Marcelo insiste nos riscos que a corrupção representa para o sistema democrático

Sem querer falar de casos concretos de suspeitas de corrupção, como o do antigo ministro da Economia Manuel Pinho, o Presidente da República remete para outras intervenções sobre “sanidade da democracia”.

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O PR tem feito alertas recorrentes sobre a sanidade da democracia LUSA/MÁRIO CRUZ

Marcelo Rebelo de Sousa recusou-se de novo a falar sobre casos concretos de corrupção, como o revelado mais recentemente – o caso Pinho –, optando por recordar que neste 3 de Maio se assinala o Dia da Liberdade de Imprensa. Nesse contexto, preferiu enaltecer a “independência” dos media face aos poderes políticos e económicos, “e portanto perante os casos de ligação entre poderes políticos e poderes económicos”. 

“Noutras circunstâncias disse o que pensava sobre a sanidade da democracia”, acrescentou, remetendo de imediato para o discurso que fez nas comemorações do 25 de Abril. “Há dois anos que ando a fazer este discurso. Basta olhar à volta e ver as dificuldades na formação de governos, a instabilidade nos sistemas partidários e a crise em partidos tradicionais, a dificuldade da sua renovação, o aparecimento de novos movimentos inorgânicos e novos partidos, a radicalização, as posições anti-sistémicas, o debate sobre direitos fundamentais em certos países. E isso não é bom”, afirmou aos jornalistas à saída da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

Para o Presidente da República, a situação de Portugal ainda é diferente desse panorama: “Há uma estabilidade institucional, uma estabilidade política e no sistema, quer de partidos quer dos parceiros económicos e sociais, que nos permitem dizer que não vivemos o que outros países vivem. Mas devemos olhar para esses exemplos e foi isso o que eu quis dizer no 25 de Abril”, sublinhou nesta quinta-feira.

O chefe de Estado tem repetido os avisos sobre a necessidade de reforçar a transparência e ética republicana na política, para evitar o “compadrio com o poder económico”. Sem nunca referir casos concretos, sejam de corrupção ou do recebimento de benefícios indevidos por parte de políticos, Marcelo ainda nas comemorações do 25 de Abril alertou para a necessidade de “prevenção de erros ou omissões”, a par da “antecipação de desafios” e da necessária proximidade entre eleitores e eleitos. “É essencial evitar fenómenos de lassidão, de contestação inorgânica e anti-sistémica e de cepticismo com os partidos e os parceiros económicos e sociais”, sublinhou.

Um tema recorrente tanto na celebração do dia um da democracia, como a propósito da implantação da República. A 25 de Abril de 2016 pediu que se seja “mais efectivo no combate à corrupção e mais transparente na vida política”. Um ano depois, lembrou que os populismos se “alimentam das deficiências, lentidões, incompetências e irresponsabilidades do poder político. Ou da sua confusão ou compadrio com o poder económico e social”. Por isso, defendeu que  “todas as estruturas do poder político, do topo do Estado à Administração Pública e, naturalmente, aos tribunais, entendam que devem ser muito mais transparentes, rápidos e eficazes na resposta aos desafios e apelos deste tempo, revendo-se, reformando-se, ajustando-se”.

Já no discurso do 5 de Outubro de 2016 se referira à ética republicana como pedra de toque para evitar a desconfiança na política: “A razão de ser de desilusões, de desconfianças e de descrenças […] tem a ver com o cansaço perante casos a mais de princípios vividos de menos.” Teria em mente o caso, então recente, das viagens de membros do Governo ao Euro 2016 a convite da Galp, mas a abstracção abrange todos os casos de corrupção. “De cada vez que um responsável público […] se permite admitir dependências pessoais ou funcionais, se distancia dos governados […], alimenta clientelas, redes de influência e de promoção social, económica e política, de cada vez que isso acontece, aos olhos do cidadão comum, é a democracia que sofre”, sublinhou então.

O tema voltou à baila no ano seguinte, quando Marcelo insistiu no “reforço da credibilidade” das instituições, “nomeadamente na sua dimensão das funções de soberania”, referindo em particular a justiça, a segurança interna e as Forças Armadas. Nessa altura fez  referências a Pedrógão Grande e a Tancos, mas também insistiu na necessidade de uma “justiça prestigiada” para que “a inocência ou culpabilidade não seja um novelo interminável”.

Mais à frente, pediu que o 5 de Outubro sirva para o balanço “do que enriqueceu a democracia mas também do que a corroeu ou a enfraqueceu”, também como compromisso de futuro.

E o que dizia o comentador?

Marcelo Rebelo de Sousa remeteu para declarações suas feitas antes de ser Presidente da República sobre a referência a casos concretos, mas também como comentador televisivo era bastante cauteloso na apreciação desses processos. Nos primeiros comentários televisivos após a detenção de José Sócrates, em Novembro de 2014, dizia que “a grande questão” era conseguir provar os crimes de corrupção.

“O problema aí é estabelecer a ligação entre esse amigo muito amigo que vai apoiando José Sócrates e a corrupção. A corrupção significa a contrapartida de um favor concreto, específico, de tal maneira que é possível relacionar uma coisa com a outra”, afirmava na TVI na semana seguinte à detenção do antigo primeiro-ministro.

Marcelo Rebelo de Sousa notava também que se “sente” que a investigação “anda a pegar em vários casos”, referindo-se em concreto àquele que envolvia Rui Pedro Soares (actual presidente do Belenenses) sobre os direitos televisivos, em que Carlos Santos Silva teria apoiado financeiramente.

“Sentimos, quem está fora sente, que é fazer um nexo de ligação entre o apoio do amigo de Carlos Santos Silva a José Sócrates, ao longo do tempo, em termos financeiros, e determinar actos do Governo que possam avançar para o crime de corrupção”, prosseguia. “Se essa relação não for estabelecida, sobram os crimes de branqueamento de capitais e fraude fiscal”, afirmava.

Marcelo comentou também a reacção dos portugueses, dizendo que “o país ficou com boca em 'O', mesmo os grandes adversários dele”. Até porque nessa altura os casos de corrupção se sucederam, com a prisão de Sócrates a seguir-se à revelação do caso dos vistos gold, que acabaram na resignação do ministro da Administração Interna do Governo PSD/CDS. “[Essa semana] culminar com a detenção de José Sócrates foi uma falta de ar”.

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