikos Maratzidis.

Durante anos, foram propostas várias designações, mas após várias rondas de negociações que se arrastaram desde o ano passado, chegou-se a uma solução de compromisso: Macedónia do Norte. A solução satisfaz aparentemente as posições tradicionais dos governos dos dois países. Atenas queria um nome composto, que impedisse que o vizinho fosse chamado apenas “Macedónia”. Skopje queria manter o nome histórico pelo qual o seu território já era conhecido durante a era jugoslava e que é reconhecido internacionalmente.

“O acordo que alcançámos pela primeira vez assegura que eles não têm, nem podem vir a reivindicar no futuro, qualquer relação com a antiga civilização grega da Macedónia”, declarou Tsipras quando anunciou a decisão.

Nacionalismos

Porém, a fórmula encontrada continua sem agradar aos sectores nacionalistas nos dois países. A norte, a inclusão de um qualificativo geográfico é vista como uma humilhação e está longe de ser garantido o apoio de dois terços dos deputados para que o acordo seja efectivamente adoptado – o passo seguinte será um referendo, de acordo com algumas fontes.

Na Grécia, é sobretudo a oposição dos conservadores do Nova Democracia que está a pôr em causa a resolução do conflito. O líder do partido, Kyriakos Mitsotakis, condenou aquela que disse ser uma “situação sem precedentes na história constitucional” do país. “Um primeiro-ministro sem um mandato parlamentar claro disposto a comprometer o país com uma realidade que não será possível alterar”, afirmou Mitsotakis.

A hesitação inicial do Nova Democracia em apoiar os esforços diplomáticos do Governo grego permitiu que a iniciativa fosse tomada pela ala mais radical do partido, que impôs como linha vermelha para um acordo a manutenção de “macedónia” como nome do país vizinho. Esta posição é partilhada pelos nacionalistas gregos e afasta-se da postura tradicional do Nova Democracia, que defendia um nome composto, nota a Foreign Policy.

Para o líder da oposição, o momento é também visto como ideal para enfraquecer o já impopular Governo de Tsipras que tem estado a aplicar medidas de austeridade desde que chegou ao poder, em 2015. “O sentimento é de que o Syriza vai pagar um preço político elevado por causa deste acordo”, diz ao Financial Times o analista Antonis Kamaras, que está em Salónica. “Muitas pessoas acham que o país foi humilhado pelos credores depois de sucessivos acordos de resgate e isto é mais uma capitulação”, acrescenta.

A chegada a um acordo para resolver a disputa do nome da Macedónia assume uma importância vital também para a UE e para a NATO, que esperam travar a influência russa nos Balcãs. A região é hoje uma arena onde Bruxelas e Moscovo lutam por aliados. “Há preocupação por causa da estabilidade nos Balcãs ocidentais, relacionada, do ponto de vista dos EUA, com os esforços da Rússia para conseguir controlo sobre a região”, diz à Foreign Polic o director do think-tank grego ELIAMEP, Thanos Dokos.

Se os dois chefes de Governo falharem em conseguir apoio suficiente junto dos seus parlamentos, tudo poderá voltar à estaca zero. Um relatório do European Council on Foreign Relations deixa o aviso: “Com um novo ciclo de eleições legislativas europeias a começar em Maio de 2019, pode ser preciso esperar uma década ou mais até que surja uma nova oportunidade para resolver a disputa.”

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