Jovens cientistas portugueses distinguidos com prémio europeu

Prémio de instalação da EMBO, um importante galardão para jovens cientistas na Europa, distinguiu dois portugueses. Ana Domingos e Nuno Morais fazem investigação nas áreas da obesidade e oncologia, respectivamente

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O futuro era “uma grande incerteza” até há duas semanas, antes de o investigador do Instituto de Medicina Molecular (IMM) Nuno Morais receber duas boas notícias quase em catadupa: a Organização Europeia de Biologia Molecular (EMBO) galardoou-o com o prémio de instalação numa semana e a Fundação Ciência e Tecnologia (FCT) deu-lhe na semana seguinte a notícia de que neste ano, ao contrário do que tinha acontecido em 2013, terá direito ao prémio investigador FCT, que garante um contrato de trabalho de cinco anos e dá ainda uma bolsa para investigação. “Se não tivesse estas duas notícias, não era certo que houvesse condições para ficar em Portugal a fazer Ciência. O meu futuro podia passar por mudar de profissão ou de país.” Ana Domingos, investigadora principal do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) igualmente premiada pela EMBO, tinha já garantida a continuidade do seu trabalho pelo instituto onde trabalha, mas não deixa de se congratular com este galardão de “liberdade”: “É dinheiro com muito pouca burocracia associada, que nos dá um financiamento estável e nos permite focar na Ciência.”

Os dois portugueses — Nuno Morais com uma investigação na área oncológica, Ana Domingos com trabalho relacionado com a obesidade — integram a restrita lista de oito jovens investigadores distinguidos com as EMBO Installation Grants, que neste ano premiaram cientistas de quatro países europeus: Portugal, Polónia, República Checa e Turquia. Além das bolsas de 50 mil euros anuais, atribuídos por um mínimo de três e um máximo de cinco anos, os eleitos entram ainda na prestigiada rede de jovens investigadores Europeus da EMBO.

Compreender a obesidade

Ana Domingos está desde 2013 no IGC, onde tem centrado o estudo na identificação de mecanismos moleculares de recompensa que estão associados à ingestão de açúcar. Traduzindo em duas perguntas, que estão relacionadas entre si: “Porque é que gostamos de açúcar e porque é que quando estamos a fazer dieta o prazer que encontramos nesse nutriente é ainda maior?”. Há uma “reacção de prazer” que a ingestão de açúcar provoca e que não é incitada da mesma forma quando são ingeridos adoçantes artificiais. A razão, defende a investigadora em conversa telefónica com o P3, “é biológica”: “Existem neurónios que sentem a presença de açúcar e que traduzem isso em dopamina, em prazer. Os adoçantes artificiais não fazem nada disto.”

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Ana Domingos tem 38 anos e é investigadora do Instituto Gulbenkian de Ciência Roberto Keller/ IGC

Com uma técnica chamada optogenética, a investigadora conseguiu em laboratório “activar os neurónios MCH enquanto os animais comiam adoçante artificial”. Resultado? “Consegui inverter a preferência do animal.” Com a investigação que iniciou ainda em Nova Iorque, Ana Domingos percebeu ainda que quando perdemos peso a probabilidade de comprometer a dieta logo depois aumenta. A investigadora explica: “Há uma hormona fundamental que controla esta apetência pelo açúcar, que é a hormona leptina. É uma hormona que é produzida pelo nosso tecido adiposo em quantidades que são proporcionais à quantidade de tecido adiposo.” Isto significa que quando se perde peso e os níveis de leptina caem são desencadeados mecanismos que fazem com que a pessoa goste mais de açúcar — e dessa forma caia mais facilmente em dietas “yo-yo”.

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Nuno Morais, 37 anos, é investigador independente no Instituto de Medicina Molecular

Neste cenário, acrescenta, “o que fazia sentido era fazer dieta e manter os níveis de leptina constantes”. “É um ensaio clínico que pode ser feito: perceber se quando uma pessoa perde peso mas mantém os níveis de leptina constantes tem menos probabilidade de falhar a dieta.”

Tratamentos oncológicos mais dirigidos

Nuno Morais procura “responder a problemas fundamentais de biologia utilizando computadores”. “Há colegas que trabalham com células, microscópios ou pipetas, eu essencialmente trabalho com computadores”, começou por explicar ao P3 numa conversa telefónica. A investigação do vianense de 37 anos tem como objectivo aumentar a compreensão das doenças oncológicas e contribuir para o desenvolvimento de métodos de diagnóstico mais precisos e tratamentos mais personalizados e mais dirigidos.

O estudo — que contará a partir de Janeiro com um grupo de investigação que Nuno Morais estima que seja de cinco pessoas — debruça-se sobre “um processo de regulação da expressão dos genes que se chama ‘splicing’” e sobre a relação deste com o cancro e particularmente a formação de metástases.

“Se houver falhas na regulação do ‘splicing’ [processo pelo qual cada gene pode originar várias mensagens e, portanto, várias proteínas distintas], a mensagem que chega à maquinaria que produz as proteínas é errada” e, consequentemente, as proteínas deixam de ser produzidas, são produzidas em quantidades inconvenientes ou de forma defeituosa. Os resultados preliminares obtidos mostram que “há evidência de que há desregulação do ‘splicing’ em cancro”.

As novas tecnologias de sequenciação permitem, por exemplo, ler a mensagem que está no RNA (ácido ribonucleico, que leva a mensagem a ser traduzida em proteína) de um conjunto de células de um tumor. E o que este biólogo computacional faz é “comparar essa mensagem com a que se esperaria de um tecido saudável”. Resultados? “Consigo identificar falhas do ‘splicing’ que são consistentes em determinados tipos de tumor e que já permitem, por exemplo, prever a agressividade do tumor.”  

Desde o nascimento do programa de financiamento da EMBO, em 2006, foram atribuídas 58 bolsas de instalação, 13 em instituições portuguesas. É um galardão particularmente importante “num período em que o financiamento para ciência [em Portugal] é muito incerto”, aponta Nuno Morais, que espera que este reconhecimento facilite o “recrutamento de pessoas de qualidade” para a equipa que vai constituir no IMM, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. É um cenário de estabilidade que nem sempre foi possível, apesar do percurso de sucesso do investigador: “Convém dizer que quando regressei a Portugal há um ano concorri ao concurso de investigador FCT e, na altura, a FCT achou que não tinha qualidade suficiente para merecer o financiamento para fazer investigação independente.” A “escassez de financiamento”, lamenta, “faz com que na prática só uma elite consiga ter meios para fazer boa investigação”: “Eu entrei nessa lista com este prémio, caso contrário estava do outro lado.”

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