Sánchez lidera Governo do século XXI, elogiado da banca à oposição

A maior dificuldade do novo executivo será tentar não ser vítima da gestão das suas próprias expectativas. Nomes fortes e competência não faltam, numa equipa de 17 membros onde onze são mulheres, que obriga o país “a ver-se ao espelho”.

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Sánchez anunciou a constituição do seu Governo, que toma posse quinta-feira Mariscal/EPA
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A única vice de Sánchez, ministra da Igualdade, Carmen Calvo, na assistência enquanto o novo primeiro-ministro falava aos jornalistas Mariscal/EPA

Pedro Sánchez prometera um “governo socialista, paritário e europeísta”. Fez mais do que isso. A presença de ministras no executivo que esta quinta-feira entra em funções é muito mais do que uma questão de números – sem tirar peso ao facto de as mulheres estarem em larga maioria pela primeira vez em Espanha.

Para o novo primeiro-ministro espanhol, as suas escolhas constituem “um reflexo do melhor de Espanha”, agradecendo a disponibilidade às 16 ministras e ministros que vai liderar, figuras de “demonstrada e acreditada preparação de vocação e serviço público”, uma equipa “intergeracional, aberta ao mundo mas ancorada à União Europeia, à imagem de uma sociedade altamente qualificada”.

Perfil político e técnico, competência reconhecida e prestígio nacional e internacional – assim são as ministras de Sánchez, que ocupam as pastas com maior peso de Estado (com excepção do Interior, entregue a Fernando Grande-Marlaska, juiz basco sem ligações ao PSOE; e do ministro dos Negócios Estrangeiros, ocupado pelo socialista catalão Josep Borrel), da Economia à Justiça, passando pelas Finanças, Trabalho, Indústria e Saúde.

Um Governo de natureza social-democrata, resumem alguns comentadores, formado por sete homens (incluindo Sánchez) e onze mulheres. E isso no ano dos movimentos internacionais e nacionais #MeToo e #NoSin Mujeres, meses depois da gigantesca e histórica manifestação do Dia da Mulher em Madrid. Isto num país que, “visto ao espelho” no tema da igualdade de género, “aparece feio”, escreve Berna González Harbour num comentário no diário El País. A igualdade “não é mais importante do que outros direitos inscritos no segundo capítulo da nossa Constituição, mas está penosamente debilitado no nosso universo supostamente avançado”, defende a jornalista.

“[José Rodríguez] Zapatero [que formou os dois únicos governos paritários que Espanha já teve] converteu o feminismo em política de Estado e Sánchez parece seguir o mesmo caminho”, continua Harbour. “O espelho que Sánchez coloca diante de nós é poderoso; ignorá-lo não só contribuiu para prolongar a fealdade, e por tanto, a injustiça, como também a má imagem de nós mesmos”. Para a jornalista, cabe agora ao resto do país “dar um passo em direcção ao futuro ou ficar para trás”.

Na curta intervenção em que apresentou aos espanhóis os nomes das ministras e dos ministros, Sánchez não deixou de recordar que já dissera haver “um antes e um depois das manifestações de 8 de Março”, sublinhando que as mulheres que convidou para o executivo “carregam o peso da responsabilidade em matéria económica”, o que é também inédito.

Para além da única vice-presidente ser a ministra da Igualdade, Carmen Calvo; o Ministério da Economia e Empresas será ocupado por Nadia Calviño, economista e advogada, até agora directora-geral da elaboração de Orçamento na Comissão Europeia; o Ministério das Finanças fica nas mãos de María Jesús Montero, que tratava das contas do executivo andaluz; na Justiça estará Dolores Delgado, procuradora especializa em jihadismo, grande defensora da Justiça Universal e dos direitos humanos; o Trabalho, Migrações e Segurança Social vai ficar a cargo de Magdalena Valerio, especialista em pensões.

Entre as pastas ocupadas por mulheres contam-se ainda a Defesa (entregue a uma independente leal a Sánchez, Margarita Robles); a Política Territorial e Função Pública (a catalã, não muito bem vista entre os soberanistas, Meritxell Batet); a Saúde, Consumo e Bem-estar Social (Carmen Montón, licenciada em Medicina e grande defensora da saúde pública, que reverteu a privatização de alguns hospitais na Comunidade Valenciana); a Indústria, Comércio e Turismo (María Reys Maroto, do Departamento de Economia da Universidade Carlos III e deputada na assembleia de Madrid, onde era porta-voz na comissão de Orçamento, Economia, Finanças e Emprego); a Educação e Formação Profissional (Isabel Celáa, basca muito próxima de Sánchez); e a Transição Energética (Teresa Ribera, que já foi secretária de Estado do Ambiente e das Alterações Climáticas).

Líderes a olhar para o futuro

“Um Governo aberto, proposto pelo PSOE mas que aspira a representar toda a cidadania, composto por líderes nas suas áreas, progressista, moderno e europeísta, preparado para abordar os grandes desafios do futuro, com a Ciência como principal motor de inovação”, descreveu ainda Sánchez.

O primeiro-ministro explicou ainda o porquê de o seu Governo ter mais quatro pastas do que o de Mariano Rajoy, que derrubou com uma moção de censura: para além da recuperação do Ministério da Igualdade, volta a pasta da Cultura, “que nunca deveria ter sido suprimida, é uma fonte de riqueza espiritual e económica”; e surgem a Indústria, para “dar visibilidade ao poderio industrial do país, em resposta a pedidos do sector”, e a Transição Energética, para “concentrar o debate sobre alterações climáticas, ao qual não se prestou demasiada atenção”.

A presença de Calviño foi elogiada pela presidente do Banco Santander, Ana Patrícia Botín, e pelo próprio presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a quem Sánchez telefonou para lhe dar conta do convite, uma vez que a agora ministra integrava a equipa do luxemburguês. O novo Governo espanhol, muito elogiado por ex-líderes socialistas (Alfredo Pérez Rubalcaba diz que é “magnífico”), mereceu o aplauso de um barão do PP, o presidente da Justa de Castela e Leão, Juan Vicente Herrera, que o descreveu como “muito sólido”.

Um dos cargos mais importantes do que resta de legislatura não está no Governo mas também foi entregue por Sánchez a uma mulher. Trata-se de Adriana Lastra, a nova porta-voz socialista no Congresso, a quem caberá a complexa tarefa de tentar negociar apoios num Parlamento em que o PSOE conta apenas com 84 deputados em 350. Será Lastra, com Sànchez, a gerir as grandes expectativas que o executivo já gerou. Não esquecendo que falta pouco mais de ano e meio para o fim da legislatura.

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