BE e PAN abdicam de autocultivo da cannabis para tentarem chegar a um consenso

Bloco quer focar o projecto-lei sobre a cannabis para fins terapêuticos no essencial, "a democratização do acesso", e vincar o papel do Estado enquanto promotor da investigação das potencialidades medicinais da planta. PAN espera vir a discutir questão do cultivo próprio mais tarde.

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Reuters/STRINGER

Para o Bloco de Esquerda (BE) há uma "forte probabilidade". Para o PAN já é certo. Estes partidos devem deixar cair a alínea que se refere ao autocultivo da cannabis nos respectivos projectos de lei que prevêem a legalização do uso terapêutico da planta.

Segundo o deputado Moisés Ferreira, esta é uma das alterações que o BE está a estudar – os partidos têm de entregar até segunda-feira as alterações aos projectos no Parlamento - , depois de várias entidades e peritos se terem pronunciado no grupo de trabalho que debateu o uso medicinal da planta. "Abdicar do autocultivo é quase certo", afirmou. O Bloco pondera ainda incluir no projecto de lei a criação de um novo departamento dentro do Infarmed constituído por profissionais "com conhecimento fitoterapêutico" e pretende reforçar no texto legislativo que o "Estado deve promover a investigação sobre os canabinóides", afirmou o deputado. O bloquista falou ao PÚBLICO, nesta quarta-feira, à margem do debate Cannabis Medicinal: Riscos e Benefícios, que decorreu na Ordem dos Médicos, em Lisboa, e foi organizada pelo conselho nacional desta entidade.

A necessidade de desenvolver estudos mais aprofundados e metodologicamente mais rigorosos para perceber a dimensão do benefício e potenciais riscos do uso medicinal da cannabis e derivados foi, aliás, um dos reptos deixados por intervenientes no debate como Félix Carvalho, da Ordem dos Farmacêuticos, Marta Marcelino, directora de avaliação de medicamentos do Infarmed, e Luís Castelo-Branco, redactor do parecer da Ordem dos Médicos sobre o assunto.

O autocultivo tem sido o ponto de cisão entre as propostas do BE e do PAN e as autoridades da Saúde. É uma questão que tanto a directora-geral da Saúde e o ministro Adalberto Campos Fernandes, como a Ordem dos Médicos e o Infarmed têm recusado, apesar de apoiarem o uso de cannabis enquanto medicamento, para determinadas indicações. Para a autoridade do medicamento apenas o "cultivo controlado", como em qualquer outro medicamento, permite assegurar a sua qualidade, segurança e eficácia. Isto, porque está em causa uma planta que, frisou a presidente do Infarmed Maria do Céu Machado, se contamina facilmente com metais pesados, pesticidas e fungos.

"O autocultivo, na nossa proposta, vinha potenciar o acesso, mas se está a criar ruído e até a desviar a discussão para temas paralelos, vamos focar no essencial que é a democratização do acesso", justificou Moisés Ferreira. Na mesma linha, Cristina Rodrigues, coordenadora da Secretaria de Acção Jurídica do PAN, afirmou que o partido fará esta alteração "com o objectivo de chegar a um consenso", deixando a questão do cultivo por particulares "para depois".

Já para a Cannativa – Associação de Estudos sobre Cannabis apenas o autocultivo da planta, autorizado através de receita médica e licença, pode garantir o pleno acesso dos doentes às estirpes da cannabis que não estejam disponíveis em farmácias. A carta aberta onde a associação espelha esta posição reuniu 500 assinaturas e foi nesta quarta-feira entregue à Ordem dos Médicos.

Estiveram ainda presentes no debate o deputado do PSD Ricardo Baptista Leite, autor da moção que propõe a legalização total da cannabis com vista à eliminação do mercado paralelo, Javier Pedraza Valiente, médico e fundador da Cannativa, Ana Rita Andrade, interna de medicina e doente com esclerose múltipla, e António Vaz Carneiro, director do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência.

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